Pernambuco

SOBREVIVENTES

“Tive medo, porque era sinônimo de UTI e morte”, diz paciente recuperada da Covid-19

Trabalhadores recuperados da covid-19 relatam suas experiências e sequelas relativas à doença

Brasil de Fato | Recife (PE) |
No estado, os recuperados são 41,9 mil, cerca de 69% dos infectados - Reprodução

O estado de Pernambuco já ultrapassou a marca de 60 mil diagnósticos confirmados de covid-19, número que é maior, já que há subnotificação. O estado também superou a triste marca de 5 mil mortes pela doença. Os recuperados são 41,9 mil, cerca de 69% dos infectados. O Brasil de Fato Pernambuco conversou com três destes para saber como foi o processo de convívio com o vírus, os sintomas, as sequelas e a tentativa de retomar a “normalidade” de suas vidas.

A técnica de enfermagem Magna Moreira, de 50 anos, foi uma das primeiras diagnosticadas com a covid-19 no estado. “Sou funcionária da linha de frente da saúde e tive contato com pacientes contaminados. No dia 9 de março apresentei sintomas, fiz o teste e foi confirmado. Fiquei bastante assustada, em pânico mesmo”, conta a profissional de saúde. Ela suspeita que tenha pego o vírus com alguma paciente. “Possivelmente sei até o dia. Eu trabalho em ambulância, transportando pacientes. E uma das que fui buscar bem no início da pandemia, dias depois ela testou positivo. E pouco tempo após o contato com ela, apresentei sintomas”, recorda Magna Moreira, que teve muitos sintomas, mas leves. “Tive muita mialgia (dores nas articulações), diarreia, febre, náuseas e dores no peito. No pior momento cheguei a ter um pouco de falta de ar, mas não foi necessário ir para hospital”, diz ela.

Já o analista de suporte Jean Luiz Batista, 32, desconfia ter pego a doença numa ida ao supermercado. “Primeiro tive dor de cabeça e dor nas costas, na região dos rins e tive febre”, conta. Ele acreditava ser uma gripe comum, até começar com as tosses. “Tossia bastante, cheguei a vomitar, tive diarreia. Foi quando senti que estava ficando mais grave e corri para a emergência”, diz Jean. Caso foi no fim de abril. “Fui ao médico pela primeira vez, mas não cheguei a fazer o teste”, diz ele, que foi afastado do trabalho por 14 dias. “Fiquei tranquilo e li bastante sobre a doença. Acreditava que meu sistema imunológico estava bem”.

A funcionária pública Rebeca Amorim, de 37 anos, tem cumprido um isolamento social rígido. Ela diz não ter saído de casa há muito tempo, mas o marido faz compras semanais numa feira de orgânicos e vai ao supermercado mensalmente. Ainda assim, ela ficou doente, apesar de o marido não ter sido infectado. “Achei que poderia ter sido através do meu marido, mas o exame dele deu negativo. Então acho que me infectei com as compras. É a única explicação que encontro”, opina. “Ele sai para fazer compras, mas sou eu quem lavo as folhas, verduras, para higienizar. Eu manipulo os sacos, as comidas. Pode ser que tenha me contaminado neste momento”, diz ela.

Rebeca lembra de ter sentido pressões na face, especialmente no nariz e ouvidos, além de dor de cabeça. “Achei que era uma sinusite. Mas um dia acordei, tomei café e percebi que não estava sentindo o gosto da comida. No almoço já estava completamente sem paladar. No dia seguinte me dei conta que não sentia cheiro de nada, apesar das minhas vias nasais estarem completamente livres. Então entendi que era o coronavírus”, recorda. O contágio se deu durante o período de isolamento social rígido decretado pelo Governo de Pernambuco, na segunda quinzena de maio. “Não acreditei que tinha sido contaminada sem sair de casa. Fiquei muito tensa, porque não sabia se a doença poderia evoluir, piorar, se faltaria ar. Mas ela ‘estacionou’ nesses sintomas e pude levar a doença com tranquilidade”, diz ela. A perda de paladar durou duas semanas, enquanto a do olfato alguns dias a mais. “Não precisei ir a hospital, já que eram sintomas leves”, comemora.

Ao entenderem que provavelmente estavam com o novo coronavírus (Sars-CoV-2) circulando em seus corpos, nenhum dos entrevistados ficou tranquilo. “Tive medo de precisar ficar internada num hospital. Tive medo da própria doença em si, já que é uma virose nova e que não sabemos ainda o melhor tratamento”, conta a funcionária pública Rebeca Amorim. A técnica em enfermagem Magna Moreira também descreveu o sentimento como medo. “Só passava pela minha cabeça ir para o hospital e ficar entubada na UTI. Naquele momento a doença era sinônimo de UTI e morte. E eu estava vendo aquilo de perto”, diz ela. Jean Batista disse só ter se preocupado a partir da falta de ar. “Voltei à emergência, fizemos todos os testes e exames e foi confirmado que tive a Covid-19, mas que naquele momento eu estava curado, apesar de ainda estar com sequelas”.

Mesmo ao descobrir que estava curado, Jean precisou ficar em observação no hospital por 15 horas. “Graças a Deus deu tudo certo. Passei mais um tempo em tratamento. Do início dos sintomas até me sentir recuperado foram 20 dias”, diz ele, que diz não estar mais com falta de ar e que as sequelas aparentemente não foram graves. “Apareceram algumas manchas pelo corpo, coisa que eu não tinha. Ainda não consegui ir a um dermatologista para ter certeza. Mas pelo que li, pode ser alguma doença autoimune provocada pela medicação ou pelos próprios anticorpos. Ainda preciso ir ao médico para ter o diagnóstico correto”, diz o analista de suporte.

Rebeca vive com marido e uma filha de 4 anos. Ela conta que foi difícil se isolar dentro de casa. “Meu marido ‘se mudou’ para o quarto da minha filha por 15 dias. Separei pratos, copos e talheres só para mim, um lugar só para minhas roupas sujas”, conta. Ela não chegou a fazer exames confirmando a doença ou a cura. Mas se sentiu aliviada quando voltou a sentir cheiros e gostos. “Foi quando fiquei bem mais aliviada. Foi leve e passou. Consegui me isolar e meu marido e filha não foram contaminados”, diz Rebeca. Ela também ficou com sequelas que sente até hoje, três semanas após o ciclo da doença. “Ainda sinto um pouco de incômodo no ouvido. Não sei se há relação com a doença. E desde que voltei a sentir gosto, percebia amargos, comida salgada, mas não estava 100%. Café parecia só água quente. Talvez ainda não esteja 100%”, avalia.

Já Magna teve seu tratamento acompanhado pelos profissionais do hospital em que trabalha. Ela não teve quaisquer sequelas. “Todos os dias recebia ligações. Após duas semanas fiz o teste rápido, mas ainda deu que tinha vírus circulando. Fiquei afastada do trabalho por 22 dias no total”, diz ela. “Fiz alguns exames como raio-x de tórax e tomografia, por segurança e tive ‘IgG’ positivo, indicando que estava curada. E aí voltei ao trabalho com a sensação de alívio e vitória”.

Os três entrevistados recomendam à população evitar o risco de contágio ao máximo e destacam que a doença não pode ser subestimada. “O risco maior é para quem não cumpre o isolamento social ou não usa máscara ao sair de casa. O grande fator de risco e contaminação é o não cumprimento do isolamento, seja por não poder se isolar ou por estar num ‘negacionismo’”, diz Rebeca Amorim. A opinião é compartilhada por Jean Batista. “Acho que muita gente ainda não leva a sério. Acha que é exagero e não se importa com a prevenção. Não usam máscara nas ruas ou ficam saindo de casa com frequência para fazer pequenas compras”, diz ele. Magna Moreira avalia que o central no momento seria a realização massiva de testes. “Se todos tivessem acesso, as pessoas saberiam que precisam ainda se prevenir. Muita gente acha que só devemos evitar contato com as pessoas que apresentam sintomas, mas os assintomáticos também transmitem e não sabemos que eles estão doentes”, diz a profissional de saúde.

 

Edição: Vanessa Gonzaga