Pernambuco

AQUI PRA NÓS

Pedro Carvalho: “O isolamento agora precisa ser encarado como um tratamento coletivo”

Programa abordou situação das pequenas cidades no combate à covid-19

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Um vídeo do médico dançando forró com uma paciente que se recuperava da covid-19 viralizou nas redes - Arquivo Pessoal

 

Nesta terça (05), o programa Aqui pra Nós teve como entrevistado Pedro Carvalho, chefe da divisão médica do Hospital Universitário da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) e membro da Rede Nacional de Médicos e Médicas Populares. Com atuação em Petrolina, no Vale do São Francisco, um vídeo do médico dançando forró com uma paciente que se recuperava da covid-19 viralizou nas redes. Pedro elencou os desafios das pequenas e médias cidades no combate ao coronavírus e a importância da humanização no Sistema Único de Saúde (SUS). O programa Aqui pra Nós vai ao ar todas as terças no YouTube, sempre a partir das 19:30h. Confira os destaques da conversa:

Humanização


“A Jessica, a primeira paciente de UTI do covid-19 daqui, que foi entubada e extubada por mim, chegou no hospital ainda consciente e foi preciso conversar com ela, acalmá-la e explicar o que estávamos fazendo no momento da entubação. Ela fez aniversário internada, e no dia que extubamos a primeira coisa que fizemos foi cantar parabéns. Com a autorização do hospital ela usava o celular e ouvia muita música de forró, por isso surgiu a brincadeira”. A própria equipe cantou a música Asa Branca, de Luiz Gonzaga, que como disse Pedro “foi uma celebração da vida”. O médico ressalta que a tensão constante do plantão foi quebrada naquele momento “ela evoluiu para um quadro muito grave e depois nos mostrou como profissionais que é possível vencer a doença. A gente cuidou dela e ela cuidou da gente”. 

Pequenas e médias cidades


Hoje, a situação do sistema de saúde nessas cidades não comporta unidade de tratamento intensivo, as UTI’s. Os municípios maiores que já são referência para pacientes mais graves, mesmo em situação normal também acabando virando centro de tratamento no caso da covid-19 “temos pacientes de coronavírus de cidades como Paulo Afonso, na Bahia, que vieram dirigindo por conta própria até chegar aqui, são cerca de 400km”. Pedro afirma que o coronavírus se soma a um problema antigo do SUS, que é o sucateamento “isso piorou com a Emenda Constitucional 95, do congelamento dos investimentos, porque estamos sentindo os impactos desde 2019”. 


O médico aponta que em alguns locais a pandemia está revertendo a rede, não mais com a concentração de casos nas cidades maiores, mas o deslocamento desses pacientes para hospitais menores no interior. “Nós já estamos sendo acionados pelo Governo do Estado para construir um hospital de campanha, porque a intenção não é apenas atender Petrolina, mas as cidades circunvizinhas” explica Pedro. Ele ressalta que um fenômeno observado pelas instituições de saúde no interior é que a movimentação de pessoas das grandes cidades para o interior, através de transportes clandestinos e carros particulares tenha um peso importante no aumento repentino de casos de coronavírus nessas cidades que não possuem uma rede de alta complexidade para atender essas pessoas. 

“Além de tudo isso, estamos numa crescente dos casos, o que impossibilita afirmar data para um pico e piora com a subnotificação” O médico estima que o pico pode ser adiado em alguns dias, mas que o mês de maio já vinha sendo previsto como o mais tenso. Pedro afirma que o número de mortes não é decisivo para afirmar se estamos ou não achatando a curva de casos, já que muitas pessoas não foram testadas ou só puderam ser testadas após o óbito. Inclusive, a suposta queda nos números, segundo ele, pode relaxar as medidas de isolamento, ocasionando novas ondas de crescimento nos casos.

Desafios do SUS


A pandemia de coronavírus abriu um precedente para debater profundamente a importância do SUS, que é o maior sistema universal de saúde do mundo “o SUS vai muito além do leito e do respirador. Nós precisamos muito disso, de testes, de profissionais. Nosso desafio agora é ampliar o atendimento hospitalar, mas precisamos também dar suporte aos pacientes que estão menos graves para que eles não precisem ser hospitalizados e fiquem esperando por um leito; precisamos reduzir impactos silenciosos da pandemia, que estão ligados à pobreza e miséria. O isolamento agora precisa ser encarado como um tratamento coletivo para a sociedade, e que tem esses efeitos colaterais” afirma Pedro, que também pautou a ampliação da capacidade de pesquisa e desenvolvimento de vacinas e tratamentos para a covid-19. 

Condições de Trabalho


“Nosso maior medo é o contágio. Na chegada da Jessica, eu já havia falado pra minha companheira e meus colegas de trabalho que não é um plantão normal. Tenho 14 anos de SUS e afirmo isso com muita tranquilidade”. O médico afirma ainda que é necessário pensar em como lidar com a questão da saúde mental dos trabalhadores em relação ao medo e a situação de sofrimento psíquico, a constante preocupação de infectar a família e a sobrecarga de trabalho. Com o alto número de profissionais infectados, os que não estão infectados precisam dobrar ou triplicar a jornada de horas dos plantões “Tem profissional dando 36 horas de plantão e precisa cumprir um protocolo rígido, o que não é a situação ideal, mas já acontece”, afirma. Com o novo ministro, Nelson Teich, a situação tanto dos trabalhadores, quanto em relação a como estrutura do SUS vai reagir a um crescimento ainda maior de casos tende a piorar, de acordo com a avaliação do médico “acho que ele tem um profundo desconhecimento de como o SUS funciona” pontua.

Edição: Monyse Ravena