Dia da Pesca

Contra assédio de multinacionais, pescadores pedem criação de territórios pesqueiros

Proposta apresentada à Câmara regulariza áreas de atuação de comunidades tradicionais na costa e no continente

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Apresentação de sugestão de PL se deu em meio a comemorações do Dia Nacional de Luta pela Pesca Artesanal
Apresentação de sugestão de PL se deu em meio a comemorações do Dia Nacional de Luta pela Pesca Artesanal - Lula Marques/PT na Câmara

Cerca de 300 pescadores artesanais apresentaram, nesta quinta-feira (21), na Câmara dos Deputados, uma sugestão de projeto de lei (PL) à Comissão de Legislação Participativa (CLP) para pedir a criação do chamado “Território Pesqueiro”, cujo propósito é regularizar áreas de comunidades pesqueiras tradicionais.

O texto foi entregue durante uma sessão alusiva ao Dia Nacional de Luta pela Pesca Artesanal, comemorado em 21 de novembro.

A iniciativa é parte de uma campanha popular que se desenrola desde 2012 e que agora se oficializa junto ao Poder Legislativo, à espera da formatação de um projeto por parte de algum parlamentar.

A expectativa é que a pauta seja acolhida pela CLP, que pode optar pela apresentação de um PL em nome do próprio colegiado.

Comunidades tradicionais

Com 26 anos de vivências no mar, a pescadora Josana Pinto Costa, do Pará, 44, explica que a proposta quer proteger territórios tradicionais da atuação de grandes empresas, como agentes do turismo predatório, mineradoras, entre outros.

“Nossos territórios não têm segurança porque estão sendo entregues pra multinacionais num processo de comercialização, e eles não são peça de negócio, não são pra estar sendo vendidos nem negociados de forma alguma”, explica.

 

"Ter esse projeto de lei aprovado é ter a garantia da nossa soberania alimentar, da nossa sustentabilidade, da nossa tradição, da nossa cultura, do nosso jeito de ser, de fazer e de viver no local em que moramos", diz a pescadora Josana Pinto Costa (Foto: Lula Marques/PT na Câmara)

Segundo propõe o texto apresentado à Câmara dos Deputados, a ideia é que a demarcação das áreas fique a cargo dos órgãos públicos federais com competência para atuar nesses espaços, assim como ocorre com territórios indígenas e quilombolas.

De acordo com a secretária-executiva do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), Ormezita Barbosa, o conceito de “territórios pesqueiros” que servirá de norte para as delimitações de terra nasce a partir da compreensão das comunidades que se reconhecem e se identificam como tal.

“Ele dá conta de dimensionar a área física, mas não somente física, e sim também de relação ancestral que essas comunidades têm com o território. Então, pega áreas tanto da parte de continente quanto de água e mar, envolvendo todo o conjunto de relações que as comunidades têm com esses ambientes”, explica.

O sociólogo Cristiano Ramalho, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), aponta que tais espaços trazem diferentes ganhos para o país.

Segundo ele, nesses territórios da pesca, vivem mais de 1 milhão de pessoas no Brasil e essas populações são responsáveis por mais de 70% da produção pesqueira extrativista capturada no país.

"Não é pouca coisa, e essa produção tem fomentado muita coisa pra sociedade brasileira, como segurança alimentar, soberania, conservação da biodiversidade, sem que o Estado jamais oferecesse algo em troca a elas”, afirma, defendendo que as áreas sejam reconhecidas conforme sua tradição.

“Esses territórios significam a própria vida deles e vêm de formas de apropriação seculares, que foram desenvolvidas por diversos homens e mulheres ao longo do território brasileiro. São formas de apropriação material e simbólica dos pescados que se reproduziram ao longo da história”.

 

Pescadores denunciaram omissão do governo de Jair Bolsonaro (PSL) em relação ao óleo que atinge a costa do NE: "crime ambiental e ocupacional (Foto: Lula Marques/PT na Câmara)

Vazamento de óleo

A questão do vazamento de óleo que atinge os nove estados do Nordeste e o Espírito Santo também foi lembrada pelos pescadores artesanais nesta quinta durante a visita à Câmara dos Deputados.

Eles reforçaram o que o problema tem causado grandes prejuízos aos trabalhadores da costa, afetando as famílias das populações que vivem na região atingida. É o que conta, por exemplo, o pescador baiano Nildo Sacramento, que tem 50 anos de vida e depende da atividade pesqueira desde a infância.

“O estado [da Bahia] está vivendo um choque, e a gente sabe que os governantes têm conhecimento disso, mas sabe também que ninguém quer se responsabilizar. A gente não está conseguindo trabalhar, não está conseguindo vender nosso pescado. A gente pede que eles tenham uma postura realmente de governante e que tomem uma decisão. Somos trabalhadores e merecemos respeito”.

Segundo o último boletim do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais), publicado na quarta (20), o vazamento já afetou 117 municípios, alcançando ao todo 695 localidades.  

Edição: Rodrigo Chagas