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Com geração promissora, Venezuela quer surpreender nesta Copa América

Após vitórias recentes contra grandes seleções, venezuelanos têm esperanças de um bom desempenho nesta edição do torneio

Brasil de Fato | Caracas (Venezuela) |
Retrospecto para o jogo contra o Brasil vai contra as pretensões da Venezuela. São 24 jogos e 22 vitórias brasileiras
Retrospecto para o jogo contra o Brasil vai contra as pretensões da Venezuela. São 24 jogos e 22 vitórias brasileiras - Foto: Evaristo Sa / AFP

Nesta terça-feira (18), a seleção brasileira encara a Venezuela pela segunda rodada da Copa América 2019. O jogo foi o primeiro com venda antecipada de ingressos esgotada e será o primeiro com lotação máxima da competição, cerca de 45 mil pessoas, na Arena Fonte Nova, em Salvador, perdendo apenas para a abertura do evento que contou com 46 mil espectadores, no Morumbi, na sexta-feira (14/6).

A situação rompe com a constante baixa adesão do público aos primeiros jogos da Copa América. No confronto entre Venezuela e Peru, no sábado (15/6), menos de 20 mil pessoas assistiram à partida na Arena do Grêmio, em Porto Alegre (RS). A média de lotação é de 25 mil pessoas até o momento. Um possível motivo do “fracasso de público” é o elevado preço dos ingressos.

Na estreia da Venezuela contra a seleção peruana, o preço médio de entrada foi de R$216. O valor cobrado para o jogo de abertura foi de quase R$ 485 – quase metade de um salário mínimo no Brasil.

Agora, Venezuela e Brasil se enfrentam em um cenário desigual do ponto de vista da história do confronto. De 24 partidas, foram 22 vitórias, um empate e uma derrota. A expectativa, porém, é grande, sobretudo do lado venezuelano.

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O país vizinho vive um dos momentos mais promissores da seleção masculina de futebol, e trouxe para a Copa América um time que tem como base atletas que foram vice-campeões mundiais sub-20 em 2017.

Vinho Tinto: promessa nacional

Além das recentes tensões entre Brasil e Venezuela, que resultaram em 75 dias de fechamento da fronteira terrestre, um bom desempenho recente da seleção venezuelana promete uma boa partida.

“Respeitamos o Brasil, mas não o tememos”, diz o diretor da Federação Venezuelana de Futebol (FVF), Francisco García Dávila, que garante que os bons resultados atuais são fruto de um trabalho contínuo de anos nas categorias de base. Dávila destaca, por exemplo, a inclusão da categoria sub-18 nos torneios nacionais de clubes da primeira divisão.

A promessa nacional se centra justamente na nova geração. Isso por que ao menos quatro jogadores da escalação dessa Copa América foram vice-campões do Mundial Sub-20 de 2017, sob o comando do atual técnico e ex-goleiro, Rafael Dudamel. São eles: os goleiros Wuilker Fariñez, Joel Graterol, o zagueiro Ronald Hernández e o lateral Yeferson Soteldo -- que atualmente joga no Santos.

Para Nelson Carrero, atacante histórico da seleção Vinho Tinto -- que defendeu a Venezuela em duas Copas América (1983 e 1987) e nas Olimpíadas de 1980 --, a evolução se percebe na maior estrutura e investimento, tanto dentro a Venezuela, como a nível internacional.

“A qualidade do futebol sempre existiu. É uma questão relativa, há mais espaço para trabalhar agora. Apesar da crise, há mais possibilidade de se preparar. Antes nem pensar que a seleção pudesse jogar três amistosos antes de uma competição importante. A Venezuela tem sido um cemitério de futebolistas, que ficaram no ‘veremos’ pela falta de apoio”, afirma o ex-diretor técnico da Vinho Tinto sub-20.

“O futebol ganhou muitíssimo espaço e muita popularidade e, segundo estatísticas, nos últimos quatro anos, o futebol tem levado mais torcedores aos estádios do que o beisebol [esporte mais popular na Venezuela]”, destaca o presidente da Associação Única de Futebolistas Profissionais da Venezuela Juan García.

Há quem acredite na vitória

A expectativa supera as fronteiras e, apesar de o futebol perder para o beisebol como esporte nacional venezuelano, há quem acredite em um repeteco da vitória histórica contra a seleção brasileira. Um 2 a 0, em junho de 2008, num amistoso disputado em Boston (EUA).

“Estamos em um bom momento e podemos fazer um bom jogo contra o Brasil, apesar do resultado contra o Peru, que não foi o que esperávamos da seleção. Agora estamos frente a um segundo jogo contra a anfitriã e favorita, mas confiamos na nossa seleção para uma grande Copa América”, comenta o gerente do Caracas F.C. Miguel Mea Vitali.

Apesar de nunca ter conquistado um título da Copa América, foi justamente na Arena Fonte Nova, onde, em 1989, a equipe saiu vitoriosa depois de sete anos sem pontuar em confrontos contra o Brasil.

Em que pesem algumas mordidas históricas da Vinho Tinto, os dados fazem a balança pesar para o lado brasileiro. “O jogo vai ser super complicado para nós e tem importância vital para nossas aspirações de chegar à próxima etapa”, comenta García.

Depois do empate na estreia, os venezuelanos dependem de uma vitória contra o Brasil para encaminhar sua vaga nas oitavas de final. 

Polêmica

Em março desse ano, o técnico Rafael Dudamel colocou seu cargo à disposição por acreditar que o futebol estava sendo muito “politizado” pela oposição golpista na Venezuela. O ato foi consequência do seguinte episódio: logo antes da vitória da seleção venezuelana contra a Argentina, em Madrid, o embaixador da Venezuela na Espanha, nomeado pelo autoproclamado presidente golpista Juan Guaidó, Antonio Ecarri, visitou o time na concentração.

As fotos e vídeos publicados sugeriram uma identificação política do grupo ou do seu treinador com o setor opositor do país.

Ecarri, na época, afirmou que "Juan Guaidó demonstrou solidariedade à seleção. Vocês representam a alma de todos os venezuelanos. Em nome da Venezuela, quero desejar êxito no jogo de hoje", publicou a conta da embaixada opositora da Venezuela na Espanha.

Na época, o treinador afirmou que por respeito seguiria dirigindo o time até jogo seguinte, mas que esperava o aval dos dirigentes da Federação para poder seguir o trabalho. “Todo este tempo navegamos em águas muito turvas. Tudo se politizou. Em Rancagua (Chile) também recebemos a visita do embaixador de Maduro. Mas se utilizou a entrevista, tristemente. E eu sou técnico de uma seleção de um país inteiro”. Ainda segundo o treinador, as fotos haviam sido autorizadas apenas para “consumo interno” e sua publicação foi “uma falta de respeito”.

Há quem diga que a tensão gerada pela foto ofuscou a vitória de 3 a 1 contra o time de Messi. “É lamentável que tenham utilizado a seleção como uma bandeira política e que esse episódio seja mais recordado que o nosso triunfo contra a Argentina”, afirma o gerente do Caracas Futebol Clube e ex jogador da seleção, Miguel Mea Vitali.

Três meses depois, pouco se comenta sobre o fato. Para Carrero, atacante histórico da seleção, todo o caso foi planejado. “Ele [Rafael Dudamel] sempre se manifestou como opositor ao governo, o que acontece é que a situação não terminou bem, então ele teve que sair anunciando que não deveria se politizar o futebol”, critica o ex-atacante histórico da Vinho Tinto, Nelson Carrero.

Crise econômica

Além do embate político nacional, a crise econômica que atravessa o país pode ser considerado outro entrave para o desenvolvimento do futebol profissional. Com uma inflação descontrolada e um bloqueio econômico e financeiro, os impactos são reais.

No final de 2018, a Adidas anunciou que não renovaria o contrato com a seleção, depois de 13 anos confeccionando os uniformes oficiais. Opositores denunciam que uma das razões seria o pagamento dos contratos em bolívares e não em dólares -- informação nunca confirmada pelo governo.

Em março de 2019, a empresa italiana Givova assumiu a produção. No entanto, com um orçamento de 450 mil euros em peças anuais, a marca italiana não tem satisfeito a demanda da equipe. Em abril, foram publicadas notícias de que os uniformes produzidos não seguiam o padrão nacional.

“A crise afeta tudo, com os atletas não é diferente. Se não tivéssemos uma situação tão difícil como a que estamos passando, de repente a seleção poderia ter outros anunciantes, outros patrocinadores que poderiam dar mais benefícios econômicos para a seleção”, sugere Juan García “El Lagarto”.

Para o presidente do Caracas F.C., maior time venezuelano, o cenário recente de crise econômica afeta principalmente os clubes profissionais, que, por não receberem uma verba fixa do Estado, “se mantém com a venda de jogadores a times do exterior”, afirma Mea Vitali.

E o rendimento é alto. O último passe feito pelo Caracas F.C. foi de Fernando Aristeguieta, atacante caraquenho, começará no novo time logo depois da Copa América; Foi vendido do América de Cali ao Morelia do México por cerca de 4 milhões dólares (Cerca de R$16 milhões) - 20% do valor da transação ficará para o time capitalino, por direito de formação do jogador.

Já Carrero reconhece os impactos da crise, mas deposita a maior falha na falta de planejamento. “Improvisamos muito nos últimos anos”.

Legado da Copa América de 2007

Se matematicamente já não há esperanças de repetir a classificação em primeiro lugar, conquistada na fase de grupos da Copa América de 2007, realizada na Venezuela, ainda se sentem os impactos positivos do mega evento no país.

O país recebeu um investimento milionário para construir dois novos estádios e reformar outros sete para sediar o evento pela primeira vez.

Nelson Carrero, ex-atacante da seleção, credita toda a herança ao governo chavista. “A Copa América foi possível graças à Chávez. Sem ele não seria possível a construção de estádios dessa qualidade. Lembro que antes de 2007 você ia a um jogo em Barinas [estado no centro-oeste do país] e os jogadores tomavam banho de mangueira”, conta.

“Graças à estrutura criada temos estádios de primeiro nível, além do Centro Nacional de Alto Rendimento, na Ilha Margarita, ainda que reconhecemos que sofrem por falta de manutenção, federações e ligas de outros esportes gostariam de ter essa infraestrutura”, afirma o diretor da FVF Francisco García.

A falta de continuidade é também criticada por Carrero. Contudo, ele deposita na falta de tradição a principal causa do problema. “O futebol venezuelano sempre foi muito elitista e esteve centrado em clubes coloniais centrados em Caracas”, conta Carreiro.

Edição: Rodrigo Chagas