Pernambuco

ENTREVISTA

Marco Mondaini: "A comunicação pública tem o compromisso com a socialização do poder"

Em entrevista, novo coordenador do NTVRU fala sobre os desafios sua gestão e da comunicação pública no momento atual

Brasil de Fato | Recife (PE) |
O professor Marco Antonio Mondaini, do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), assumiu a direção do Núcleo de Televisão e Rádios Universitárias (NTVRU) - Reprodução da Internet

Neste mês de março, o professor Marco Antonio Mondaini, do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), assumiu a direção do Núcleo de Televisão e Rádios Universitárias (NTVRU). A posse aconteceu já em meio a esse contexto de pandemia do coronavírus. Em entrevista ao Brasil de Fato, o novo coordenador do NTVRU falou sobre os desafios da comunicação pública, a importância da democratização desses espaços e os objetivos da sua gestão.

Como novo coordenador do Núcleo de TV e Rádios Universitárias (NTVRU), que reúne tv e rádios de Pernambuco, quais os novos desafios?

Os desafios, na verdade, não são novos. Já existe um acúmulo de discussões e reflexões sobre a necessidade de fazer com que o núcleo de Tv e rádios universitárias se torne um núcleo de comunicação pública. Esse é o grande desafio, mas não um desafio de hoje, um desafio que está posto faz um certo tempo. De lá para cá teve todo um acúmulo de discussões e reflexões que apontam nesta direção e existem vários eventos em que isso começou a ser concretizado, alguns pontos que podiam ser mais acelerados, mas que agora se veem mais comprometidos. Como por exemplo, a EBC, 
que teve um grande avanço houve com a formação do conselho curador, no próprio conteúdo dos programas, mas que vem sofrendo um processo brutal, porque há uma destruição que é a grande promessa, e que está sendo cumprida pelo governo Bolsonaro. Então, esse desafio de hoje é um desafio que já existe.

O desafio de início é, na verdade, contornar aquilo que foi avançado durante a gestão anterior. Então, existe, por exemplo, uma proposta de construção e de criação do conselho curador que tem caráter consultivo e deliberativo, sendo a metade dos integrantes da sociedade civil e à outra metade de estudantes, técnicos e professores da UFPE. Uma das principais medidas que quero encampar, assim que passar esta crise sanitária, é a construção de uma audiência pública, de um seminário voltado para a criação daquilo que está proposto e que já está previsto no nome de conselho editorial e isso eu posso fazer logo agora, vou fazer nos próximos dias, no regimento, que tem um caráter mais restrito, só com 5 integrantes, mas que já conta com a participação da sociedade civil, dos movimentos sociais indicados pelo reitor. 

Então pode ser o embrião, sempre sob os marcos da legalidade, no que diz o regimento, para uma primeira abertura que representa um processo de horizontalização das decisões. Esta formação verticalizada, em que o diretor manda, que o diretor faz, isso pode acontecer nas empresas comerciais, nas TVs comerciais, nas rádios comerciais, mas em um espaço público como é Núcleo de rádios e TV da UFPE isso é inviável, isso é impraticável. Isso vai contra os princípios do regimento próprio do Núcleo, principalmente da TV e da Rádio. 

Uma das primeiras coisas a serem feitas devem ser prejudicadas por conta da emergência sanitária, na criação discussão, na atualização e à construção da proposta política para colocar na prática o conselho curador, como na EBC. Esse conselho curador, acho que foi uma medida fundamental para romper com essa tradição que não pode existir nos espaços de comunicação pública, do diretor que manda, faz e acontece, sem estabelecer diálogo com a comunidade acadêmica da UFPE e a sociedade civil. 

Os conteúdos das rádios e da TV, são conteúdos para a sociedade e a sociedade precisa ser ouvida, precisa ser escutada para conseguirmos definir quais conteúdos são demandas emergentes. É um processo constante para a condução das demandas da população, tanto dos segmentos da sociedade civil organizada, como dos movimentos sociais. 

Como você avalia a importância deste núcleo para dentro da Universidade? 

O Núcleo não é um órgão de comunicação institucional. Existe um órgão que é voltado para isso, que é a ASCOM. Ele sim tem a função de ser um espaço da comunicação institucional, o que não quer dizer que aquilo que se produz na TV e na Rádio, que é produzido pelo Núcleo, não se possa ser, por exemplo um espaço de divulgação das pesquisas, dos professores e dos pesquisadores da Universidade. 

Nós somos um núcleo de comunicação pública, mas, com uma particularidade, que é a de ser vinculada à universidade. Então, temos, também, o comprometimento com a pesquisa. A ideia, na verdade, é fazer com que aquilo que é produzido na Universidade se transforme em material a ser divulgado, à ser informado e comunicado à população. Nós produzimos conhecimento crítico. Aquilo que é produzido dentro da Universidade deve ser levado até à população e as televisões e as rádios universitárias têm esse papel fundamental e não o da comunicação puramente institucional. 

Pode parecer a mesma coisa, mas não é. A ideia não é de que de voz apenas aquilo que é produzido dentro da universidade, mas também que nós tenhamos a capacidade de divulgar outros saberes que não são produzidos dentro da universidade. E são conhecimentos que são produzidos na sociedade civil, pelos movimentos sociais, etc. É uma forma de como o núcleo, as tvs e as rádios, fujam das práticas instituciolanistas de comunicar e informar aquilo que é produzido dentro da universidade e ao mesmo tempo aquilo que é um espaço responsável a dar voz a esses setores que não conseguiram entrar na Universidade, mas que também produzem saberes. Saberes outros que não são todos os saberes, que digamos, são construídos nos marcos da ciência moderna, na metodologia científica, mas é um outro tipo de saber.

Qual o papel do núcleo para o fomento da democratização da informação?

Se, com o apoio da atual gestão, a gente conseguir transformar as relações de direções para ações horizontais, criando o conselho curador e uma rede, junto com outros espaços de comunicação pública existente em Pernambuco, na região Nordeste, fazendo com que haja um choque de republicação desses conteúdos dentro desses espaços, nós já vamos estar dando uma grande contribuição neste processo. 

Ao mesmo tempo em que se a gente tiver à capacidade de tornar todos os programas, ou um conjunto de programas  para as rádios e as TVs como um espaço de debate, a gente já vai estar fazendo funcionar um processo de democratização da informação e dos meios de comunicação. 

Veja, se a gente tiver a capacidade de fazer ouvir e dar voz a esses vários setores que não têm voz e que não têm vez nesses espaços da comunicação comercial, a gente vai estar dando uma contribuição muito importante no processo de democratização. A gente já está fazendo dois movimentos que não acontecem em paralelo, mas de maneira integrada. A gente vai estar engajado no processo de democratização da sociedade, através da batalha das ideias, através da construção de consenso e, ao fazer isso, a gente vai estar contribuindo no esforço da democratização dos meios de comunicação, no campo da comunicação pública. 

Não é função da comunicação pública, não é proposta da comunicação pública, ser um concorrente da tv comercial. A gente tem que, na verdade, nesses espaços de comunicação pública, dar voz àqueles atores sociais que não são visibilizados, que não são enxergados pela mídia comercial. Só isso já seria uma grande contribuição para a sociedade e para a comunicação em particular. 

Democratizar significa socializar o poder. A comunicação pública tem o compromisso com a socialização do poder. Dando voz a esses setores que não são ouvidos, nem participam desses outros meios de comunicação comerciais, a gente vai estar contribuindo com este processo de democratização que na atual conjuntura é mais do que necessário, é urgente. Dar voz aos setores que vêm sendo sistematicamente prejudicados, comprometidos nas suas demandas pelas medidas que vêm sendo tomadas durante os dois anos do governo de Temer, nesse um ano e pouco do governo Bolsonaro. 

São exemplos disso, o absurdo que é a chamada PEC da Morte, que faz o congelamento dos investimentos sociais em prazo de 20 anos, colocar isso em questão em um momento que é ainda mais grave, que é este da pandemia do coronavírus, é fundamental. O que está se mostrando hoje, para além das informações sobre como lavar as mãos, a necessidade das pessoas ficarem em casa, o uso do álcool em gel, etc.. essas informações são importantes? São, mas existem coisas mais profundas que estão sendo jogadas agora e que precisam ser problematizadas politicamente. 

É o seguinte: Se fez tudo para destruir o Sistema Único de Saúde nos últimos anos. O Sistema Único de Saúde é fundamental para o enfrentamento não só para pandemia do coronavírus, mas para o conjunto de doenças existentes não só nos setores mais empobrecidos da população, porque o SUS não faz só isso, o SUS não atendem apenas aqueles que não têm dinheiro para pagar plano de saúde. 

O SUS é responsável pelas campanhas de vacinação, só para te dar um exemplo. Então, problematizar isso é função da comunicação pública. E isso vai ser tratado de maneira muito tangencial na política comercial, porque isso implica na revisão de uma política econômica. E é essa política econômica que os meios de comunicação comerciais apoiaram. 


Sobre as batalhas das ideias, na Pandemia, as rádios Universitárias e Paulo Freire saíram do ar. Como vencer essa batalha nesta conjuntura? 

Neste momento, sem ter a pretensão de ser mártir, é preciso que sejam assumidos riscos. Então, nós estamos seguindo as orientações baixadas pela reitoria da UFPE, sobre aqueles que puderem fazer trabalho remoto, fazem seu trabalho remoto, aqueles que tem mais de 60 ou quem tem filhos menores de 10 anos, estão dispensados de trabalhos, se também conseguirem fazer remotos, fazem. 

A gente também tomou a decisão de criação de dois programas. Um programa foi criado do zero e o outro depois de três meses sem gravação, que é o Opinião Pernambuco e que voltou ao ar nesta segunda-feira, ao vivo. Ainda não sabemos durante quanto tempo, vai depender do desenrolar da pandemia. 

O Opinião Pernambuco volta ao ar com um apresentador e dois convidados, tivemos que restringir um pouco o número dos convidados, tirando um deles. E aquilo tudo que eu disse na resposta passada, vamos tentar colocar em prática no Opinião PE. Insisto, volta ao ar, ao vivo. Este é um programa tradicional, que tem história e é um dos principais programas vistos pela TV Universitária. Ele volta ao ar com essa perspectiva de fazer uma discussão crítica sobre à pandemia, tocando as relações internacionais, a pandemia no mundo, fazendo uma discussão sobre o SUS, que tem um caráter fundamental para a saúde e também outros vários temas como as implicações políticas da pandemia e, lógico, os aspectos mais especificamentes sanitários da pandemia. 

Na rádio, entre 10h30 e 11h temos o Especial Coronavírus com boletins internacionais, boletins de professores, pesquisadores estrangeiros que se encontram no Brasil, mas também de pesquisadores e professores dos órgãos e das instituições que se encontram nos EUA, na Europa, para além de boletins, depoimentos, falas desse professores e pesquisadores, vamos ter lideranças de movimentos sociais. Mesmo em uma situação de emergência o Núcleo não poderia se omitir. 

Neste momento, não é só a saúde que é um serviço essencial, a comunicação também é um serviço essencial.  E esta é a razão que nos faz não aderir à quarentena e assumir os riscos, sem querer ser mártir. E isso tudo com um conjunto de profissionais que devem ser valorizados. É muito importante frizar isso. 

Nós temos dentro do núcleo profissionais que realmente que devem ter sua biografia valorizada, são eles que também estão se arriscando, em um risco calculado, mas também estão se arriscando, se à deslocando até aqui, porque o programa tem que ser gravado aqui, a gravação das cabeças dos programas de rádio são gravadas em estúdio e o da tv, tem que acontecer no estúdio e tem que ir ao pelo estúdio, porque é ao vivo. São esses profissionais que fazem o dia-a-dia do Núcleo, da TV, da Rádio AM, da FM,da Rádio Paulo Freire. Nós estamos fazendo a nossa parte e é importante que seja destacado isso


Como vc tem organizado para as primeiras metas ou os primeiros passos da sua gestão. Como você almeja que seja sua gestão?

Eu acho que existem objetivos de curto, médio e longo prazo, dentro do período de 4 anos, que é o prazo da gestão. Este cargo é um cargo escolhido pelo reitor, então, minha perspectiva é acompanhar à gestão até o fim. Tem coisas para serem feitas e existe uma metodologia e esta metodologia é democrática e participativa, o que me é fundamental, por ser horizontal. 

É também fundamental que este método seja otimizado, seja na relação dos coordenadores do núcleo, seja com o conselho curador, quando ele for criado. Mas, já com o conselho editorial, que existe hoje no regimento, que vai ser nossa primeira resposta. Esse é o método fundamental, porque estamos falando de um espaço público, particularmente no campo da comunicação pública, e que essa metodologia que sair do papel, sair do pensamento e ser colocado em prática, que é o método democrático, inclusivo e participativo e que vai abrir canais com os setores da sociedade civil, os movimentos sociais, com os docentes, técnicos, estudantes da UFPE. 

A TV Universitária e as rádios AM e FM não têm apenas o compromisso de divulgar as coisas que são produzidas na UFPE, mas também que saem de outras universidades públicas do estado de Pernambuco, como também dos Institutos federais que existem em Pernambuco. A promoção e a divulgação de tudo que é produzido no estado. Por isso, minha gestão terá como meta ter a capacidade de diálogo também com as outras instituições de ensino público. 

Temos que ser responsáveis com os conteúdos que chegam na casa das pessoas, através da Tv e das rádios. E quais são esses conteúdos? São conteúdos com aquilo que sempre pautou o meu engajamento no magistério, como cidadão, como professor, como pesquisador, como ativista, que é a luta pela democracia e pelos direitos humanos. O que significa que tem que ser construídos os conteúdos que trabalhem, que denunciem, mas que também construam alternativas propostas, para redução do horizonte das desigualdades sociais, de gênero, raciais bastantes presentes em nosso país. 

Temos que ter a produção dos conteúdos que sejam responsáveis por incentivar a valorização da diversidade e que respeite à diversidade. Então, serão programas com conteúdos produzidos pelos movimentos LGBTQI+, negro, de mulheres, sem terras, sem teto, pela periferia. Existe espaço na nossa grade de programação para ocupação e para isso, sempre sob a análise inicialmente do conselho editorial e mais pra frente do conselho curador, o lançamento de editais de ocupação, abertura de um link dentro da página no Núcleo na internet que receba propostas curtas dos mais variados setores sociais, com programações que volto a frisar, devem passar pelo conselho editorial que agora já está no regimento e no futuro pelo conselho curador. 

Passada a emergência sanitária, a ideia é que a gente aumente e faça crescer o número de conteúdos produzidos localmente que serão destinados para as tv e rádios. Eu diria que esses esse objetivo final depende de uma metodologia, que resumidamente é uma metodologia participativa, democrática. E é esta metodologia que tem como principal ideia o incremento da produção de conteúdos que sigam o paradigma da defesa da democracia e dos direitos humanos, que neste momento se encontram também em perigo em nosso país. Essa será a nossa pequena cota de contribuição dada enquanto núcleo e espero que isso aconteça e seja a marca dos próximos 4 anos. 

Mas, quero deixar bem registrado que não tem nenhuma pretensão sobre criar coisas em terra arrasada, porque não se encontra uma terra arrasada, nossas ações serão a soma de outras tentativas de gestões passadas que foram caminhadas, mas que foram interrompidas bruscamente.

Edição: Marcos Barbosa