Pernambuco

EDUCAÇÃO

"O jovem não pode ser educado para ser uma máquina", critica Paulo Rubem

Em conversa com o Brasil de Fato, educador fala do projeto Escola Sem Partido, que tramita no Congresso

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Paulo Rubem já foi vereador do Recife (1993-94), em seguida deputado estadual (1995-2002), além de federal. Hoje leciona na UFPE.
Paulo Rubem já foi vereador do Recife (1993-94), em seguida deputado estadual (1995-2002), além de federal. Hoje leciona na UFPE. - Divulgação

Tramita na Câmara Federal o Projeto de Lei 7180/2014, apelidado de Escola Sem Partido. O projeto impõe limites rígidos para o que os educadores podem ou não falar em sala de aula, além de restringir debates sobre igualdade entre homens e mulheres (gênero), respeito à diversidade sexual e à pluralidade religiosa. Para o professor Paulo Rubem Santiago, que foi deputado federal por dois mandatos (2003 a 2010), o projeto é irresponsável e covarde.

Paulo Rubem tem formação em Educação Física, foi professor da rede pública estadual, presidiu o sindicato da categoria no início dos anos 1980. Teve mandatos de vereador do Recife (1993-94), em seguida deputado estadual (1995-2002), além de federal. Hoje dá aulas na UFPE. Sempre teve como pauta prioritária a educação pública. Ele considera que o "Escola Sem Partido" coloca o educador como vilão da educação. "É responsabilizar o professor pelos fracassos da educação brasileira. Isso é uma irresponsabilidade, coisa de quem não tem conhecimento do que é uma rotina de um educador", criticou.

O projeto é amplamente apoiado por setores sustentados no conservadorismo moral, a exemplo da dita Bancada Evangélica, que comanda o grupo que trata do PL. Comissão de análise do projeto é presidida pelo deputado Marcos Rogério (DEM-RO) e a relatoria foi elaborada pelo deputado Flavinho (PSC-SP). O vice presidente da comissão e um dos líderes em defesa do projeto é o pernambucano Pastor Eurico (PATRI).

Paulo Rubem avalia que o projeto de lei é parte de uma grande movimentação para silenciar as pessoas que sonham com uma sociedade mais justa. "Esse projeto está dentro de algo maior, que é a tentativa de criminalizar todos os sujeitos sociais que não se veem passivos, mas protagonistas e ativos na construção de um projeto de educação e de sociedade", afirma. Paulo Rubem lembra ainda que está em curso não só a criminalização contra os professores, como também contra os estudantes que se manifestam nas escolas e universidades, contra o sindicalismo, contra os movimentos dos sem terra (MST) e sem teto (MTST).

O educador lamenta ainda que o projeto busque acabar com os estímulos ao pensamento crítico nos estudantes. Segundo Santiago, "é impossível construir o processo de conhecimento sem levar o aluno à reflexão". "O aluno precisa ser estimulado ao pensamento, ao raciocínio, à análise. No momento em que ele é estimulado a pensar, ele é também estimulado a fazer uma crítica à situação que está diante dele, seja no caderno, num mapa ou numa tela", completa. O ex-deputado considera que esse é um fator fundamental para despertar a curiosidade e o interesse em qualquer disciplina escolar.

Ele faz referência ainda à Constituição Federal, que coloca sobre a Educação a responsabilidade de dar uma formação integral da pessoa humana, para o desenvolvimento da cidadania e que garanta o processo de formação para o mercado de trabalho, com dignidade e todos os direitos previstos na legislação. "Só há sentido na educação para a cidadania e desenvolvimento pessoal e profissional do educando se estimularmos o pensamento crítico, analítico, com autonomia do estudante", diz Paulo Rubem. "O jovem não é uma máquina e não pode ser educado para ser uma máquina ou uma engrenagem que se encaixe no mercado de trabalho sem ter qualquer tipo de reflexão sobre o próprio trabalho", completa.

Outro erro apontado por Paulo Rubem é a tentativa de impor uma mesma aula para professores diferentes, em escolas diferentes, dentro de contextos tão diversos. "Só defende uma proposta dessa quem não conhece as realidades de escolas na periferia do Recife, ou uma na Amazônia, no cerrado, no semiárido ou na zona da mata", afirma. "Mesmo em escolas de um mesmo município, se elas estiverem em bairros diferentes, elas terão a missão de construir o conhecimento de uma forma totalmente diferente", completa.

O contexto socioeconômico em que os estudantes e a escola estão inseridos precisa ser considerado na construção do plano de ensino e dentro das salas de aula. É o que alerta Paulo Rubem. "Não conseguiremos construir uma boa educação olhando somente dos muros para dentro da escola. Grande parte dos fatores que fazem com que os alunos tenham déficit de atenção e aprendizagem, déficit de presença na escola, você só vai conseguir compreender olhando dos muros para fora da escola", considera. Segundo o educador, se escola e estudantes estão inseridos num bairro com muitos desempregados, dependentes químicos ou de grande incidência de violência, por exemplo, isso se reflete dentro da escola, tanto nas salas de aula como nos intervalos.

A missão das escolas, considera Santiago, é saber trabalhar com as realidades em que estão inseridas as crianças e as próprias instituições, a fim de reduzir as diferenças nos graus de aprendizado. "Se a escola não tiver professores habilitados, biblioteca, material didático, merenda, essa escola só vai somar as próprias deficiências às deficiências trazidas pelos estudantes", disse. Ele menciona ainda a necessidade de prática esportiva, visitas a museus e outras atividades que contribuem na formação cidadã.

Outro objetivo é ajudar essas crianças e adolescentes a compreenderem a própria realidade exterior à escola. "É o que Paulo Freire dizia: precisamos ensinar o estudante a ler a palavra, mas também a ter leitura do mundo", diz Paulo Rubem. "E para ler o mundo e a realidade ao seu redor, o aluno precisa construir conhecimentos os mais diversos. É preciso conhecer própria a história, a geografia local, a situação do meio-ambiente à sua volta", completa.

Essa compreensão do mundo vem com uma educação "contextualizada", que, lembra Paulo Rubem, tem como ponto de partida os artigos 12º, 13º e 15º da Lei das Diretrizes e Bases (LDB) da Educação, em aprovada em 1996. Os artigos afirmam que cada escola deve ter seu projeto político-pedagógico, que deve ser construído em conjunto com a comunidade escolar (estudantes, familiares e educadores).

Questionado sobre as alegações de "doutrinação" contra professores que estimulam o desenvolvimento de senso crítico, Paulo Rubem ironiza e lembra que o amplo acesso às tecnologias permite que os estudantes busquem informações por conta própria. "Quanto mais assistimos ao avanço tecnológico, mais difícil acreditar em 'professores doutrinadores'. Essa proposta da Escola Sem Partido é que, sim, é uma doutrinação", alerta. "Eles querem que a escola cumpra uma função mecânica, formadora apenas de operários sem autonomia, sem consciência crítica, sem conhecimento de direitos, que aceitem as desigualdades do sistema econômico do jeito que ele é", pontua. "Por isso os planos de educação não são só projetos de escolarização, mas um embrião de um projeto de sociedade", conclui.

Uma forma de evitar isso seria ajudar os estudantes a conhecerem suas próprias histórias, a história do bairro, do seu povo, de sua cidade e país. "Por isso precisamos estudar a resistência do povo negro, dos indígenas. É preciso compreender por que os trabalhadores da zona da mata eram tratados debaixo da chibata e sem carteira assinada até 1960", avalia. "Estudar por que o Acordo do Campo, de Miguel Arraes, para que os senhores de engenho finalmente assinassem as carteiras de trabalho, aqui foi visto como um ato 'comunista', quando em qualquer local do mundo seria um ato de cidadania, dignidade e respeito ao trabalhador".

Educação à Distância

Sobre Educação à Distância (EaD), Paulo Rubem alerta que a tecnologia em si não faz milagres. "É uma ilusão, uma mentira. Não adianta robozinho, lousa digital, notebook, tablet, elas por si só não produzem transformações", afirma. As tecnologias, diz Paulo Rubem, podem acelerar transformações produzidas anteriormente. "Antes de existir internet ou computadores o Brasil já produzia ciência e muitos cientistas foram formados assim. Por então agora as tecnologias são colocadas como mais importantes que os projetos?", questiona. Ele mesmo responde: "por que por trás das tecnologias existem as empresas que vendem mercadorias. O que eles querem mesmo é vender o serviço e lucrar".

O ex-deputado afirma que a EaD se transformou numa mercadoria que atende ao interesse dos grandes empresários da educação privada, já que é um serviço de baixo custo e grande rentabilidade. "Essa mudança proposta não tem nenhum objetivo pedagógico. Não existe nenhum país do mundo que tenha melhorado seu sistema de educação fazendo isso", alerta. "Eu só vejo um motivo para essa mudança: o interesse pelo dinheiro, pelo lucro, com as empresas substituindo o papel do Estado e das secretarias de educação, além de substituírem os professores por vídeos".

Edição: Marcos Barbosa