Você já teve ter ouvido que “todo camburão tem um pouco de navio negreiro”. A ideia embutida nessa expressão é muito verdadeira. Principalmente quando sabemos, por exemplo, que quase 70% da população encarcerada no Brasil é negra (Infopen, 2016). Ou quando nos damos conta de quão desiguais são as abordagens policiais nos bairros onde vivem desempregados, subempregados e trabalhadores e naqueles das elites econômicas.
Convivemos em nossas vidas diárias, portanto, com agruras de nosso passado colonial, apenas superficialmente modificadas. Nossa República, oficializada em negociatas de uma elite carente de projeto nacional e representante servil dos interesses capitalistas estrangeiros, faz-se, até o presente, incapaz de superar as relações sociais iníquas, que, herdadas do escravagismo, transmutam-se hoje nas inúmeras formas de preconceito, exploração e exclusão infligidas seja pelo mercado seja pelo Estado a nossa classe trabalhadora. E, como nos ensina a recente experiência do impeachment da presidenta Dilma e o estabelecimento de um governo nacional de extrema-direita, nos poucos momentos em que ações governamentais ensaiaram um rumo capaz de ter essa superação no horizonte.
Entender que seja essa a dinâmica de nossa história faz reconhecer que não há exagero em afirmar, parafraseando a ideia inicial, que “todo transporte coletivo tem um pouco de navio negreiro”! Afinal, é somente no contexto dessa dinâmica que podemos entender a ausência de políticas públicas que, a exemplo de outros países, garantam serviços de transporte coletivo capazes de aliar baixas tarifas (ou, mesmo, nenhuma tarifa) a pontualidade, conforto e segurança, especialmente em linhas que servem aos bairros nos quais vive a classe trabalhadora.
Como noticiamos anteriormente, a população da Grande Recife viu as tarifas de metrô e ônibus aumentarem, desde o ano passado, em mais de 100% e em cerca de 15%, respectivamente. Até junho, são esperados outros aumentos. Nesse mesmo período, o reajuste do salário mínimo foi de apenas cerca de 4%. Nas atuais circunstâncias, quem ganham até um salário mínimo têm nada menos que 14,2% de sua renda mensal comprometida com o pagamento de sua locomoção, um dado que ganha ainda maior força quando sabemos que 60% dos trabalhadores brasileiros ganha, em verdade, menos que isso (Pnadc, 2019).
Escandalosamente, tais aumentos nas tarifas no transporte coletivo, que em Pernambuco têm superado a inflação e o reajuste do salário mínimo nos últimos 10 anos, não têm se desdobrado na melhoria dos serviços. Essa é uma situação gerada e reproduzida pela histórica negação de plena cidadania aos brasileiros e brasileiras que, filhos e filhas das violências do escravismo colonialista, constituem hoje a classe trabalhadora do país. Temos experiências prévias suficientes para não confiar nas elites para a superação desta e de outras iniquidades a que somos diariamente submetidos. Somente nossa própria auto-organização política será capaz de desenvolver e realizar o Brasil radicalmente democrático que precisamos.
Edição: Monyse Ravena