Rio Grande do Sul

PRIVATIZAÇÃO

Ministério Público de Contas entra com cautelar contra licitação do Mercado Público

A cautelar pedida pelo procurador Geraldo Da Camino fala que não vê urgência na medida da prefeitura

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Nilson Pillati, administrador da loja da Reforma Agrária e diretor da Associação dos mercadeiros, destaca também a questão do patrimônio imaterial do Bará - Lauriane Belmonte

O Ministério Público de Contas/RS (MPC-RS) solicitou ao Tribunal de Contas do Estado (TCE) a expedição de medida cautelar para determinar a suspensão da licitação do Mercado Público de Porto Alegre. Assinado pelo procurador geral do MPC/RS, Geraldo Da Camino, o documento partiu da representação da deputada estadual Sofia Cavedon (PT), presidente da Comissão de Educação e Cultura da Assembleia Legislativa/RS, e de Tata Edson Nogueira, do Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais e Matriz Africana (Fonsanpotma).

A recomendação do MPC ao TCE é para que seja determinada a anulação do Edital de Concorrência Pública nº 10/2020 que trata da concessão do Mercado à iniciativa privada.

No documento, o MPC ressalta que "trata-se de concessão cujo objeto envolve profundamente a história da cidade, pelo que deve ser refletida e planejada sob a ótica do benefício que resultará aos cidadãos, em particular às futuras gerações, sem descuidar dos atuais permissionários e da concessionária contratada".

Sofia Cavedon assinala que Da Camino questiona outras irregularidades no edital, como o critério de julgamento pelo maior valor de outorga. Recorda que a crise sanitária atual trouxe dimensão inexistente à época da análise realizada pela auditoria, tendo havido redução do nível de partida da outorga de R$ 28 para R$ 17 milhões. Uma circunstância a ser melhor analisada já que altera o cenário em favor da futura concessionária, com reflexo no novo plano de execução orçamentária.

Em meio à pandemia 

Com a intenção de conceder a administração do Mercado Público para a iniciativa privada, a prefeitura lançou o edital no dia 5 deste mês, dando prazo final até o dia 31 de julho. Conforme o pedido de cautelar, "em meio a cenário de crise socioeconômica sem precedentes, no qual questões de saúde pública estão ocupando o protagonismo na sociedade, inequivocamente obstaculiza, ainda mais, a participação popular no processo de decisão quanto ao futuro do Mercado Público de Porto Alegre". Segundo Da Camino, isto e a pouca publicidade dada ao edital, “lançam por terra a credibilidade do certame”.

O texto ressalta que é preciso tratar da questão do patrimônio imaterial do Mercado que "não consiste apenas nos símbolos, e sim também nas práticas, na população que o frequenta, no equilíbrio entre a diversidade de produtos e seu preço acessível, questões que estão em aberto, cuja previsão contratual não é bastante à garantia dessas práticas, que merecem maior atenção e, sobretudo, atualização quanto ao registro dos bens imateriais.

“Dano irreparável”

O MPC alerta para um "sério risco" de desfiguração do Mercado Público como o patrimônio imaterial que é a da verdadeira identidade de Porto Alegre e de seus habitantes, "para se tornar tão-somente um prédio público a ser explorado comercialmente, em moldes similares ao de um shopping center. Cabe ao Poder Público definir uma modelagem de concessão que impeça que isso ocorra".

Lembra ainda que é a lei, em sentido amplo, que define o correto uso do bem público, não o controle, nem o gestor. O Ministério ainda ressalta o perigo "de dano irreparável – na hipótese de continuidade de procedimento que não atende à gestão democrática e aos princípios da publicidade e da transparência –, justificando a adoção de medidas protetivas para evitar a consumação de atos que podem vir a se tornar irreversíveis.

Projeto na Câmara 

O vereador  Adeli Sell (PT) considerou acertado o pedido cautelar de suspensão do edital. Nesta sexta-feira (19), Sell formalizou pedido de audiência ao conselheiro Cezar Miola, relator do processo, para aportar mais documentos e informações. Ele está protocolando projeto de lei na Câmara que não permite ao poder público local alienar bens do patrimônio público nem realizar mudanças estruturais por terceiros.

O vereador lembrou que, além de apresentar o edital durante uma pandemia, a prefeitura baixou o valor da concorrência para R$ 85,9 milhões sendo que o vencedor da licitação terá que fazer investimentos de R$ 40,6 milhões e usar os outros R$ 45,3 milhões para a manutenção do prédio. 

Mercadeiros descapitalizados

Segundo ele, os mercadeiros, como são chamados os permissionários do Mercado,  têm interesse em participar da licitação, mas no momento estão descapitalizados. Disse ainda que não existem grupos gaúchos interessados em assumir a gestão, “porém se comenta que a prefeitura está negociando com grupos de fora”. Mas entende ainda ser difícil aparecer interessados até o dia 31 de julho, prazo final do edital, “pois o mercado está em baixa para este tipo de negócio, os aluguéis estão baixando por conta da recessão”. 

Os mercadeiros e os fregueses do Mercado ficaram assustados com a notícia do edital no dia 5. A concessionária ficará responsável pela gestão, manutenção e operação do local por 25 anos. Ao Correio do Povo, a presidente da Associação do Comércio do Mercado Público Central (Ascopemepc), Adriana Kauer, notou não haver momento pior do que este para se tomar esta atitude. Em nota, a Ascopemepc lamentou ter sido ignorada depois de ter “assumido gastos que seriam responsabilidade da prefeitura nos últimos meses”.

“Atendimento olho no olho”

Nilson Pillati, administrador da Loja da Reforma Agrária e diretor da associação, lembrou que o local já foi administrado pelos mercadeiros, logo após a reforma realizada na administração do prefeito Tarso Genro (PT) e este foi o melhor período para os permissionários. Acentuou que, além da questão do patrimônio imaterial do Bará, reverenciado pelos seguidores de religiões de matriz africana, outra questão imaterial está em jogo: “as lojas são tocadas por economias familiares e tem um modus operandi peculiar, é o atendimento olho no olho, os vendedores conhecem pessoalmente os seus clientes e a maioria deles está há duas ou três gerações realizando seu comércio direto”.

Edição: Katia Marko