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Educação

Artigo | Fundação Lemann e os ataques à Educação Básica Pública em tempos de Covid-19

É no chão da escola que ocorre a troca de saberes entre professores (as) e alunos (as)

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Intencionalmente, a escola pública atual ainda está num modelo de educação analógico, considerado “fabril” - Marcelo Camargo/Agência Brasil

Jorge Paulo Lemann, economista, com fortuna estimada, segundo a Forbes, em R$ 104,71 bilhões, em 2019, além de produzir álcool em gel em uma de suas fábricas da Ambev (Ab InBev) – para doação aos hospitais públicos de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília – intensificou, paralelamente, o seu interesse na educação pública, neste momento de pandemia do Coronavírus. 

Lemann também é investidor da 3G Capital, da Burger King e da Gera Venture Capital, focada em educação, com investimentos em startups, dando origem à holding Eleva Educação. Investe, também, em ONG’s e fundações, como a Gerando Falcões, que atua no desenvolvimento das periferias. 
Sua Fundação, uma organização familiar sem fins lucrativos, afirma que há 15 anos trabalha por uma educação pública de qualidade. Em parceria com diversos Governos, atua em 24 redes públicas em todo o Brasil, por meio do programa Formar. Lemann também participou da construção da nova BNCC (Base Nacional Comum Curricular), a qual sofreu diversas distorções ao longo da sua elaboração, favorecendo o rebaixamento da formação e precarização do trabalho docente, como afirma carta de César Callegari. A Fundação possui, também, um programa de implementação de internet nas escolas e outro de alfabetização em parceria com a Associação Bem Comum e o Instituto Natura. 

No dia 20 de março, a fundação publicou no seu site uma carta com “ações para fortalecer a aprendizagem no contexto do Covid-19”, com a intenção de ampliar a sua atuação e comercialização de seus produtos nas escolas públicas: “Nós, da Fundação Lemann, temos o compromisso com a educação pública, de qualidade e para todas e todos no centro de tudo que fazemos e acreditamos”, afirma. E, continua: “Com a propagação do Covid-19 (novo agente do Coronavírus) no Brasil e com o fechamento das escolas, torna-se necessário pensar ações práticas e viabilizar soluções para que o ensino a distância se torne alternativa real aos alunos e alunas das diferentes regiões do país, garantindo e fortalecendo a aprendizagem adequada e o ensino de qualidade que defendemos”.

Ao lado do MEC (Ministério da Educação), do Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação) e da Undime (União dos Dirigentes Municipais de Educação), a Fundação Lemann afirma que a educação à distância terá qualidade pedagógica e ocorrerá por meio dos celulares, já que 50% da população com até um salário mínimo não possui computador e internet em casa. Eles propõem: “ter dados gratuitos para acessar conteúdos de educação, aproveitando recursos de plataformas já utilizadas pela população, como WhatsApp, YouTube e Facebook. Também queremos incentivar o uso de plataformas como a Khan Academy, que é financiada pela Fundação Lemann e oferece acesso 100% gratuito a conteúdos nas disciplinas de Português, Ciências e Matemática”.

É inegável que vivenciamos uma revolução tecnológica, a chamada 4ª Revolução Tecnológica, ou mais uma fase para o capitalismo sair da crise, e  – com o necessário isolamento social devido ao Covid19 – automaticamente as relações e práticas sociais foram transportadas para a virtualidade. Com isso, estamos aprendendo bruscamente novas formas de sociabilidade, o que nos causa ansiedade e medo. 

Porém, intencionalmente, à educação básica pública é negada essa Revolução, pois precisa lidar com uma série de ataques, que a fragilizam, ainda mais neste atual contexto de adoecimentos. Diversas contrarreformas educacionais, como a Reforma do Ensino Médio e a BNCC, ampliam a lógica empresarial no espaço público educacional, transformando tudo em mercadoria, em consonância com a lógica neoliberal e a privatização. Surgem, assim, as metas a serem alcançadas; as avaliações externas, com resultados questionáveis – que levam às bonificações – gerando competitividade entre escolas e entre professores (as), mascarando assim as reais necessidades de ensino e de aprendizagem.

O Professor Gaudêncio Frigotto, num debate na Aduff-SSind, sinaliza essa ampliação empresarial no contexto da educação pública: “A Educação, por exemplo, não é mais um direito subjetivo do ser humano; tornou-se um negócio ao longo do tempo. (...) É nesse contexto que o campo da esfera pública surge como campo de negócio, atendendo às demandas do mercado”. Neste mesmo debate, ele aponta outras práticas privatistas, tais como, a flexibilização da grade curricular, a Educação a Distância (EAD) e a cobrança de mensalidade na Universidade Pública. Paralelamente, com o atual governo, houve uma ampliação de projetos conservadores e que deslegitimam a construção de uma educação mais democrática, libertadora e que respeite a subjetividade de alunas (os) e professoras (es). Assim, iniciativas como Future-se, Escola Sem Partido, Educação em Casa, Militarização das escolas públicas, cortes nas verbas para a educação, como a PEC 95 (a PEC da Morte) são ações que fragilizam ainda mais a educação pública laica, com o objetivo final de privatizá-la. 

Intencionalmente, a escola pública atual ainda está num modelo de educação analógico, considerado “fabril”, em referência às fábricas têxtis, do período da Revolução Industrial. Salas cheias, quentes e desconfortáveis. Conteúdos uniformes, fragmentados, que não dialogam entre si e distantes dos contextos sociais e regionais dos (as) estudantes, os quais encontram na escola pública um local de socialização e, muitas vezes, de fuga de uma realidade violenta e carente. 
Os (as) profissionais da educação também vivenciam essa proposital precarização com rebaixamento salarial, intensificação do trabalho docente, falta de formação adequada às necessidades dos (as) estudantes. Porém, é também neste espaço real que há resistência da categoria contra os diversos ataques e retiradas de direitos. É no chão da escola que ocorre a troca de saberes entre professores (as) e alunos (as), como também a socialização entre os mesmos e a formação de sujeitos com um pensamento crítico e diverso. 

E eis que empresários, investidores e economistas decidem vender para as escolas públicas um modelo de ensino utilizando redes sociais ou plataformas “educativas”. A proposta foi implementada pelos Governos sem um diálogo com os pais e mães dos estudantes, sem a presença dos educadores e sindicatos, que os representam. Para a sociedade, transmitem a mensagem falsa de ensino “mais avançado”, mas que, no fim, contribuirá para o aceleramento da precarização da educação básica pública. Assim, amplia-se a exclusão dos jovens às universidades públicas, os quais, num futuro próximo, serão um exército de reserva, substituídos por máquinas, e/ou continuarão destinados a subempregos, trabalhos informais e precários. 

* Yara Gonçalves Manolaque é professora da Rede Estadual de Ensino de Pernambuco e integrante da Consulta Popular.

Edição: Marcos Barbosa