Paraná

ENTREVISTA

“A reconstrução da engenharia passa pelos sindicatos”

"Tenho minhas dúvidas se a engenharia chegou a ser efetivamente considerada estratégica"

Curitiba (PR) |
O engenheiro eletricista da Copel, Leandro Grassmann, assume o sindicato dos Engenheiros do Paraná - Divulgação

O engenheiro eletricista da Copel, Leandro Grassmann, assume o Sindicato dos Engenheiros no Estado do Paraná (Senge-PR) em primeiro de junho. E a tarefa não é fácil de assumir a entidade em meio a pandemia de coronavírus, desregulamentação do trabalho e ataques que os sindicatos vêm sofrendo. Nessa conversa, ele avalia o momento atual e como bom engenheiro, projeta o futuro buscando minimizar os erros e superar os obstáculos.

Você assume o Senge-PR durante a pandemia de Covid-19 e com as entidades sindicais sendo alvo de ataques dos governos e certo descrédito da sociedade. Como enfrentar esses desafios?

Leandro Grassman: Os ataques aos sindicatos, quer sejam por parte do governo, da sociedade ou do ‘mercado’ já ocorrem há muito tempo. O Senge, como entidade sindical, continua sua trajetória de lutas e defesa dos profissionais da Engenharia e Geociências. É justamente nesses momentos de maior pressão que não podemos esmorecer. Precisamos unir esforços com quem esteja disposto a seguir o mesmo caminho e buscar manter os debates ‘vivos’. Em relação ao COVID-19, ele gerou uma crise internacional, e não se sabe quando cessará. Impõe uma nova realidade a todos nós. Se soubermos entender as adversidades, talvez possamos sair dessa crise mais fortes.

Um dos principais baques na receita sindical é o fim do imposto sindical. Como combater essa perda de receita?

A receita do Senge era composta principalmente pelo imposto sindical (33%), taxas assistenciais (18%) e mensalidades associativas (22%). De 2018 pra cá, também perdemos boa parte da receita das taxas assistenciais (ou taxas negociais), devidas pelos empregados em função das negociações coletivas que conduzimos. Mudar essa situação passa por aumentar o reconhecimento do sindicato por parte dos profissionais. É imprescindível que nossos representados enxerguem no Senge um parceiro que pode auxiliá-lo. É preciso que passemos de uma “despesa” para um “investimento” na ótica do Engenheiro.

O senhor é engenheiro da Copel. Conte como é sua trajetória da base da categoria até a presidência?

Sou engenheiro formado há praticamente 26 anos e já atuei em diversas empresas e segmentos. Desde a formatura, só havia trabalhado em empresas privadas. Em 2010, após muitos anos protelando, decidi realizar um sonho da época da faculdade: trabalhar na Copel. Fiz concurso, passei e iniciei minha jornada em 2010. Porém, já no primeiro ano de trabalho, percebi que haviam muitos problemas relacionados ao exercício da profissão. Ao final de 2010 comecei a me envolver com o Senge. Inicialmente, cobrando por melhorias nas condições de trabalho e salário.

O Senge-PR tem imposto uma série de “derrotas” à Copel tanto em questões financeiras e de terceirizações.

A Copel tem mais de 7 mil empregados e 19 sindicatos que os representam. O Senge representa cerca de 8% destes profissionais. Há mais de 10 anos, com raras exceções, as negociações ocorrem em conjunto. Tanto o Senge quanto os demais sindicatos possuem bons advogados em suas assessorias. Na maioria das vezes, as estratégias e ações judiciais são conjuntas.

O que observamos no relacionamento com a Copel é que a sinergia obtida pelo alinhamento prévio dos sindicatos proporciona resultados favoráveis para os empregados.

Como mobilizar a categoria da engenharia sendo ela tão diversificada e atuando no poder público, privado e como autônomos?

Talvez seja esse o nosso maior desafio. O Paraná tem mais de 80 mil profissionais registrados no CREA, alocados em praticamente todos os setores produtivos. São interesses, expectativas e realidades distintas. Durante a campanha para as eleições, os Diretores, então candidatos, já deliberaram por uma série de ações voltadas à aproximação do Sindicato com os Engenheiros, incluindo os autônomos e PJ´s. Estas propostas fizeram parte da plataforma eleitoral: criar espaço para coworking no Senge, expandir a assessoria jurídica, estabelecer e publicar Tabela Referencial de Honorários, auxiliar novos profissionais na inserção no mercado de trabalho, manter estrutura de capacitação e treinamentos, estreitar relações com associações profissionais, atuar junto ao CREA em fiscalizações, aumentar opções de convênios, estabelecer parcerias com Universidades. Este é o primeiro passo para mobilizar os profissionais. É imprescindível que o Senge seja uma referência.

A engenharia brasileira viveu um momento de ouro até à Lava Jato. Depois ela sofreu com a crise econômica e com o noticiário policial/político. Como o sindicato pode colaborar na retomada de confiança do setor?

Tenho minhas dúvidas se a engenharia chegou a ser efetivamente considerada estratégica para o desenvolvimento nacional nos últimos 50 anos. Quando a economia vai bem, tudo vai bem. Mas, nos momentos em que a atividade econômica decai, sem políticas adequadas que ‘mirem’ no futuro, o país fica sem rumo. A Lava Jato foi a ‘pá de cal’ que faltava. Desmantelou empresas de engenharia, sob o pretexto de serem ‘corruptas’. Ainda não vivemos todos os desdobramentos e consequências da Lava Jato. A melhora de confiança do setor passa obrigatoriamente pela adoção de um ‘rumo’ desenvolvimentista pelos governos. É indispensável olhar para a engenharia como um investimento, não despesa. Aliado a isso, é necessário valorizar a profissão e os profissionais de engenharia e geociências.

A desregulamentação da profissão atinge, principalmente, os salários e as atribuições da engenharia. Qual é a sua posição sobre o assunto? É modernização do trabalho ou reserva de mercado?

Nem um nem outro. O pretexto de modernização vem sendo usado por quem tem interesse na desregulamentação ampla e irrestrita como forma de convencimento da população leiga. Essa situação já ocorre, mesmo com leis que protejam a engenharia. Num mercado desregulamentado, especialmente num ambiente em que não há maturidade suficiente para discernir um bom profissional de um aproveitador, a tendência é que os serviços sejam precarizados, nivelando-se ‘por baixo’ a qualidade e remuneração.

 

 

Edição: Pedro Carrano