Pernambuco

ENTREVISTA

Luiz Eduardo Soares: “Os juízes decidem de acordo com a cor da pele do suspeito”

Cientista político e Ex-secretário Nacional de Segurança Pública elenca desafios para mudança estrutural na área

Brasil de Fato | Recife (PE) |
, Luiz Eduardo explica que o atual modelo da polícia foi forjado na ditadura militar, o que explica a tendência ao conservadorismo das corporações em todo o país
, Luiz Eduardo explica que o atual modelo da polícia foi forjado na ditadura militar, o que explica a tendência ao conservadorismo das corporações em todo o país - Agência Brasil

 

A atual política se segurança pública no Brasil e seus impactos foi tema da edição desta terça (28) do Programa Aqui Pra Nós com Luiz Eduardo Soares, cientista político e ex-Secretário Nacional de Segurança Pública O programa Aqui pra Nós acontece todas as terças, a partir das 19:30h, no canal do YouTube do Brasil de Fato Pernambuco. Confira os principais pontos da conversa.

Armas e fascistização 


A maior parte dos brasileiros (66%) acham que a posse de armas deve ser proibida, segundo pesquisa Datafolha feita em julho de 2019. Ao mesmo tempo, o número de registros de posse vem crescendo há anos e também o número de armas vendidas no mercado legal.  De 2018 para 2019, o crescimento no número de Registros de Colecionador, Atirador e Caçador foi de 68%. 
Luiz Eduardo aponta que a posse de armas está diretamente ligada ao aumento da violência  “Quanto mais armas disponíveis, mais tragédias, mais mortes, mais suicídios, feminicídio, e acidentes também. Isso é o contrário do que qualquer política pública de segurança deve fazer”.
O crescimento de um discurso fascista e de intolerância é encorajado pelo presidente Jair Bolsonaro, que no mês de maio declarou que queria a população toda armada, já que para ele, é "fácil impor uma ditadura" no Brasil. Luiz rechaça a posição do presidente “Esse projeto político tirânico da milícia está sendo facilitado por essa política que garante o acesso às armas”.

Encarceramento em massa


Luiz é contrário a atual política de encarceramento no Brasil, que como ele explica, reflete uma série de contradições “É a barbárie. A sociedade brasileira cruza os braços e convive com isso porque a maioria das mortes dessa dinâmica são jovens negros e pobres. Se esse processo fosse mais distribuído entre os estratos sociais isso já teria sido transformado. Mas isso é naturalizado porque vivemos num país do racismo estrutural e da desigualdade”.
Ele também é contrário ao senso comum de que no Brasil as pessoas não são punidas “O Brasil não é país de impunidade. Somos a terceira população carcerária mundial e a que mais cresce em todo mundo desde 2001. O Estado não cumpre a lei, 40% dos presos estão em prisão provisória, sem julgamento, nós não sabemos se são culpados ou inocentes. Quem está lá não são os brancos da elite” aponta.
Luiz explica que o racismo e a desigualdade social são aspectos levados em consideração para entender a política de encarceramento em massa no Brasil “Os juízes decidem de acordo com a cor da pele do suspeito, de onde ele vem e da sua classe social. Se um jovem branco é conduzido ao juiz ele argumenta que é usuário e ele deduz que o suspeito é de boa família, boa índole, e dá uma pena alternativa. Se a mesma coisa acontece com um jovem negro o magistrado vai aceitar? é capaz dele aumentar a pena”.

Militarismo e conservadorismo


Resgatando parte da história do país, Luiz Eduardo explica que o atual modelo da polícia foi forjado na ditadura militar, o que explica a tendência ao conservadorismo das corporações em todo o país “Talvez esse seja o nosso problema central. Essa cultura atravessou os porões da ditadura. Isso acontece porque segmentos policiais já são milícias privadas e já não estão sujeitos a lei da República. A tarefa de luta contra o fascismo e contra essa cultura conservadora é de que precisaremos desenvolver uma transformação social para que nessa junção a serpente do fascismo não cresça” 
Luiz, que vem estudando sobre o tema, afirma que a militarização da polícia também tem impactos negativos na dinâmica de trabalho desses profissionais, especialmente em relação ao tráfico de drogas, a maior motivação para prisões hoje “A polícia é pressionada para produzir e ela entende por produção, salvo raras exceções, a prisão. Para ela, efetividade é a capacidade de prender. A questão é que eles prendem mas são impedidos de investigar. Se ela não pode julgar mas se sente pressionada a prender, ela prende em flagrante e pra fazer isso ela usa a Lei de Drogas, que é absurda”.

Segurança pública e direitos


“O x do problema é casamento desse modelo policial herdado da ditadura com a Lei de Drogas”, pontua Luiz. “Para salvar vidas e reduzir o sistema penitenciário, a solução é legalizar as drogas e refundar as instituições policiais. A transição democrática do nosso país não chegou a essa área. Se nós vencermos o desafio do fascismo, é importante garantir que ele não retorne. Aí está o ovo da serpente, que foi não mudar essa área pós-democratização”. 
Luiz aponta que essa mudança tem impactos inclusive na vida dos profissionais que atuam na área da segurança pública “É como se o passado atravessasse o presente e impossibilita o futuro. Isso envolve inclusive a valorização dos policiais, que são muitas vezes superexplorados”.  Para ele, a mudança do quadro no Brasil passa por visualizar o papel da segurança na garantia de direitos “a bandeira a qual eu procuro ser fiel é a da segurança como garantia de direitos e com respeito aos direitos humanos, isso combinando a justiça pública e criminal” conclui.

Edição: Monyse Ravena