Opinião

Recolher a fala e o ato: 25 de julho é dia internacional da mulher negra

Hoje é 25 de julho, dia da mulher negra latino-americana e caribenha. Data de resistência e luta

Belo Horizonte |
Andreia: Com a energia das yabás, somos as mulheres do projeto popular
Andreia: Com a energia das yabás, somos as mulheres do projeto popular - Arquivo pessoal

A voz de minha filha / recolhe todas as nossas vozes / recolhe em si / as vozes mudas caladas / engasgadas nas gargantas / A voz de minha filha / recolhe em si / a fala e o ato. (Vozes - Conceição Evaristo)

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Hoje é 25 de julho, dia da mulher negra latino-americana e caribenha. Data de resistência e luta. Diferentemente do 8 de março que também é de luta, mas que a sociedade do consumo insiste em atestá-lo como data mercadológica.  Hoje, diante da hipocrisia desta sociedade racista não receberemos botões de rosa, que geralmente são brancas e vermelhas. As flores que nos dão diariamente são os crisântemos que muitas mulheres negras colocam sobre o caixão dos seus filhos e filhas mortos por esta sociedade capitalista racista e patriarcal.
No Brasil, os resquícios coloniais impõem sobre as mulheres negras um determinado padrão de como enfrentar a vida. Somos chamadas de fortes, mas assim somos não porque queremos e sim porque temos que ser.
Nos últimos dias nas redes sociais lançou-se uma campanha em que as mulheres relatam as vivências como empregadas domésticas. Os relatos é a constatação do racismo brasileiro. Outro fato revoltante foi a publicação de um vídeo onde a gerência de um certo estabelecimento comercial grava uma mulher negra trabalhando e a chama de escrava.  Quando esses casos e outros saem na rede social se trata da ponta do iceberg da condição em que vive o povo negro no Brasil, em especial as mulheres. Pelas estatísticas oficiais o racismo é funcional para a sociedade capitalista e faz parte do seu mecanismo de reprodução perdurar, naturalizar e perpetuar as opressões nas relações sociais a fim de manter os privilégios da classe burguesa.
A marginalização que essa sociedade nos causou e nos causa devido a sua estrutura persiste em ser um dos atos mais cruéis que lidamos no dia a dia. Temos nossos corpos violados e propagandeados como objetos sexuais e ao mesmo tempo somos sujeitadas a uma solidão impositiva que nos marca como fel. Sendo que, com o tempo, a digestão dessa solidão vai nos tirando o sorriso, mas, ainda assim, exigem que sejamos dispostas e sorridentes. Mas, falar sobre como o racismo e o machismo nos afeta subjetivamente é considerado muitas vezes “mimimi”.
Contudo, ainda temos uma rebeldia criadora vinda do fundo das nossas entranhas que perpassa pela nossa ancestralidade e grita pulsante no interior de nossas periferias. Somos as mulheres que afronta essas mazelas e estamos dizendo em palavras e ações que não aceitaremos mais esse lugar e esse papel determinado tal como um contrato pré-nupcial. Estamos rompendo com esse sistema.
No ano passado construimos a Marcha Nacional das Mulheres Negras, um marco histórico no enfrentamento ao racismo no Brasil. Este ano as negras e negros estão nas ruas pela democracia e denunciando o golpe contra o povo brasileiro.
Neste dia 25 de julho, nós mulheres negras brasileiras nos solidarizamos com a presidenta Dilma e com os punhos cerrados e erguidos gritamos #FORATEMER! Vamos para as ruas nos amando #SEMTEMER.
Recolher a voz e o ato é a última estrofe do poema Vozes da escritora mineira Conceição Evaristo.  Recolhendo a voz e o ato para explodir rebeldia matinal em cada canto desse país.  Somos as filhas herdeiras de Nzinga, Thereza de Benguela, Luiza Main, Negra Zeferina, Lélia Gonzáles, Carolina de Jesus, Clementina de Jesus e tantas Marias.
Somos mulheres negras latino-americanas e caribenhas e não tememos a morte. Com a energia das yabás, somos as mulheres do projeto popular. Somos fogo no pavio! Até a vitória!

*Andréia Roseno é militante da Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar de Minas Gerais (FETRAF-MG) e da Consulta Popular.

 

 

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