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Poluição

Em Jaboatão, coletivo pede fim do derramamento de esgoto na praia

Praia de Barra de Jangada, na região metropolitana, há anos recebe esgoto despejado na areia

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Moradores da região denunciam esgoto em praias de Jaboatão dos Guararapes (PE) - Coletivo Salve Barra de Jangada

Desde a segunda semana de maio, o coletivo Salve Barra de Jangada tem denunciado na internet o derramamento de esgoto sem qualquer tratamento na areia da praia, localizada no município de Jaboatão dos Guararapes, na Região Metropolitana do Recife. O problema é antigo, mas tem se agravado com a construção de novos condomínios na área. A praia é usada diariamente por banhistas e pescadores que se queixam do problema. Movimentos e vereador prometem acionar o Ministério Público.

O jornalista Eddie Rodrigues, ativista ambiental e fundador do Salve Barra de Jangada, conta que costumava tomar banho de mar na praia do bairro, até se dar conta que havia esgoto sendo despejado bem próximo de onde se banhava. “Fiquei estarrecido. Os moradores mais antigos do bairro dizem ter memória de haver esgoto jogado no mar ‘desde sempre’, há muitos anos, sem ninguém agir sobre isso”, lamenta. Ele decidiu caminhar pela praia em busca de novos pontos de despejo de esgoto na praia. “Consegui encontrar quatro pontos, todos na avenida Bernardo Vieira de Melo, sendo um ponto no bairro de Candeias e três em Barra de Jangada”, detalha, alertando que o número certamente é maior, já que outros moradores das proximidades da praia enviaram fotos de outros pontos.

O ativista recordou que um dos vereadores de Jabotão possuía um blog e já havia feito a denúncia do crime ambiental, antes de ser eleito. “Ele até postou, em 2014, sobre o despejo de esgoto na praia. Em 2016 ele foi eleito, o mandato encerra este ano, mas ele não procurou fazer absolutamente nada sobre isso”, reclama o ativista. O referido vereador é Marlus Costa (PTN). Hoje, ele integra a base de apoio à atual gestão e, na última semana, após a repercussão das fotos na internet, ele visitou o local e publicou na internet. “Conversei com o prefeito Anderson Ferreira e o mesmo confirmou que a prefeitura tomará as medidas necessárias para combater este crime ambiental”, afirmou, sem especificar que medidas seriam essas e nem quando teriam início, além de ignorar o grupo que estava de fato fazendo a denúncia.

Na Câmara de Jaboatão, a comissão permanente de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano é composta por três dos 27 vereadores. São eles: Tadeu Santiago, o Tadeu Veterinário (PSD); Carlos Eugênio Batista, o Ênio (PRP); e Emerson Barbosa, o “Messinho” (PCdoB). Nenhum dos três fez qualquer tipo de pronunciamento público sobre as queixas do Salve Barra de Jangada. Já o vereador Daniel Alves (MDB), um dos sete que integra a bancada de oposição e pré-candidato a prefeito, destaca que o derramamento de esgoto “não é um problema recente, é antigo. Mas é absurdo ter um cano imenso jogando esgoto na areia da praia. E isso acontece não num ponto, mas em vários pontos da orla de Jaboatão. Por isso nossas três praias estão entre as mais sujas do estado”, se queixa o vereador, que também pede maior engajamento da população nessas cobranças. “É um problema de saúde pública, mas também afeta a economia, ao impactar no turismo. E o cuidado da prefeitura é zero com a nossa orla”. O parlamentar prometeu acionar, na última segunda-feira (18), a promotoria de meio ambiente do Ministério Público de Pernambuco (MPPE).

Eddie conta que, ao conversar com moradores das redondezas, ouviu que alguns prédios têm se aproveitado do cano que escoa água da chuva para o mar e têm despejado o esgoto desses prédios no duto pluvial. “Alguns prédios têm feito isso há mais de 10 anos e o poder público nunca fez nada”, reclama. Em entrevista ao Brasil de Fato Pernambuco, a superintendente de Meio Ambiente de Jaboatão, Edilene Rodrigues, confirmou a atividade. “Nas proximidades da praia, há uma rede de drenagem de águas pluviais e alguns prédios estão lançando seus esgotos nessa rede, o que não poderia ser feito”, diz. “Pode até ser que alguns prédios possuam sistema de tratamento dos dejetos, mas não está tendo o destino correto”, avalia.

Edilene explica que os condomínios precisam ter seus próprios sistemas de tratamento, com uma fossa e um sistema adicional, que pode ser um filtro anaeróbio, sumidouro ou vala de infiltração. “Os prédios devem ter seus sistemas de tratamento de esgoto, para após tratado os dejetos serem direcionados para um sistema de macrodrenagem, jamais em galerias de águas pluviais”, alerta. A fiscalização destes sistemas era realizada pela Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH), mas desde 2014 a responsabilidade foi transferida para os municípios. Ela conta que a superintendência, que responde hierarquicamente à Secretaria Executiva de Meio Ambiente e Gestão Urbana, há seis meses iniciou um levantamento do tipo e identificou violações à lei ambiental. Aparentemente pouco ou nada mudou. Ela promete que desta vez a atuação será mais rígida.

A superintendente conta que será preciso abrir as galerias, no chão, para identificar quais condomínios estão despejando seus esgotos nos dutos pluviais. “Precisamos da Secretaria de Infraestrutura. Mas como estamos nesse período de pandemia, o efetivo está reduzido”, afirma. E se comprometeu que a gestão municipal dará início, nesta quarta (20), às visitas aos imóveis, cobrando a documentação necessária. “Faremos as notificações. Os imóveis devem ter o comprovante de limpeza anual de fossa e mostrar sistema adicional. Quem não possuir o sistema ou não tiver o comprovante de limpeza será enquadrado na das normas ambientais do município”, afirma Edilene Rodrigues.

O município de Jaboatão aguarda a entrega de uma obra de saneamento que amplia em 70 quilômetros a rede de esgoto do município e implanta oito estações elevatórias e uma Estação de Tratamento de Esgoto (ETE). A obra, que promete garantir o tratamento de 100% do esgoto na região, atende aos bairros de Barra de Jangada, Candeias, Guararapes, Lagoa das Garças, Sotave, Prazeres e comunidades situadas às margens da BR-101. Até então apenas 6% do município possuía rede de esgoto. A expectativa é beneficiar 47 mil pessoas.

A obra foi contratada em agosto de 2017, pelo Ministério das Cidades, no valor de R$ 197 milhões. A execução se dará através de parceria público-privada entre a Compesa e a empresa BRK Ambiental. “Já está pronta toda a rede de esgoto da área da avenida Bernardo Vieira de Melo. Mas não concluíram ainda a estação de tratamento de esgoto, prevista para novembro. Assim que terminarem, os prédios precisarão ser ligados a essa rede de esgoto. E aí acabarão os nossos problemas nesse sentido”, diz a gestora, em referência ao despejo de esgoto na praia. “Mas antes disso vamos tomar atitudes para não permitir que esse esgoto continue sendo despejado lá”, prometeu a superintendente de Meio Ambiente.

O ativista Eddie Rodrigues, do Salve Barra de Jangada, avisa que “um dos locais de despejo de esgoto fica bem no estuário do rio Jaboatão, onde fica a Ilha do Amor”. Os estuários são áreas em que diversas espécies costumam se reproduzir, se alimentar e desenvolver. Mas a gestora avalia que o impacto às espécies não deve ser tão grave. “O esgoto se autodepura quando entra em contato com a água do mar. Na área onde os pescadores atuam, mais ao fundo, não há tanta contaminação. Mas na beira-mar, onde ficam os banhistas, sim. Muitas bactérias que podem causar algum malefício”, alerta Edilene.

Outras irregularidades
Eddie também critica o excesso de construções próximas à praia. Algumas destas até foram invadidas pelo mar há alguns anos. “É assim em Candeias, Piedade, Barra de Jangada. E não há fiscalização. Colocam cimento, constroem um monte de coisas, mesmo sabendo que o mar vai avançar. Um dos conjuntos se chama ‘Nova Barra’. E olhando as fotos de satélite antes e depois da construção desses prédios, e antes não existia esse esgoto que é jogado no estuário do rio Jaboatão”, diz o ativista, em referência a um estudo realizado pelo Salve Barra de Jangada.

Eddie lamenta, ainda, o que ele classifica como “descaso” da gestão do prefeito Anderson Ferreira (PL) com o meio ambiente. “De acordo com o Portal da Transparência, na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2020 foram R$ 13 milhões destinados à Secretaria de Meio Ambiente e Gestão Urbana. Mas nós, enquanto cidadãos, não vemos esse recurso ser aplicado por aqui”, reclama. O jornalista alega que o litoral sofre com a falta de atuação do poder público na proteção ambiental. “Aqui em Barra de Jangada até há recolhimento de lixo através de garis, mas há locais com pneus e material maior, que os garis não conseguem recolher e que passa meses ali”, afirma. “Também não há qualquer programa publicitário ou educativo voltado para a população no sentido de cuidado com o meio ambiente. Não temos nem lixeiro nas praias”, diz Eddie.

Via sobre a praia
Em janeiro uma mobilização puxada pelo Salve Barra de Jangada conseguiu impedir a construção, por parte da prefeitura, de uma via passando no meio da faixa de areia da praia de Barra de Jangada, que é também uma área de desova de tartarugas marinhas (monitorada pela própria prefeitura). “Quando vi aquilo, não pensei duas vezes e comecei a divulgar na internet. Acabou saindo na imprensa”, diz Eddie. O Salve Barra de Jangada surgiu a partir dessa movimentação contra a construção da via. O grupo hoje é formado por dezenas de pessoas, profissionais de diversas áreas, que pensam alternativas de melhorias para o bairro, com foco prioritário na questão ambiental.

Na ocasião, segundo Rodrigues, as tentativas junto ao Ministério Público de Pernambuco (MPPE) e ao Federal (MPF) não tiveram retorno, enquanto a CPRH se limitou a notas públicas de críticas. “Mas fomos alertados que aquela obra violava o acordo feito para a engorda da orla, onde foi gasto muito, e com a construção da via acabaria por desperdiçar o dinheiro investido na engorda. Deu certo e acabou o Tribunal de Contas do Estado (TCE) dando uma liminar suspendendo a obra”, conta.

Na gestão anterior, o ex-prefeito Elias Gomes (PSDB) contratou uma obra de engorda da orla de Jaboatão para conter o avanço do mar, que já estava atingindo os prédios. A obra teve custo acima de R$40 milhões e incluía medidas de manutenção da faixa de areia para impedir um novo avanço do mar. O ex-prefeito deixou licitada a contratação de uma empresa para construir arrecifes artificiais para reduzir a força da correnteza na faixa da areia. A licitação, no entanto, foi cancelada no início da atual gestão.

Edição: Marcos Barbosa