Pernambuco

Descaso

Em Pernambuco, patroa é negligente com filho de empregada e criança morre

Em edifício de luxo, primeira-dama de Tamandaré colocou criança sozinha no elevador e mandou para o último andar

Brasil de Fato | Recife (PE) |
A criança é filha da empregada doméstica Mirtes Renata Souza - Reprodução/Facebook


Na última terça-feira (2) a criança Miguel Otávio, de 5 anos, caiu do 9º andar do Condomínio Pier Maurício de Nassau, no Cais da Alfândega, Recife. O prédio é parte do conjunto conhecido como “Torres Gêmeas”, cujos apartamentos custam em torno de R$2 milhões. A criança é filha da empregada doméstica Mirtes Renata Souza, que mesmo durante a pandemia foi colocada para trabalhar por seus patrões Sérgio Hacker Corte Real e Sari Corte Real, respectivamente prefeito e primeira-dama de Tamandaré, cidade do litoral sul de Pernambuco.

O filho da doméstica estava na casa dos patrões, já que Mirtes passa dias lá e não há com quem deixar o filho. Os patrões mandaram Mirtes passear com o cachorro da família numa praça em frente ao prédio de luxo, enquanto a criança ficou sob os cuidados de Sari Corte Real. Mas o menino quis encontrar a mãe. Vídeos da câmera de segurança mostram a primeira-dama colocando o menino sozinho no elevador, no 5º andar do prédio. A mulher aperta o botão do 12º, último andar do prédio, mesmo sabendo que a criança buscava ir ao térreo. O menino aperta outros botões aleatoriamente.

Quando o elevador abre no 9º andar, a criança sai sozinha. Minutos depois caiu de uma altura de aproximadamente 40 metros. A perícia encontrou marcas da sandália da criança na área onde fica o ares-condicionados. Os bombeiros avaliam que Miguel Otávio subiu no parapeito do prédio e caiu acidentalmente.

Sari Corte Real foi presa em flagrante ainda na tarde da terça-feira, mas foi solta logo em seguida após pagar uma fiança de R$20 mil. Responderá processo em liberdade. O casal tem se negado a falar com a imprensa desde então. Apesar de o caso ter ocorrido há dois dias, os nomes do casal só vieram à tona na manhã desta quinta (4), quando a própria Mirtes expôs publicamente. As autoridades locais estavam alegando sigilo enquanto não havia aberto um inquérito.

Organizações sociais de Pernambuco convocaram uma manifestação de “Justiça para João Miguel” para esta sexta-feira (5), em frente às “Torres Gêmeas”, sob a palavra de ordem “rosas para Miguel e fogo nos racistas”. O ato acontece a partir das 13h, horário em que a criança morreu.
Em Pernambuco, o trabalho de empregadas domésticas não é considerado essencial e por isso os patrões não devem convocar suas empregadas. As únicas exceções são quando as profissionais são cuidadoras de idosos, de pessoas com necessidades especiais e babás de crianças filhas de profissionais de saúde e segurança que estejam na linha de frente do combate à pandemia. O caso de Mirtes não se encaixa nas referidas exceções, mas ainda assim seus patrões a estavam submetendo ao trabalho.

A mãe de Mirtes, já idosa, também trabalha para o casal. E a família da doméstica é formada pelas duas e pelo menino Miguel, que é levado por elas para o trabalho. Quando teve início a pandemia, o casal Sérgio Hacker e Sari Corte Real levou as duas empregadas para trabalharem para eles durante o isolamento, na cidade do litoral sul. A criança foi levada com a mãe. Quando o prefeito foi diagnosticado com covid-19, no fim de abril, também tiveram resultado positivo a mãe de Mirtes e o filho, mas com sintomas leves.

Herança política e poder financeiro

Sérgio Hacker Côrte Real tem 31 anos, é empresário e mais jovem entre os herdeiros políticos da família, que exerce grande influência no litoral sul do estado. A família tem origem alemã e entrou de cabeça na política em 1992, quando o casal José Hildo Hacker e Graça Hacker disputaram a eleição para a Prefeitura de Rio Formoso: detalhe, José Hildo como prefeito e a esposa Graça como vice. Na eleição seguinte, em 1998, José Hildo Hacker foi disputar a prefeitura de Sirinhaém, sendo prefeito por dois mandatos, de 1997 até 2004. Em 2000 o casal venceu duas eleições ao mesmo tempo: enquanto José Hildo tentava reeleição em Sirinhaém, a matriarca Graça Hacker foi eleita prefeita em Rio Formoso, onde governou de 2001 até 2008.

O casal teve quatro filhos, dos quais três entraram na política: Isabel Hacker, Franz Hacker e Hildo Hacker Júnior. Franz Hacker é o atual prefeito de Sirinhaém, desde 2013. Isabel Hacker é a atual prefeita de Rio Formoso, desde 2017, candidata à reeleição. E Hildo Hacker Júnior foi prefeito de Tamandaré em duas ocasiões, de 2005 a 2008; e de 2012 a 2016. Ao fim do segundo mandato ele colocou na prefeitura seu sobrinho e atual prefeito, Sérgio Hacker, filho de Isabel, atual prefeita de Rio Formoso. Sérgio Hacker é filiado ao PSB, foi eleito em 2016 e é candidato à reeleição este ano.

De acordo com o site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ao declarar bens na eleição de 2016, Sérgio hacker Côrte Real tinha participações nas locadoras de veículos Brasil Locadora, i9 Veículos e na S3 Brasil Café, todos no bairro da Imbiribeira. Ele declarou ainda ter R$ 1 milhão em espécie, totalizando R$1.678.214,11 em bens.

A família Côrte Real tem como principal destaque o também empresário e político Jorge Corte Real, ex-deputado federal pelo PTB de Pernambuco (dois mandatos, 2011 a 2018), que representava em Brasília os interesses do setor industrial do estado. Recentemente Jorge Corte Real presidiu a Federação das Indústrias do estado de Pernambuco (Fiepe) e agora é diretor na Confederação Nacional da Indústria (CNI). A família atua no setor da construção civil e é proprietária da A. B. Côrte Real, antiga “Carrilho & Real Empreendimentos Ltda”.

Mencionada numa versão anterior da matéria (editada na tarde desta sexta, 5), a Construtora Carrilho enviou nota ao Brasil de Fato dizendo não ter mais laços com a família Côrte Real desde pelo menos 2005. “A Construtora Carrilho é uma empresa familiar, tendo este nome desde sua fundação no ano de 1969. A família Corte Real já teve laços corporativos com a família Carrilho na dita Carrilho & Real Empreendimentos Ltda, contudo esses laços foram desfeitos há mais 15 anos, quando a Carrilho passou a atuar sozinha no ramo da construção e incorporação civil”, diz a nota.

Edição: Monyse Ravena