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Covid-19: Profissionais de saúde relatam medo, sobrecarga e preocupação com a família

Em Pernambuco, os profissionais com diagnóstico positivo para o covid-19 já representam 36% dos casos

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Medo de contágio, preocupação com familiares e sobrecarga no trabalho são alguns dos desafios para os profissionais de saúde que atuam na linha de frente - Marcelo Casal Jr/ Agência Brasil

Se para a população que está em isolamento a preocupação com o contágio por coronavírus é presente, para quem precisa trabalhar neste período, a situação é ainda mais preocupante, especialmente para trabalhadores da saúde, que lidam diariamente com pessoas com diagnóstico positivo de covid-19. Em Pernambuco, o último boletim da Secretaria de Saúde do estado da última quarta (22) confirmou diagnóstico positivo para mais 390 pessoas, totalizando 3.298 ocorrências de coronavírus no estado. Desses, 1.193 são profissionais de saúde, representando 36,16% dos casos. 

Pernambuco foi o primeiro estado do país a criar um protocolo para testar os profissionais da área da saúde, o que explica uma alta quantidade de casos confirmados, já que, anteriormente, a falta de testes implicava na subnotificação dos casos. O protocolo criado abrange todos os profissionais de saúde de todas áreas, tanto da rede particular, quanto do Sistema Único de Saúde e tem uma ordem de prioridade para testagem que vai daqueles que trabalham em emergências, todos da enfermagem e todos da Atenção Primária que também atendem pacientes suspeitos e confirmados, até os técnicos que realizam a coleta de exames microbiológicos. No caso de algum apresentar sintomas respiratórios durante o período de trabalho, a orientação é informar à chefia imediata para que a coleta seja feita e, em seguida, ser liberado para o isolamento.

O contato diário com pacientes, a falta ou falha de Equipamentos de Proteção Individual e a carga viral dos pacientes que são atendidos na UTI são apenas alguns dos fatores que podem contribuir para o contágio desses profissionais. Por isso, alguns tiveram mudanças drásticas na rotina para conseguir manter sua própria segurança e a dos familiares. Pedro Carvalho Diniz, chefe de divisão médica do Hospital Universitário da Universidade Federal do Vale do São Francisco, que vem atuando na UTI do hospital e viralizou recentemente nas redes sociais com um vídeo onde dança com uma paciente que estava se recuperando de covid-19 e H1N1, conta que a mudança na rotina é drástica. “Não é um plantão comum de UTI. Há um peso físico, por causa dos próprios EPIs, e mental, pela possibilidade de contaminação. E isso não acaba no plantão, para não contaminar outras pessoas. Eu estou em isolamento, morando provisoriamente na casa de um amigo para não trazer riscos para minha família”, conta.

Janaína Carvalho, enfermeira e companheira de Pedro, também vem sentindo o impacto do isolamento. Com um filho de seis meses, Benjamin, o fim da licença maternidade e das férias obrigam a profissional a retornar ao trabalho na Organização de Procura de Órgãos de Petrolina (OPO), que atua na busca de potenciais doadores de órgãos com pacientes que estão internados em estado grave e em UTIs. A atuação da OPO tem impacto direto na otimização de leitos de UTI, especialmente neste momento em que o estado está com 99% dos leitos destinados ao tratamento de covid-19 ocupados. 

Por serem de outras cidades, o casal não possui familiares para integrar uma rede de apoio nos cuidados ao filho, o que obriga a família a delegar o trabalho de cuidados a outra pessoa para que consigam trabalhar. “Tanto eu, quanto meu marido, somos profissionais de saúde e ele está na linha de frente. Pedro saiu de casa para nos proteger, mas agora estou me preparando pra voltar a trabalhar, e estou lidando com a realidade das profissionais de saúde que são mães. Você fica pensando na possibilidade de se infectar no trabalho e infectar seu filho, já que não tenho a possibilidade de estar longe dele porque eu amamento, de expor quem está cuidando dele enquanto eu trabalho. A gente vai trabalhar com o coração apertado, com medo de se contaminar e contaminar as pessoas que a gente ama”, relata. 

Já em Recife, o Hospital Oswaldo Cruz (HUOC), antes da pandemia, não atendia emergências mas, agora, se adequou para se tornar o hospital de referência para os casos de coronavírus, o que impactou a rotina das equipes de saúde. Raissa Vasconcellos, que é médica e teve diagnóstico positivo para a covid-19, trabalhava como residente na área de pediatria em um hospital parceiro do HUOC, como são o IMIP e o Hospital das Clínicas. “Os residentes estão atuando como uma ‘sombra’ dos preceptores, sem contato físico com pacientes, mas solicitando exames e cuidando da parte burocrática. Isso foi feito pensando que esses funcionários que estão na linha de frente vão adoecer e aí os residentes assumem a frente no futuro”, explica a médica.

Para ela, que mora com os familiares, a rotina em casa desde o dia 18, quando a testagem confirmou o contágio, teve o cuidado dobrado. “Das pessoas que trabalham comigo, eu sou uma das únicas que continua em casa. Agora, doente, eu fico isolada no meu quarto. Batem na porta pra eu pegar a comida que deixam lá e devolvo o prato para que seja higienizado. Mesmo antes disso, o contato já era mínimo, eu entrava em casa e ia direto tomar banho e lavar as roupas que usei” relata. 

“No começo, eu me senti culpada, por ter de alguma forma abaixado a guarda e saber de todos os cuidados que deveria ter tido, mas mesmo assim peguei. Agora estou mais tranquila, mas é difícil, porque estou vendo outros colegas de trabalho e amigos se afastando, os que ficam tendo de dobrar o turno para cobrir a escala. Da minha residência, de 12, cinco estão afastados”, desabafa. Até então, o protocolo é de esperar 12 dias para realizar um novo exame e, caso dê negativo, o profissional pode voltar a trabalhar. 

Mesmo assim, ela espera o retorno ao trabalho: “O medo que a gente tem antes do contágio de como nosso organismo vai reagir passa. Eu volto com menos medo, mas vou continuar me protegendo”, projeta. Para Janaína, o medo ainda é presente, especialmente pela forma como o vírus tem atingido a população que até então apresentava sintomas graves: “A volta ao trabalho tem me causado medo e eu ando assustada porque o número de casos está aumentando. A gente acaba ficando muito exposto. Meu maior medo é contaminar meu filho, ou a pessoa que cuida dele. É uma roleta russa, porque acomete idosos e também pessoas jovens, que podem evoluir para casos graves e isso causa uma angústia muito grande”, lamenta.

Edição: Marcos Barbosa