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Ambulantes preocupados com mudanças na Boa Vista

Proposta é manter apenas 40 trabalhadores informais na via; ambulantes se queixam de falta de diálogo

Brasil de Fato | Recife (PE) |
As seis estações BRT inauguradas há poucos meses serão removidas
As seis estações BRT inauguradas há poucos meses serão removidas - PH Reinaux

No último dia 8 de novembro a Prefeitura do Recife apresentou um projeto de reforma da avenida Conde da Boa Vista, uma das principais vias da cidade, pela qual passam mais de 300 mil pessoas por dia. A via, que entre os anos de 2007 e 2008 já sofreu uma grande mudança, 10 anos depois terá um novo projeto. Orçadas em R$15 milhões, as obras estão previstas para iniciar em março de 2019.
Na nova Conde da Boa Vista as calçadas onde hoje estão os pontos de ônibus, dividindo a pista local da faixa central, serão removidas. Os pontos de ônibus retornarão às calçadas por onde circulam os pedestres. Hoje são 14 pontos de ônibus, mas esse número será ampliado para 20 paradas. Já as 6 estações BRT inauguradas há poucos meses serão removidas. No meio da via serão construídos canteiros centrais, que abrigarão apenas 2 estações BRT e há uma promessa de 90 árvores.
Entre as seis faixas - 3 no sentido Santo Antônio e 3 no sentido Derby -, as quatro faixas das laterais serão compartilhadas por veículos particulares e ônibus; e as duas centrais serão de circulação dos BRTs. Não estão previstas ciclovias ou ciclofaixas na Boa Vista, mas há uma promessa de ciclofaixas nas vias arteriais, nos arredores da Conde. Seis bicicletários serão colocados na avenida.
A Prefeitura também afirmou que haverá um aumento de 5 para 13 no número de faixas de pedestres. Além delas, haverá travessias elevadas para pedestres ao longo da via. Duas licitações para as obras já foram publicadas no Diário Oficial do Recife nos dias 1º e 6 e novembro. As seleções de empresas são referentes às obras nos passeios (calçadas) e troca de iluminação.
A via tem 1,6 quilômetros de extensão, por onde circulam 49 linhas de ônibus e 4 de BRT. Mais de 300 mil pessoas circulam diariamente pela via, dos quais metade utilizam os ônibus. Apenas 10% dos veículos que circulam na via são carros particulares.
Um ponto polêmico é no que trata dos trabalhadores informais. A Prefeitura cadastrou 94 "ambulantes" que trabalham ao longo da Conde da Boa Vista. Mas o novo projeto prevê que apenas 40 deles poderão trabalhar na via principal, em fiteiros colocados pelo próprio Executivo municipal. Segundo o secretário de Mobilidade e Controle Urbano do Recife, João Braga, "os cadastrados terão oportunidade de fazer comércio nas vias transversais ou em locais apropriados, que serão determinados pela Prefeitura". Braga afirma que terrenos foram adquiridos pelo poder público nas proximidades da Boa Vista e serão destinados ao comércio informal.
Na terça-feira (20) os comerciantes da Boa Vista se reuniram na assembleia do Sindicato dos Trabalhadores Ambulantes e do Comércio Informal (Sintraci) para discutir o que os trabalhadores podem fazer diante do anúncio do poder municipal. "Não houve qualquer diálogo com os trabalhadores. Estamos recebendo as informações via imprensa, ainda tentando entender o que a Prefeitura quer fazer conosco", se queixa a ambulante Luciana Mendonça.
Ela alerta que os trabalhadores não aceitarão a proposta de manter apenas 40 deles na Conde da Boa Vista, enquanto os demais serão deslocados. "O ambulante tem que estar onde tem movimento. Se nos colocar noutro local, estaremos repetindo o erro do passado", diz Luciana, em referência ao camelódromo da Dantas Barreto, construído na década de 1990, mas que só funciona parcialmente. "Queremos conversar com a Prefeitura, mas o secretário não é aberto ao diálogo", se queixa a ambulante.
Sobre os terrenos no bairro que podem ser destinados aos ambulantes, ela ironiza. "Faz seis anos que a Prefeitura diz isso, mas nunca falou nada conosco. Só chegam com projetos para nos remover". Luciana lembra ainda que o número de comerciantes informais só cresce. "É o resultado da crise política e econômica. Essas pessoas estão aqui para levar o pão para casa. Muitas vidas dependem disso aqui", afirma Mendonça. "O Recife foi fundado pela Guerra dos Mascates, que eram comerciantes informais. Eles fundaram isso aqui, mas hoje em dia não tem política pública para isso", reclama.
Falta de Transparência e Participação
A intenção de fazer novas mudanças na Boa Vista foram anunciadas por Geraldo Julio ainda na campanha de sua reeleição, em 2016. Naquele momento o prefeito anunciava que as obras custariam entre R$5 milhões e R$6 milhões. Um ano depois, o valor anunciado já é três vezes maior.
Outra queixa foi sobre a falta de participação popular na elaboração do projeto. Entidades da sociedade civil, a exemplo do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), sugeriram uma audiência pública sobre a requalificação da via, ao que a Prefeitura respondeu alegando que não havia obrigatoriedade desta etapa.
O poder municipal, inclusive, demorou a se pronunciar sobre o tema e sobre a elaboração do projeto. A sociedade civil só soube através de imagens que circulam através de whatsapp, sem mais informações sobre as obras. De acordo com informações da Marco Zero Conteúdo, foi na Câmara de Dirigentes Logistas (CDL Recife) que o projeto foi apresentado em primeira mão, ainda em fevereiro, com a presença do secretário João Braga e de Taciana Ferreira, da CTTU. Mas a apresentação do projeto ficou a cargo de Eduardo Cândido Coelho.
Eduardo Coelho é o representante da empresa mineira Fratar Engenharia, contratada não pela Prefeitura, mas pelo sindicato patronal Urbana-PE, que representa as 13 empresas de ônibus que atuam na Região Metropolitana do Recife. Mas a Prefeitura anunciou o projeto como fruto do trabalho da Emlurb. João Braga foi consultor da Urbana-PE até 2011, quando saiu para assumir a Secretaria de Mobilidade e Controle Urbano da Prefeitura. Seu filho, Bernardo Braga, é o gerente de comunicação da Urbana-PE.
O mesmo Eduardo Coelho era diretor da empresa Tectran quando a mesma foi contratada pelo Governo de Pernambuco, em 2014, através de licitação. A Tectran recebeu mais de R$600 mil para elaborar o Plano Diretor Cicloviário do estado, mas pouca coisa foi posta em prática pelo governo.

Edição: Monyse Ravena