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Caruaru tenta conter coronavírus com baixo isolamento e feiras cheias

Com número de casos crescente, município tenta adotar ampliar isolamento com medidas brandas

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Fora da RMR, Caruaru é a cidade com maior número de casos registrados - Reprodução

Com 523 diagnósticos confirmados até a última quinta-feira (28), Caruaru tem se destacado como o município do interior do estado com mais casos de covid-19, doença causada pelo novo coronavírus. Apesar disso, as medidas adotadas ainda são brandas se comparadas ao decreto do Governo de Pernambuco para a região metropolitana. Esta semana, a prefeitura anunciou novas medidas, tentando ampliar o índice de isolamento, que segue bem abaixo do esperado.

Com o início da pandemia o poder público municipal anunciou, ainda no dia 16 de março, medidas que incluem a proibição de aglomerações; a suspensão de aulas presenciais (seja na educação básica, ensino médio ou superior, das redes públicas e privadas); suspensão de obras e do atendimento em boa parte dos serviços públicos; fechamento de clubes e bares; e o fechamento do comércio, exceto serviços essenciais. As feiras livres seguiram abertas, mas podendo comercializar apenas alimentos.

O município de 360 mil habitantes tem mais de 70% do seu Produto Interno Bruto (PIB) gerado pelos setores de comércio e serviços. Mais de 75 mil caruaruenses trabalham diretamente no comércio, além de uma quantidade próxima obtendo rendimentos na indústria – com destaque para o setor têxtil, que tem mais de 10 mil fábricas e 30 mil pontos de venda na cidade. Manter o comércio fechado tem se configurado um dos grandes desafios para o poder público.

A professora Renata Vila Nova recorda que no início do período pandêmico o isolamento social teve adesão razoável, mas não durou. “Acho que a população pensou que duraria poucos dias, aceitavam parar. Mas as semanas foram passando e o comércio foi abrindo, inclusive o não essencial”, avalia. No início de maio mais de 30 lojas foram notificadas na Feira da Sulanca numa única ronda da fiscalização, que flagrou os comércios de portas abertas e realizando vendas presenciais. “Nossa cidade vive do comércio. Também temos quatro grandes distritos rurais em que a população vive da agricultura. São pessoas que têm muita dificuldade de parar suas atividades”, comenta Renata.

A educadora, que mora no centro de Caruaru, afirma que lá é o único lugar em que percebe alguma diferença no fluxo de pessoas. “Na parte comercial está bem vazio, mas na zona entre o centro e a periferia, mais perto de onde eu moro, tem muita gente na rua o tempo inteiro, crianças brincando... É como se tudo estivesse normal”, pontua. Mas acredita que o crescimento dos casos e a “aproximação da doença” pode estar assustando a população. Para completar, a indústria têxtil na cidade segue em funcionamento, inclusive com estímulo do Governo de Pernambuco para a produção de máscaras.

Renata Vila Nova, que trabalha na rede pública estadual, tem dado aulas online, pelo computador, no esquema “home office”. Ainda assim, ela tem saído de casa duas vezes por semana, para fazer suas compras na feira e para contribuir em ações de solidariedade. “Eu não tenho visto muita mudança. As feiras continuam cheias”, relata. Sobre os supermercados, ela considera que estão mais vazios que o comum, mas acredita que o motivo é a suspensão da atividade dos transportes não regulamentados, como vans e as “toyotas”, que costumam trazer pessoas de cidades vizinhas para fazer compras.

Como resultado o índice de isolamento social em Caruaru está distante dos 70% recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Desde o início das medições, a melhor taxa alcançada pelo município foi de 54%, no sábado 17 de maio. Nesta quarta-feira (27) o índice foi de 48,2%, isso porque foi um feriado municipal, já que a prefeitura antecipou o São Pedro (que este ano seria no 29 de junho) na tentativa de obter um melhor índice de isolamento. Um dia antes, primeiro dia de vigor das novas regras adotadas pela prefeitura, o índice foi de apenas 43,5%. O monitoramento tem sido divulgado detalhando o isolamento por bairros, com dados disponibilizados pela empresa de tecnologia e geolocalização In Loco em parceria com o Campus Caruaru da Universidade de Pernambuco (UPE).

Diante do cenário, os números poderiam ser mais preocupantes. O boletim divulgado pela prefeitura na noite desta quinta-feira (27) informa que o município tem 523 casos de covid-19 confirmados, com 392 casos já recuperados, 54 em isolamento domiciliar, 35 internados e 42 óbitos. Há, ainda, outros 240 casos em investigação, entre os quais 5 óbitos. A taxa de letalidade está em 8%, bem superior ao índice de mortalidade verificado cientificamente, de 1%. Isso significa que o total de casos em Caruaru pode ser de seis a oito vezes maior que os 523 diagnosticados, uma subnotificação razoável, mas um pouco melhor que a subnotificação em Pernambuco (cujo índice de letalidade é de 8,25%).

A realização de testes tem ajudado a descobrir novos casos num ritmo muito superior ao número de mortes. O índice de letalidade, que já esteve perto dos 15%, agora varia entre 7% e 8%. Se é verdade que o número de casos confirmados coloca Caruaru como o município com mais casos fora da região metropolitana, também é verdade que esses dados são menos alarmantes que municípios do mesmo porte, como Olinda (2.308 casos e 164 mortes), Paulista (1.757 casos e 131 mortes) ou Cabo de Santo Agostinho (560 casos e 80 mortes, mesmo tendo 150 mil residentes a menos que Caruaru). Mas com parte da indústria funcionando, as feiras lotadas, o comércio burlando as normas sanitárias e a população na rua, a situação pode sair do controle.
 


Gráfico mostra o avanço dos casos de coronavírus em Caruaru / Brasil de Fato PE


Na última terça-feira (26), sob a justificativa que a adesão da população ao isolamento foi insuficiente, a Prefeitura de Caruaru deu início a um plano que busca ampliar o isolamento social. As medidas, que duram duas semanas, até 10 de junho, englobam quatro eixos: fiscalização, implantação de “barreiras restritivas”, novas barreiras sanitárias e ampliação da testagem.

No âmbito da fiscalização, o objetivo é reduzir a circulação de pessoas em parques públicos – inclusive o Parque 18 de Maio, onde fica a Feira da Sulanca –, além das feiras livres dos bairros de Salgado, Boa Vista, São Francisco e São João da Escócia. Nestes locais há aferição de temperatura e instalação de lavatórios móveis. Dez bairros e os distritos rurais têm agora “barreiras sanitárias”, que são pontos de orientações de caráter educativo, não coercitivo. Foi numa destas barreiras que Renata Vila Nova foi parada uma única vez em suas saídas. “Explicaram que tinha que usar máscara mesmo dentro do carro. São ações mais educativas”, pontua. Nestes pontos também há postos de testagens. O objetivo é realizar mil testes até 10 de junho.

Na tentativa de ampliar os dados da Prefeitura, o decreto também obriga farmácias e laboratórios de análises clínicas a fornecerem diariamente os resultados dos exames realizados, assim como informações das pessoas. Os estabelecimentos comerciais, industriais e empresariais autorizados a funcionar durante a pandemia devem realizar aferimento de temperatura dos funcionários – e em caso de temperatura superior a 37,5º C, estes devem ser dispensados. Fica em Caruaru um dos três hospitais de campanha que o Governo do Estado está erguendo no interior. O equipamento do agreste fica no estacionamento do Hospital Mestre Vitalino e oferece mais 55 leitos, sendo 30 de unidade de tratamento intensivo (UTI), mas ainda não está pronto.

Edição: Marcos Barbosa