Paraná

HIP HOP

"O rap é preto", canta Mano Cappu em G.R.I.T.O, seu novo single 

A faixa, com participação de Lua D'Avila, é uma reflexão sobre o racismo estrutural

Curitiba (PR) |
A proposta foi retratar dois anjos negros em escala monumental sobre a Terra, como símbolos de luta e de resistência - Hugo Bastos

Com inspirações no afro rap, G.R.I.T.O é uma denúncia da escravização ocorrida no Brasil e como ela se beneficia até hoje de corpos racializados. Assinado por Mano Cappu e Lua D’Avila, o feat é cantado a partir de vivências de um homem negro e uma mulher negra numa sociedade marcada pela violência racial. Para os artistas, o lançamento também surge como uma provocação aos brancos para olharem seu próprio racismo. O single fará parte de UFA, primeiro álbum de Mano Cappu, com previsão de lançamento para 2021.

Mano Cappu é rapper desde os 15 anos. Nasceu e cresceu na periferia de Curitiba (PR), usando do hip-hop como sua válvula de escape em meio à violência. Cappu ocupa a música e o cinema para contar as próprias histórias. "A história dos povos africanos escravizados no Brasil é resumida a relatos sobre navio negreiro, casa grande e senzala. Até hoje, nós buscamos nos escombros nossas memórias e nossos ancestrais", comenta.

Sobre Mano Cappu

Rodrigo Pinheiro, conhecido como Mano Cappu, nasceu em Curitiba, em 1987. Ingressou no movimento do hip-hop no final da década de 1990, aos 15 anos. Desde então, desenvolve trabalhos musicais como rapper. Cappu cresceu na Cidade Industrial de Curitiba (CIC). Para o rapper, que até hoje vive na comunidade onde nasceu, a cultura hip-hop é a válvula de escape em meio à violência. Porém, para quem é negro e periférico no Brasil, a justiça é inexistente. Em 2011, Rodrigo foi preso por um crime que não cometeu. Seis anos após a prisão, foi absolvido. Em dezembro de 2014 lançou a Mixtape “Mano Cappu – Não Pare Agora”, uma reflexão sobre a vivência como um ex-detento. Em 2016, se envolveu pela primeira vez com o cinema, na série de TV Nóis Por Nóis.

Em 2019, fez uma atuação na série Irmandade, da Netflix, realizou diversas palestras em faculdades, com o tema da reinserção social. E também neste mesmo ano ganhou o Edital de Produção e Desenvolvimento de Obras Audiovisuais do governo do Paraná com o filme curta-metragem Bença, que irá contar uma parte de sua história no sistema prisional. O curta foi roteirizado e será dirigido por Cappu em 2020. No momento, Mano Cappu trabalha para a finalização de seu primeiro álbum, UFA, previsto para lançamento no início de 2021. 

Sobre Lua D'Avila

Luana D'Avila, conhecida como Lua D'Avila, nasceu em Curitiba em 1986. Cresceu no Tingui, bairro onde aprendeu o que é o racismo estrutural ainda na infância. Desde pequena, Lua sabia que a música era a sua forma de expressão: por meio das letras de outros artistas, conseguia se entender internamente. Pelas melodias das canções, sentia o corpo flutuar de olhos fechados a cada batida. E foi através da parceria como cantora na música "Sábado a Noite" (2009), do grupo de rap curitibano J.A.C, que Lua começou sua caminhada no mundo da música. Desde então, participa do cenário musical da cidade, no rap, samba e R&B. G.R.I.T.O é sua primeira composição autoral. No momento, Lua trabalha na composição de novas músicas com previsão de lançamento para este ano.

Arte de capa

Mano Cappu explica sobre a representação de imagens de anjos na arte de capa do single: "Para o colonizador religioso, os negros eram anjos caídos, eram a encarnação do mal na terra. E para acabar com essa ‘maldição’ a solução apresentada pelo homem branco era embranquecer. No quadro ‘A Redenção de Cam’, uma pintura realizada pelo artista espanhol Modesto Brocos, em 1895, é apresentada uma mãe negra agradecendo a Deus porque sua filha se casou com um homem branco e teve um bebê branco. A obra aborda as teorias raciais controversas do fim do século 19 e o fenômeno da busca pelo ‘embranquecimento’ gradual das gerações de uma mesma família por meio da miscigenação”.

O título da pintura faz referência direta à passagem bíblica de Cam, filho de Noé, castigado por ter olhado o pai nu e bêbado. “O fato de Cam ser apontado na Bíblia como suposto ascendente das raças africanas faz com que tal passagem comece a ser usada pelos defensores da escravização negra como um argumento de que tal sistema não seria contrário aos desígnios de Deus", conta Cappu.

Colagem

A colagem digital que representa a arte da capa do single foi produzida pelo carioca Hugo Bastos (@_.lunatico._), colagista digital e jornalista. Para isso, a proposta foi retratar dois anjos negros em escala monumental sobre a Terra, como símbolos de luta e de resistência, conectados à vontade do ser humano de criar música, de se expressar e de passar adiante seu conhecimento e sua história.

A estética da arte segue a assinatura vintage que seu trabalho apresenta, com elementos antigos (como o aparelho de som e o amplificador) e com um tratamento de imagem que a deixa mais próxima de fotografias dos anos 70 e 80.

Ensaio

Os materiais imagéticos foram concebidos com a proposta de quebrar imaginários já criados sobre cantores e cantoras de rap. "Pensamos ser necessário trazer novas perspectivas para falar sobre o tema, para que as pessoas possam imaginar pretos e pretas livres. Já carregamos um estigma muito grande e as pessoas precisam pensar um pouco além para observar outras realidades", comenta Daniele Oliveira (@daniolr), diretora criativa, responsável pela criação e beleza do ensaio.

Figurino

O figurino é assinado por Vanessa Cordeiro (@atiavane), stylist e empresária do Brechó das Debochadas. As fotografias foram feitas pela fotógrafa Isabella Lanave (@isalanave) e a direção de arte dos materiais produzidos é de Vinícius Mafra (@v.mafra). 

Edição: Pedro Carrano