Pernambuco

OPINIÃO

Artigo | E por falar em Solano

Nascimento do poeta, teatrólogo e militante Solano Trindade completa 112 anos nessa sexta (24)

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Solano, nascido em Recife, também foi operário, comerciário e colaborou na imprensa - Arquivo Nacional

Se Solano tivesse silenciado, o que seria da poesia? O que seria dos poemas? E já que a simplicidade não vale tanto, e hoje muito menos a vida, pior para aqueles que insistem em escrever, principalmente Poemas de uma vida simples.

Se Solano tivesse silenciado, com o desaparecimento das ferrovias o Trem sujo de Leopoldina não passaria de um monte de entulhos, cacos enferrujados de um passado sem discursos e sem lembranças, como sua cria: o TPB – Teatro Popular Brasileiro que, nem sequer é citado nos grandes eventos em homenagem ao teatro - talvez, por ter sido coisa do povo e para o povo – só ouvido e aplaudido fora.

  “Ora, direis – por certo perdeste o senso... E eu vos direi no entanto”, bilacteanamente, que estou a falar da poesia que pulsa no meu peito, dos poemas que insistem em querer me escorrer por entre os dedos, só porque capturaram do eco que ainda se ouve pelos espaços a fora, os versos do mestre, cantados por João Ferreira - o Abiodu: “Não disciplinarei /as minhas emoções estéticas / deixá-las-ei à vontade / como o meu desejo de viver. ”

Sei que a essa altura, o rótulo de minha loucura já está sendo fixado, mas se Solano tivesse silenciado, São Pedro estaria sozinho a tomar conta daquele Pátio Imenso e as terças continuariam brancas, como de costume, e os bêbados nas “terças negras ” não teriam quem aplaudisse suas loas convexas, como faz a estátua do poeta a piscar o olho para o Santo, como que lhe pedindo para perdoar os transtornos poeticamente etílicos, em frente ao templo.

Por interpretar tanto a alma dos seus, a crítica jornalística em 1944, o classificou como um poeta social, engajado, lírico: “Nenhum outro preto no Brasil cantou a raça com tamanho sentimento (...) A cor preta no Brasil está tendo agora, com o surgimento de Solano, o seu primeiro poeta nato, o seu primeiro cantor negro.”

Isso lhe valeu um lugar ao lado de grandes mestres da lírica afro-cubana (1928) inspirada conscientemente na linguagem popular, como Guillén, Ballagas e Arozarena, que no dizer de Jaheinz Jahn, mestres de uma lírica “que refuta el ‘alma africana’, el renacimiento de África a partir de su psique.”

Essa lírica cujo ritmo fascinante chegava a fazer magia com as palavras ao modo africano “se extiende por toda América Latina; su método fue adoptado y elaborado por Luis Palés Matos em Puerto Rico, por Adalberto Ortiz em El Ecuador, por Solano Trindade en el Brasil (...).

Podemos dizer então que Trindade, em matéria de pioneirismo, pode estar situado entre os que antecederam a poesia de negritude surgida em Paris (1939), não em se tratando de publicação, mas, no que diz respeito a um “que fazer poético,” rebelando-se contra medidas e modelos.

Então posso continuar afirmando que se Solano tivesse silenciado, o que seria de Miró, de França (hoje ao lado de Solano), Malungo, tantos outros, e de mim, consagrado pela “academia” como quem não sabe escrever, e cuja poesia não tem tempo nenhum diante dos Seis Tempos de Poesia do “Mestre”. Mas, se Solano tivesse silenciado eu não teria a quem recorrer quando me pedissem para que eu escrevesse mesmo assim, pois

Hoje me falta o verso

Como falta pão e farinha

Na mesa do meu irmão.

Meu estômago poético ronca,

Dá nó, a tripa da inspiração.

Uns com tanto e outros sem saber como.

Vou gritar pelo velho Trindade

Quero alguma imaginação pra beber

Algo que aplaque esse miserê  ...

Poético sim... Por que não?

Ele sempre teve

Em cada caracol de sua carapinha

Um verso, uma ilusão espalhada:

Pelas barbas, nos cabelos do sovaco ...

Até nos arames pubianos

É ... até lá tinham versos pendurados.

Me acode Véio!

Agora e na hora de qualquer papel em branco.

E depois... vai ser poeta assim na casa d’ Orisanlá que eu daqui, continuarei a lhe pedir para lançar mais Cantares ao meu povo, pois, sei que pelo seu próprio nome, Solano – o “vento forte da África” – jamais se calará!

*Lepê Correia é poeta, escritor, psicólogo e professor

Edição: Vanessa Gonzaga