Paraná

CRÔNICA

“Cinema, caçadores e leões"

O cinema brasileiro para nós negros é isso; Zé Pequeno na Cidade de Deus, sem família, sem humanidade

Curitiba (PR) |
Renato Almeida de Freitas produz contos e crônicas para o Brasil de Fato Paraná - Vanda de Moraes

Na curva mais recente do destino esbarrei numa paixão tão antiga quanto distante, o cinema. Amigo que tinha sido preso soube que estavam selecionando elenco para a série Irmandade. Cadeia, crime, violência e pobreza. Infelizmente vivenciei intensamente cada um desses ‘temas’ durante a caminhada. Fiz o teste para papel de árvore e saí como integrante do elenco para atuar ao lado de Seu Jorge.
Logo depois chamaram-me para outro teste. O teste era feito em dupla. O papel era simples, na verdade menos que simples, era simplificado. Ou melhor, estereotipado. A cena descrevia um assalto a um rapaz branco de classe média por dois jovens negros e pobres. A dupla de malfeitores deveria se aproximar, pedir o dinheiro, celular e etc, enquanto o mocinho branco tentava contornar angelicalmente se oferecendo para comprar comida para os desumanos famélicos. Porém estes – no caso nós – não aceitavam e partiam pra cima, porém o herói salvador era ainda por cima lutador; quebrou o nariz do meu amigo, que ensanguentado correu como se não houvesse amanhã, e um soco no meu pescoço, que caí sem ar como se não houvesse esperança.
Na minha curta vida como ator fui bandido, presidiário e fiz teste para usuário de crack assaltante de pedestre.
O cinema brasileiro para nós negros é isso; Zé Pequeno na Cidade de Deus, sem família, sem humanidade e movido apenas pelo desejo bestial de matar e controlar pontos de droga. Se era virgem, se jogava futebol, se gostava de música, não sei, é tarde para saber. O que nos mostraram é que era uma besta-fera e foi assassinado por outras bestas-feras que pouco conheceremos.
Como diz o provérbio africano “se os leões não contarem sua própria história, o caçador o fará”.

Edição: Pedro Carrano