Rio Grande do Sul

LITERATURA

A Cor da Esperança: romance de Renato Dornelles homenageia as mulheres negras

Ambientada na periferia de Porto Alegre, obra percorre antigos territórios negros apagados pela urbanização excludente

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Obra é o primeiro título da Falange Produções, editora criada pelo jornalista em parceria com a documentarista Tatiana Sager
Obra é o primeiro título da Falange Produções, editora criada pelo jornalista em parceria com a documentarista Tatiana Sager - Foto: Divulgação

Onze anos após lançar o sucesso Falange Gaúcha, que retratou o nascimento do crime organizado no Rio Grande do Sul, o jornalista Renato Dornelles se aventura pelo universo ficcional em “A Cor da Esperança”. O romance homenageia as mulheres negras e reconta um pouco da história de Porto Alegre, percorrendo lugares antigos, como a Colônia Africana e a Ilhota, onde nasceram Lupicínio Rodrigues e Tesourinha. A trama expõe os reflexos sociais do tráfico de drogas em um dos mais conhecidos bairros da periferia da cidade, a Restinga.

A Cor da Esperança é o primeiro título da Falange Produções, editora criada por Renato Dornelles e pela também jornalista e documentarista Tatiana Sager. “Tem como protagonista uma mulher, negra, idosa e favelada. São quatro características alvos de preconceito. E no livro, ela é uma heroína, como muitas donas Esperanças da vida real”, explica Renato em entrevista ao Brasil de Fato. Para ele, a literatura pode dar visibilidade àqueles que são invisíveis aos olhos do Estado e de boa parte da sociedade e combater a intolerância.

Confira a entrevista com o autor:

Brasil de Fato RS: Apesar de ser seu primeiro romance, "A Cor da Esperança" tem muito de documental no que diz respeito à vida nas periferias, com suas contradições, problemas e sociabilidades. A literatura pode ser uma ferramenta de desconstrução da realidade contada pelos vencedores?

Renato Dornelles: Sem dúvidas. A literatura não só pode como, ao meu ver, tem que desconstruir a história contada por vencedores. É uma forma de darmos visibilidade àqueles que são invisíveis aos olhos do Estado e de boa parte da sociedade. São pessoas que travam verdadeiras batalhas diárias, que sofrem mais do que ninguém com a violência e, ainda assim, são estigmatizadas e estereotipadas. A Cor da Esperança tem como protagonista uma mulher, negra, idosa e favelada. São quatro características alvos de preconceito. E no livro, ela é uma heroína, como muitas donas Esperanças da vida real.

BdF RS: No livro, você destaca essa realidade que normalmente é invisibilizada, a dos territórios negros em Porto Alegre. Comente sobre essa constância histórica, que infelizmente ainda hoje acontece, da cidade se “desenvolvendo” sob o custo de expulsar populações negras e pobres para locais afastados de áreas de interesse econômico.

Renato: Com a história de Dona Esperança e seus ancestrais, busco resgatar a história dos territórios negros que já existiram em Porto Alegre e que são pouco falados, como a Colônia Africana e a Ilhota. E não por acaso são pouco falados. Suas histórias ilustram um processo de urbanização excludente, que sempre visou expulsar a pobreza das regiões centrais.

As verdadeiras protetoras das comunidades / Ilustração do livro de Gilmar Fraga

BdF RS: O livro homenageia as mulheres negras, na figura da Dona Esperança, que enfrenta a violência para proteger sua família e vizinhança. Quem são e qual a importância das “Donas Esperanças” na vida de uma cidade e seus constantes processos de exclusão social?

Renato: As donas Esperanças são verdadeiras protetoras das comunidades. São como as antigas candaces, líderes guerreiras africanas. No dia a dia das grandes cidades, elas são fundamentais nas periferias, atuando desde parteiras a psicólogas e advogadas, a partir do conhecimento empírico.

BdF RS: O que o bairro Restinga representa na história de Porto Alegre?

Renato: O bairro Restinga tem uma grande importância na história da cidade. Os primeiros moradores foram levados para lá, removidos da Vila Ilhota, quando a Restinga ainda era um nada, sem infraestrutura, sem iluminação, com apenas duas viagens diárias de ônibus, a mais de 20 quilômetros do Centro. E resistiram, ajudando a promover o desenvolvimento do bairro e enfrentando e superando estigmas e preconceitos.

BdF RS: De que forma o conteúdo de "A Cor da Esperança" pode contribuir para repensar o atual momento social político brasileiro de escalada da intolerância e da violência, que muitas vezes encontra eco também nas comunidades periféricas?

Renato: A Cor da Esperança visa contribuir para um debate que, por sua vez, tenha entre suas razões de acontecer um ataque à intolerância. Personagens pobres, negros e brancos, uma travesti mostram como se vive honestamente em uma comunidade, apesar de o crime estar constantemente batendo à porta, devido à ausência estatal.

BdF RS: Há 11 anos, você lançou “Falange Gaúcha”, retratando o nascimento do crime organizado em Porto Alegre. Naquela época, era recente a Lei das Drogas, que ao contrário do seu objetivo, acabou aumentando a população carcerária no Brasil. Qual a relação da chamada Guerra às Drogas com a manutenção da violência e do encarceramento da juventude negra do Brasil?

Renato: A Lei das Drogas, a meu ver, é uma legislação perversa, na medida em que pune com maior severidade um jovem que, por força das circunstâncias tenha recorrido ao tráfico como forma de sobrevivência, de visibilidade ou atraído pelo mito do dinheiro fácil, do que um assaltante ou até um homicida. Além disso, permite ao agente estatal definir quem é traficante e quem é usuário. Em São Paulo, foi feito um estudo que mostra que jovens negros são presos como traficantes apanhados com quantidades de drogas menores do que brancos de classe média autuados como usuários.

"A Cor da Esperança é resultado de vivências pessoais e profissionais" / Divulgação

BdF RS: Sua pesquisa deu origem ao filme “Central - O poder das facções no maior presídio do Brasil”, documentário lançado em 2017. De que forma esse acúmulo de estudos sobre o sistema prisional está presente no seu primeiro romance?

Renato: A Cor da Esperança é resultado de vivências pessoais e profissionais. Ali, tem histórias minhas colocadas em personagens, histórias de pessoas que conheci e também de fontes e de pessoas que foram personagens em minhas reportagens. Histórias que foram contadas para mim e para a Tatiana Sager, nas gravações de Central e da série Retratos do Cárcere, que estreia em 2020, foram muito úteis para traçar o enredo do romance.

Vendas on-line: www.falangeproducoes.com.br 

Vendas físicas: Livraria Bamboletras (Rua General Lima e Silva, 776 loja 3 - Cidade Baixa, Porto Alegre)

Edição: Katia Marko