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'A agroecologia é a solução para a desertificação', afirma especialista

Paulo Pedro de Carvalho afirma que, desde o golpe, a desertificação avança em 11 estados e 75% da caatinga foi desmatada

Brasil de Fato | Ouricuri (PE) |
Paulo Pedro (de branco na foto), do CAATINGA, durante evento na Colômbia
Paulo Pedro (de branco na foto), do CAATINGA, durante evento na Colômbia - Misíon Verde Amazonia

No último dia 17 de junho foi celebrado o Dia Mundial de Combate à Desertificação, data convencionada pela Organização das Nações Unidas, em 1994. Desertificação é a perda da capacidade de renovação biológica de zonas áridas, semiáridas e subúmidas. Mas será esse um processo de responsabilidade também de zonas urbanas? E qual a relação desse fenômeno com a produção de alimentos no campo?

Paulo Pedro de Carvalho, coordenador geral da instituição CAATINGA, aborda a importância de que tanto as populações tanto do campo como da cidade reflitam sobre os processos de desertificação.

No início de junho, Paulo Pedro esteve na Colômbia participando do III Seminário Internacional sobre Criação Sustentável de Animais e do Encontro Latino-americano de Luta Contra a Desertificação. No ano passado, ele participou, na China, da 13ª edição da Conferência das Partes (COP) da Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação (UNCCD). Confira a entrevista completa em que ele aborda também a importância da agroecologia como ação mitigadora da desertificação, que é acelerada, no Brasil, com as práticas do agronegócio.

Quais são os maiores desafios no combate à desertificação no Brasil?
Paulo Pedro –
É preciso trabalhar mais a assistência técnica e campanhas para conscientizar os produtores rurais e toda a população e trabalhar a construção de conhecimentos que sejam capazes de barrar o processo de desertificação, mas também recuperar as áreas que estão já bem degradadas. E isso a gente entende que é através da agroecologia, através das práticas e formas de produção que vem sendo divulgadas e trabalhadas pela ASA [Articulação Semiárido Brasileiro], pela ANA [Articulação Nacional de Agroecologia], por diversas organizações não-governamentais (ONGs), como o CAATINGA, e movimentos socais, focadas na agroecologia e na convivência digna e sustentável com o Semiárido. Essa é uma forma de reverter o processo aqui no Brasil.

O tema da desertificação é pouco contemplado na agenda política, tanto nacional como nos estados, apesar de já existirem políticas aprovadas, mas não implementadas. A Política Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca foi aprovada recentemente, mas não foi regulamentada. O golpe, com esse governo, como em outras questões, também não está dando atenção para essa política. Então, é preciso trabalhar de forma massiva na conscientização da população, tanto do campo como da cidade, mas também fazer força política para que essas decisões já tomadas e aprovadas sejam implementadas.

Uma assistência técnica de qualidade, trabalhando em sintonia com uma educação contextualizada para a convivência com o Semiárido é que vai fazer as famílias agricultoras mudarem a lógica do agronegócio trabalhar com a agroecologia. O agronegócio é um dos grandes provocadores da desertificação e a agroecologia é uma forma de enfrentamento.

Quais as regiões brasileiras mais susceptíveis a desertificação?
No Brasil, a desertificação acontece aqui no Nordeste e em alguns estados do Sudeste – Minas Gerais e Espírito Santo - porque segundo a definição da ONU, da Convenção de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca, a desertificação está definida como a degradação das terras das regiões áridas, semiáridas e subúmidas secas. Numa área total que chega a mais de 1.340.000 km², em 11 estados brasileiros. E tem uns locais que esse processo está mais avançado, são núcleos avançados de desertificação.

Em Pernambuco tem a região de Cabrobó, pegando a Ilha de Assunção, devido ao desmatamento naquela região, mas também a irrigação salinizando os solos. No Piauí tem uma área de transição da caatinga para o cerrado, que é o município de Gilbués, naquela região tem vários municípios com processo de desertificação forte, lá chove muito, mas é uma área subúmida seca. No estado do Ceará tem a região de Irauçuba, também com processo de degradação avançado devido a pecuária e o desmatamento.

Tem a região do Seridó, no Rio Grande Norte, e o Vale da Catarina, entre Bahia e Minas Gerais. Essas são áreas que já vem a mais de 30 anos em processo avançado de desertificação. Aqui no Araripe, por exemplo, nós temos, segundo últimos estudos, em torno de apenas 25% do território com caatinga intocável, os outros 75% já foram desmatados, e tem áreas que estão em um processo avançado, onde as famílias já não conseguem mais produzir nada porque a terra não tem mais fertilidade, foi degradada com o processo de uso agrícola, que mesmo chovendo nem as plantas nativas não nascem mais.

Como as iniciativas da agricultura familiar agroecológica contribuem para o combate à desertificação?
Aqui no Semiárido a gente vê claramente que as famílias que estão no processo avançado de conversão para a agroecologia conseguem perfeitamente produzir bem alimentos, gerar renda e ter um outro olhar e um outro cuidado com o ambiente onde vivem e onde trabalham. Um exemplo recente foi a passagem da grande seca de 2011 a 2017, onde muitas famílias que não estavam no processo de conversão para a agroecologia tiveram impactos imensos nos seus agroecossistemas. Como os criadores de gado, que muitos venderam ou os animais morreram, ou transferiram para outra região, ou tiveram que reduzir para uma quantidade bem pequena e seus sistemas de pastagens ficaram totalmente falidos, sem nenhuma produção capaz de alimentar o mínimo de quantidade de animais possíveis.

Isso foi uma prova concreta de que esses sistemas de monocultivos não ajudam a ter uma produção sustentável durante os tempos. Inclusive, também tenho visto que quem tem área de caatinga virgem e não degradada foi a salvação de muitos criadores, que os animais puderam encontrar algum alimento na caatinga mesmo com poucas chuvas, como aconteceu nesses sete anos.

A agroecologia é, sem sombra de dúvidas, uma das formas mais eficientes de combater a desertificação, de enfrentar as mudanças climáticas, de preservar e recuperar a biodiversidade, é tanto que não são só as experiências das famílias agricultoras nos dão essa certeza, mas também em estudos e relatórios feitos por órgãos, inclusive internacionais, como a ONU, que tem dito em diversos documentos de que a agroecologia é a única forma de dobrar a produção de alimentos no mundo em dez anos. 

Como as pessoas que moram nas cidades podem contribuir com o combate à desertificação e o meio ambiente?
Por vezes, as pessoas da cidade podem pensar que elas não têm relação com o meio ambiente, apenas as famílias agricultoras, e isso é uma ideia equivocada. No Semiárido brasileiro, uma boa parte das populações urbanas têm relações próximas com o meio rural. As pessoas do meio urbano precisam ser mais sensibilizadas e ouvidas no processo de cuidado com o meio ambiente, começando pelas cidades que precisam ser mais arborizadas, precisam ser menos poluídas com tanto lixo.

Para isso é preciso cumprir com as políticas públicas de resíduos sólidos, que a maioria dos municípios brasileiros estão atrasados com o processo de planejamento e implementação. E tem outro campo também importante da população urbana, que é trabalhar agricultura urbana. Já tem várias cidades do Brasil e do mundo produzindo alimentos. Claro que o espaço para a agricultura para o meio urbano é bem limitado, mas é possível ter vários sistemas de produzir hortas e pomares em áreas urbanas.

Aqui no Araripe, o CAATINGA está começando a planejar e discutir com alguns sujeitos do meio urbano formas de desenvolver essa prática da agricultura urbana. Outro elemento importante que o povo da cidade de certa forma tem, mas precisa ser promovido mais ainda que é a valorização dos produtos da agricultura familiar agroecológica. Dessa forma ajudando a agricultura familiar agroecológica e também ajudando a cuidar do meio ambiente e assim combater à desertificação e enfrentar os problemas das mudanças climáticas. 

Como em nível de América Latina as organizações têm se articulado para enfrentar essa questão?
Está avançando cada vez mais uma articulação das organizações da sociedade civil da América Latina e Caribe, onde tem várias organizações que já estão envolvidas na Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação (UNCCD), como o CAATINGA que é creditado na convenção.

Aqui no Brasil não tem uma quantidade grande de organizações, me parece que são entre oito e dez organizações creditadas. Isso mostra o quanto a gente está aquém do nosso potencial de contribuir mais com esse debate. Mas nós estamos aqui na região cada vez mais articulados.

Na última conferência, que aconteceu na China em setembro passado, onde estivemos representando o CAATINGA e a ASA, conseguimos fazer vários momentos paralelos apresentando a nossa experiência, conversando sobre essa articulação aqui da América Latina e Caribe. Isso desencadeou um processo de comunicação que nos levou a participar na Colômbia no início deste mês de junho de dois grandes eventos: o III Seminário Internacional sobre Criação Sustentável de Animais, onde tivemos representação de vários países, e lá também levei a experiência de criação de animais de forma resistente e resiliente aqui no Semiárido brasileiro. E o Encontro Latino-americano de Luta Contra a Desertificação, onde discutimos sobre ações de intercâmbio, troca de conhecimentos e uma maior preparação para sintonizar nossa participação e de forma qualificada nas dinâmicas e atividades das conferências e outras atividades da Convenção de Combate à Desertificação. A gente entende também que essa articulação vai nos dar muita força para avançar na convenção, já que temos uma participação bem forte nessas dinâmicas.

*Comunicadora da ONG CAATINGA

Edição: Monyse Ravenna