Pernambuco

MORADIA

Ocupação no Recife é a luta pelo sonho da casa própria

Abrigando 2 mil pessoas, ocupação Carolina de Jesus resiste há mais de um mês

Recife (PE) |

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Ocupação, que teve início com 250 famílias, hoje abriga 1.500
Ocupação, que teve início com 250 famílias, hoje abriga 1.500 - Vinícius Sobreira

No dia 17 de fevereiro deste ano 250 famílias ocuparam um terreno abandonado ao lado do Terminado Integrado de passageiros do Barro, na Zona Oeste do Recife. A área de 12 mil metros quadrados pertence ao Governo de Pernambuco, que pretendia usar a terra na reforma do TI Barro, como parte das obras para a Copa do Mundo 2014. A reforma foi realizada, mas o terreno não foi utilizado, ficando abandonado por anos, até que as famílias, organizadas no Movimento de Trabalhadores Sem Teto (MTST), decidiram ocupá-lo reivindicando moradias populares.

A ocupação se deu numa sexta-feira, mas o efetivo da Polícia Militar para reprimir os ocupantes era pequeno, devido a grandes eventos que aconteceriam naquele mesmo fim de semana. Ainda assim houve repressão, mas os ocupantes resistiram e a polícia recuou. Desde então mais famílias chegaram trazendo consigo o sonho de ter uma casa própria. Parte dos ocupantes vive no mesmo bairro, pagando – ou devendo – meses de aluguel. É o caso de Ana Cristina. “Eu moro de aluguel e não estou com condições de pagar. Essa situação é a mesma de muitos companheiros que estão aqui na ocupação”, afirma. Hoje a ocupação abriga 1.500 famílias.

Ela afirma que o terreno era motivo de preocupação no bairro, já que nos últimos anos muitos estupros e assaltos aconteceram no terreno, que também era ponto de consumo e comércio de drogas ilícitas. “Estou dando graças a Deus por essa ocupação. Eu mesma fui vítima de assalto aqui nesse terreno. Só não fui estuprada porque corri”, recorda Cristina. “Depois da ocupação essa onda de assaltos, estupros e droga aqui no terreno acabou”. Ela afirma que a reivindicação do grupo é a desapropriação do terreno abandonado em favor dos ocupantes.

A comunidade foi batizada com o nome de Carolina de Jesus, em homenagem à escritora negra brasileira moradora da favela do Canindé, em São Paulo, trabalhando como catadora de lixo. Seus diários, onde registrava o cotidiano da comunidade, foram descobertos na década de 1950 e deram origem ao livro “Quarto de Despejo: diário de uma favelada”, publicado em 1960. A ocupação tem se organizado em três grupos que têm sua própria cozinha e comissões de alimentação, infraestrutura e segurança. A solidariedade tem sido fundamental para a ocupação, que sempre está precisando de medicamentos, alimentação e material de limpeza.


Sem condições de pagar aluguel, Pica-pau e a esposa levaram os 4 filhos para morar no barraco de lona na ocupação. (Foto: Vinícius Sobreira/Brasil de Fato)

 

No dia 21 de fevereiro a Ocupação teria uma reunião com o Governo de Pernambuco na Companhia Estadual de Habitação e Obras (CEHAB), mas o encontro acabou cancelado e os ocupantes realizaram um protesto em frente à CEHAB. A manifestação foi recebida a bala de borracha e 10 militantes do MTST foram detidos, além 50 pessoas feridas. Entre os detidos estava Otho Paiva, que avalia que o Brasil passa por um momento de “Estado de exceção” desde o impeachment que afastou a presidenta eleita Dilma Rousseff. “Desde que o governo golpista assumiu algumas coisas invisíveis mudaram dentro de instituições como, por exemplo, a Polícia Militar. Quando fomos presos os policiais estavam muito alterados e ao tempo todo diziam que ‘essa historinha de movimento social acabou, o governo agora é outro’”, diz Paiva. “Além disso, no meu depoimento eles se negavam a transcrever algumas coisas que eu falava. Diziam, por exemplo, que eu não podia falar ‘governo golpista’ e escreviam ‘governo Temer’”, diz o militante do MTST.
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Otho recorda ainda que tentaram colocar sobre ele quatro tipificações de crime: associação criminosa, resistência à prisão, tentativa de incêndio e dano qualificado ao patrimônio. “É uma tentativa de nos deixar o máximo de tempo presos. Algemaram-nos pelos pés e mãos, nos deixaram sem camisa, numa sala alagada de 3 metros de largura e 3 de comprimento, superlotada com 17 pessoas. Eles querem nos amedrontar, nos fazer desistir da luta”, avalia. Para ele, a mobilização das forças de esquerda foram fundamentais para a libertação dos presos. Dois casos simbólicos que justificam essa avaliação de que vivemos um Estado de exceção foram a prisão do dirigente do MTST Guilherme Boulos, em São Paulo; e a invasão realizada pela polícia na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), centro de estudos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
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Para o militante do MTST Otho Paiva o momento político pede organização da classe trabalhadora para proteger os direitos e a própria população. “O medo que temos é que uma parcela da sociedade, a mesma que apoiou o golpe de 2016, bata palmas quando formos presos, torturados e humilhados. Esse receio nos dá gás para construirmos luta popular e organizar as pessoas que realmente precisam. E sabemos que quem precisa não são essas pessoas que estavam de verde e amarelo em Boa Viagem pedindo a saída da presidenta Dilma”.
Segundo o ocupante Carlos Manoel o diálogo com o Governo de Pernambuco avançou nas últimas semanas e os ocupantes estão próximos de comemorar a liberação do terreno. “A negociação está bem encaminhada. Só está faltando uma assinatura e a publicação no Diário Oficial”, comemora. Os ocupantes querem construir um habitacional do Minha Casa Minha Vida cujas obras sejam executadas pelos próprios ocupantes. “Depois da conquista do terreno a batalha será pelo recurso do Governo Federal para liberar a construção do Minha Casa Minha Vida. É a nossa meta”.


Novas famílias continuam chegando trazendo a esperança de conquistar a sonhada casa própria. (Foto: Vinícius Sobreira/Brasil de Fato)

Edição: Monyse Ravenna