Paraná

Saúde

Morte de agricultora sem-terra do Paraná alerta para violência obstétrica

Caso aconteceu em Guarapuava, no início do ano

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |
Ato em frente ao Hospital Santa Tereza, no dia 8 de março, pedia justiça para Claudete, o fim da violência obstétrica e a defesa do SUS - Jandir José Teixeira

Claudete Aparecida de Jesus, de 34 anos, entrou em trabalho de parto na madrugada do dia 9 de janeiro. Foi levada por familiares ao Hospital Santa Tereza/Instituto Virmond, em Guarapuava. Lá, esperou cerca de 15 horas, com dores. O atendimento durante o parto, segundo a família, foi violento. A mãe teria sofrido perfurações no útero e na bexiga, entrando em coma. O bebê de Claudete foi tirado à fórceps, pesando 4,7kg. Dois dias após o nascimento, o bebê faleceu. Cerca de duas semanas depois, Claudete também morreu.

Ela era uma agricultora sem-terra, moradora de acampamento na Fazenda Rocha Loures, em Boa Ventura do São Roque. O caso está sendo investigado como violência obstétrica e tem gerado comoção na região.

No dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, foi organizado um ato em frente ao Hospital Santa Tereza, pedindo justiça para Claudete e o fim da violência obstétrica. O ato tinha como mote, ainda, a defesa do Sistema Único de Saúde (SUS).

O caso de Claudete não foi isolado. Conforme estudo de 2010, da Fundação Perseu Abramo em parceria com o Serviço Social do Comércio (SESC), 1 a cada 4 brasileiras sofreram violência obstétrica. Com dados mais recentes, o Ligue 180, canal federal de denúncia de casos de Violência de Gênero, mostra que, apenas no primeiro semestre de 2019, foram registrados 116 denúncias de violência obstétrica no país.

Dados e estudos para este tipo de violência, no entanto, são poucos. Soma-se a isso o fato de que, em 2019, o Ministério da Saúde vetou o uso do termo “violência obstétrica” em seus documentos oficiais e políticas públicas.

Para a família de Claudete, o que fica é a vontade de justiça. “Vamos lutar até o final. Enquanto não tiver justiça, nós não vamos sossegar. Um caso desse não pode acontecer nunca mais, com ninguém”, diz Edson de Jesus, irmão de Claudete.

Orientada pelo Núcleo de Defesa da Mulher (NUDEM) da Defensoria Pública do Paraná, a família de Claudete solicitou cópia do prontuário ao Hospital Santa Tereza. Quase dois meses após as mortes, o pedido da família ainda não foi atendido.

A reportagem entrou em contato com o Hospital Santa Tereza/Instituto Vermond, mas, até o fechamento desta matéria, não obteve resposta.

Entenda a violência obstétrica

O termo “violência obstétrica” se refere a violências (física, psicológica, verbal, sexual) sofridas pelas mulheres durante a gestação, o parto ou no pós-parto. O termo envolve ainda negligência, discriminação ou condutas excessivas ou desnecessárias da equipe médica em relação à paciente.

Em nota sobre o caso, a Rede Feminista de Saúde explica que, segundo o que foi relatado pela família, Claudete foi vítima da “manobra de Kristeller”, que é “reconhecida pela Organização Mundial de Saúde e Ministério da Saúde como uma prática invasiva e inadequada, em que o profissional pressiona o fundo uterino, com o objetivo de acelerar o parto, podendo causar lesões maternas e neonatais”. 

Uma das práticas mais comuns de violência obstétrica é a episiotomia: um corte na área muscular entre a vagina e o ânus, chamada de períneo. Em pesquisa de 2014, realizada pela Fundação Oswaldo Cruz em parceria com o Ministério da Saúde, em um total de 23 mil mulheres, mais da metade (53,5%) passou por episiotomia. Em mulheres de baixo risco obstétrico, a taxa foi de 56%.

Outras violências comuns são lavagem intestinal e restrição de dieta, ameaças, gritos, chacotas, omissão de informações, desconsideração dos padrões e valores culturais das gestantes, divulgação pública de informações que possam insultar a mulher, não oferecer meios para alívio da dor.

“Precisamos de programas e ações para a formação adequada dos profissionais de saúde e a vigilância para se erradicar a violência obstétrica nas maternidades estaduais e municipais públicas ou privadas, com urgência. [...] É direito das mulheres parir sem violência. Dar à luz e seguir vivendo", reivindica a nota da Rede Feminista de Saúde.

Edição: Frédi Vasconcelos