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"Não existe plano B para o rio São Francisco", afirmam especialistas e ribeirinhos

Diante de contaminação, audiência pede empenho dos governos do Nordeste na defesa do rio e em nacionalizar o debate

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Instituições e e poder público ainda não possuem plano de intervenções para reduzir a contaminação do rio São Francisco
Instituições e e poder público ainda não possuem plano de intervenções para reduzir a contaminação do rio São Francisco - Alexandre Azevedo/Chesf

A Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) realizou audiência pública para discutir os riscos que corre o rio São Francisco após o rompimento da barragem da empresa Vale em Brumadinho. Realizada numa das plenárias menores, o debate reuniu menos de 50 pessoas e teve como foco prioritário reunir especialistas para "abrir os trabalhos" da Frente Parlamentar em defesa do rio São Francisco. O grupo de deputados é liderado por Lucas Ramos (PSB), que convocou a audiência pública.

Durante a manhã ficou evidente a dispersão das instituições e, mais de três meses após o trágico 25 de janeiro, nem elas e nem o poder público possuem propostas de intervenções para reduzir a contaminação do rio São Francisco. Um dos consensos entre os presentes é de que, em maior ou menor concentração, os rejeitos de minérios estão a caminho e chegarão ao longo de todo o rio, podendo não mudar a cor da água, mas certamente trazendo impactos na saúde da população e na economia das cidades ao longo do rio.

Responsável pela exposição  inicial, com os dados de uma pesquisa mostrando o curso dos rejeitos até o início do São Francisco, o pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) Neilson Freire revelou que, apesar do rico levantamento datado de março, a Fundaj não pode afirmar até onde já chegaram os rejeitos. "Não temos condições estruturais de acompanhar a contaminação ao longo de todo o São Francisco. Faltam equipamentos e pesquisadores", pontuou. Outra notícia ruim chegou pelo representante da Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa), Rômulo Aurélio. "Nossas estações de tratamento não estão preparadas para tratar água com esse nível de turbidez e nem contaminada com tantos minérios. É uma situação que preocupa muito", alertou.

Natural de Santa Maria da Boa Vista, a militante Fernanda Rodrigues, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), também trouxe a necessidade de discutir o rio como um bem natural coletivo, não restringindo o debate aos momentos de tragédia. "Em Orocó e Santa Maria nós já bebemos constantemente água suja, poluída pelo agronegócio que acha que é dono do rio", queixou-se. Ela rebateu ainda a centralidade dada à fruticultura irrigada, "carro-chefe" da economia e agricultura locais. "Estão preocupados com o agro e exportação?! E o povo que não vai ter água para beber, nem para os animais ou sua plantação para subsistência?", questiona.

Um dos convidados foi Djalma Paes, presidente da Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH). Ele revela apreensão sobre como o tema tem sido tocado na Associação Brasileira de secretarias e gerências de meio ambiente (Abema). "Na Abema o secretário de Meio Ambiente de Minas Gerais estava em preocupado em justificar as liberações para mineradoras", afirma. NEm uma das matérias sobre o tema, o Brasil de Fato mostra a percepção de que a Vale domina toda a estrutura do poder público do estado mineiro.

Leia: Rejeitos de Brumadinho chegam ao São Francisco e autoridades ainda não têm plano

Ciente de que a chegada dos rejeitos a Pernambuco é uma questão de tempo, Paes avalia que o diagnóstico é importante, mas ações preventivas devem ser prioridade. "Achamos que não podemos ficar só no diagnóstico. Precisamos pensar como prevenir isso", suplica. O pedido foi endossado por Anivaldo Miranda, do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco, composto por empresários da agricultura, navegação e universidades da região do São Francisco. "Já passou da hora de isso ser tratado a nível de governos estaduais", reclamou.

Miranda trouxe ainda o alerta sobre uma outra barragem que coloca em risco - e de maneira muito mais grave - a vida no rio São Francisco: a barragem da mineradora canadense Kinross Gold, no rio Paracatu, em Minas Gerais. "Tenho levantamento de todas as ameaças ao rio. A mais grave está no rio Paracatu, onde há uma barragem de rejeitos de mineração de ouro carregada de mercúrio e arsênio, muito mais poluente que as dos rompimentos recentes", alerta. "E pior: no rio Paracatu não tem barragem de Três Marias para conter a pluma de lama grossa. Vai tudo direto para o São Francisco. Isso é pior que Fukushima", completa, em referência ao acidente numa usina nuclear japonesa após tsunami, em 2011.

Miranda reclama urgência em conter esses riscos, sob risco de destruição de vidas e economia na região nordeste. "Se acontecer o que houve com o Rio Doce estamos 'ferrados'. Onde vamos buscar água? Para o São Francisco não tem plano B", diz Anivaldo. Ele alerta ainda para a seguida destruição de rios no país. "O Brasil mata um rio de proporções planetárias a cada ano: Rio Doce (2015), Barcarena (2018), Paraopeba (2019). Qual será o próximo?", questionou.

O representante do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco também fez críticas diretas ao discurso disseminado pelo presidente Jair Bolsonaro e seu grupo sobre o meio ambiente. "É preciso confrontar essa falácia de que a política ambiental 'atrapalha'. Na verdade ela é fundamental para o desenvolvimento. Sem proteção do meio ambiente acontece isso. Foi bom para a economia da região?". Em concordância com a reivindicação, a secretária executiva de Meio Ambiente de Pernambuco, Inamara Melo, avalia que as tragédias ambientais são resultado da "falta de compreensão do que é a política ambiental. Os alertas da ciência precisam ser levados a sério", afirma.

Ela critica ainda que, diante do quadro atual, o Governo Federal tenha decidido por cortes de verbas que seriam destinadas a meio ambiente. E confirma que o Governo de Pernambuco será instado a se envolver mais e articular os demais estados "para realizar a pressão necessária para obtermos mudanças". O deputado Lucas Ramos (PSB), do mesmo partido do governador Paulo Câmara, acredita que iniciativas conjuntas aos estados ocorrerão tão logo se oficialize, nos próximos meses, o Consórcio Nordeste. "Vai ficar muito mais fácil pactuar metas para cooperação. Os encaminhamentos daqui serão todos apresentados aos governadores do Nordeste", garante.

Fernanda Rodrigues, do MAB, criticou a pouca preocupação em fazer as informações e os debates chegarem à população. "Nos estados que serão atingidos - Bahia, Pernambuco, Alagoas, Sergipe - o que está acontecendo é isso aqui, discussão em salas fechadas". O deputado Lucas Ramos (PSB) confirmou a realização de três audiências públicas em cidades sertanejas banhadas pelo São Francisco. São elas: Cabrobó (pela manhã) e Floresta (à tarde), ambas no dia 17 de maio; além de Petrolina no dia 3 de junho. Nestas, garante o deputado, haverá mais espaço para a sociedade civil. Isaltino Nascimento (PSB) propôs uma audiência pública no Ministério Público Federal (MPF) como forma de nacionalizar o debate e superar o que classificou como "amordaçamento" realizado pela Vale em Minas Gerais.

Estiveram presentes ainda os deputados Fabrizio Ferraz (PHS), Roberta Arraes (PP), Antônio Fernando (PSC) e Sivaldo Albino (PSB). Entre os convidados participaram a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), a Companhia do Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf), além de órgãos estaduais como a Secretaria de Infraestrutura e Recursos Hídricos, a Agência Pernambucana de Águas e Clima (Apac) e a Secretaria de Saúde.

ALERTA
Um outro alerta foi pautado por Marina Gadelha, advogada e integrante da Comissão Nacional de Direito Ambiental da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Ela chama atenção para o PL 3729/2004, que cria uma Lei Geral de Licenciamento Ambiental. "O PL tem relatoria do deputado Kim Kataguiri (DEM) e ganhou regime de urgência nos últimos meses, tramitando sem o necessário debate com a população. Toda quarta-feira ficamos alerta, porque a qualquer momento ela pode entrar na pauta e ser votada", diz Gadelha. "Há um grande risco de aprovarem uma nova forma de licenciamento ambiental sem debate com a sociedade", pontua.

Edição: Monyse Ravena