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Mulheres: Fiquem em casa, mas não fiquem caladas

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A rede de solidariedade que vem se formando durante a pandemia precisa tecer também ferramentas que permitam e contribuam para a manutenção da vida e da integridade física - Rovena Rosa/Agência Brasil
Apesar da redução nos índices de violência, não há nada a comemorar

Em março deste ano, já depois do início do isolamento social causado em razão da pandemia provocada pelo coronavírus, a Secretaria de Defesa Social (SDS) de Pernambuco divulgou uma redução no número de denúncias relativas a casos de violência doméstica e familiar contra as mulheres. No mesmo sentido, o Fórum Brasileiro de Segurança publicou que o índice de denúncias realizadas através da Central de Atendimento à Mulher, o Ligue 180, foi reduzido em todo o território nacional, quando comparado à mesma época do ano passado.

Apesar da redução, não há nada a comemorar. De acordo com diversas entidades sociais, essa diminuição é apenas aparente e relativa aos dados institucionais. Isto porque a suspensão do atendimento presencial no sistema judiciário e na Polícia Civil são os verdadeiros responsáveis pela maquiagem nos números que, na realidade, permanecem trágicos e alarmantes. Além disso, o isolamento social da vítima que, muitas vezes, reside com seu agressor, impede também que outras pessoas tomem conhecimento das agressões e intercedam no sentido de proteger e garantir o fim da violência sofrida. Soma-se a isso, ainda, a própria situação de vigilância do agressor dentro de casa, que impede, inclusive, a utilização de meios eletrônicos pela mulher e monitora as suas interações virtuais.

Diante disso, a Câmara dos Deputados aprovou no último dia 10 medidas para garantir a continuidade do atendimento das mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, mesmo no cenário pandêmico. O texto, que segue para sanção presidencial, prevê como essencial os serviços de atendimento às mulheres, idosos e crianças vítimas desse tipo de violência, determinando que os órgãos de segurança recebam as denúncias e deem andamento regular aos casos. O texto aprovado também determina que os órgãos de segurança disponibilizem canais de comunicação virtual para essas situações e que o Canal de Atendimento Ligue 180 repasse as denúncias recebidas aos órgãos competentes no prazo de 48 horas. No âmbito judicial, a lei garante que as medidas protetivas sejam automaticamente prorrogadas e que vigorem até o fim do estado de calamidade na saúde.

Também fica determina a retomada dos prazos processuais e a análise dos casos relativos à violência doméstica, principalmente quanto aos novos pedidos de medidas protetivas.

Em Pernambuco, o Tribunal de Justiça do Estado lançou em abril o projeto Carta de Mulheres. O projeto colabora com orientações para os casos de violência doméstica e pode ser acessado tanto pela vítima, quanto por qualquer outra sujeita ou sujeito que tenha conhecimento de que a mulher está sendo agredida em sua residência. Ao preencher o formulário, a pessoa receberá instruções e informações sobre qual serviço deve procurar e como deve promover a denúncia. Essa iniciativa é importante porque, além de pretender facilitar o acesso à justiça e reprimir casos de violência, colabora com a compreensão de que a violência doméstica e familiar é uma responsabilidade de toda a sociedade que pode, e deve denunciar e, com isso, vir a salvar vidas.

A rede de solidariedade que vem se formando durante a pandemia precisa tecer também ferramentas que permitam e contribuam para a manutenção da vida e da integridade física e psicológica das mulheres vítimas de violência doméstica. É necessário lembrar que essas mulheres são sujeitas das suas próprias histórias e possuem a capacidade de retomarem o controle de suas vidas. Para isso, é fundamental que todas e todos estejam engajados na reconstrução da autoestima dessa mulher e da confiança em um futuro melhor e livre de agressões. A luta antifascista e antirracista é, também, uma luta anti-patriarcal, pois em todas essas vertentes se encontra o grito de liberdade que transpassa a opressão e age como elemento transformador da sociedade. A mudança mais radical que podemos fazer consiste em movermos nossos olhos, nossos ouvidos e nossas mãos na construção de um mundo que respeite e proteja a existência do outro.

 

Edição: Vanessa Gonzaga