Pernambuco

LITERATURA

Crônica | O baiano que contou e escreveu o Brasil

Jorge Amado faria 108 anos nessa segunda (10)

Brasil de Fato | Recife (PE) |
"Falo de luta e cartas porque Jorge viajou o mundo falando de literatura, mas não menos de saudade de seu país" - Louise Xavier

Meus dedos acariciam os livros coloridos, edição da Record dos exemplares de Jorge Amado enviados mensalmente aos assinantes de um jornal com circulação diária em Pernambuco na década 90, assim descrevera Roger, meu padrasto, após me indagar sobre as leituras estrangeiras, muitas vezes negligenciando autores brasileiros.

“Visitei todas praias possíveis do Brasil, mas nunca havia molhado os pés nas águas de Maria Farinha” confessou rindo, me convidando a ler “Farda, Fardão, Camisola de Dormir”. O livro fala das façanhas, tramoias e poder da Academia Brasileira de Letras, mas também da segunda guerra, do fascismo, com a audácia que só um deputado federal constituinte poderia ter, ou um comunista de partido que mantinha relações de amizade com a Elite baiana.

Os mesmos dedos que percorrem a capa cuja ilustração é de Carybé, são os que tocam o azulejo presenteado pelo mesmo, com Oxóssi e Oxum, tatuados nas paredes da casa do rio Vermelho. Os orixás que em “Jubiabá” e “Tenda dos milagres” é a cena em papel, é fotografia por Pierre Verger enquadrada e dada ao Brasil.

Os olhos que marejam em “Mar morto” são os que brilham com “Capitães da Areia”, o primeiro contato de muitos e o meu. Vovó Lucinha conheceu Jorge através de “Tieta do Agreste”, vovó Ziza bate o pé falando que ela se enganara e na realidade foi “Dona Flor e seus dois maridos”, só sei que foi na televisão, logo depois da janta, papa de aveia e chá de camomila, quase todo dia.

Além de Tieta, “Gabriela,cravo e canela” também ganhou espaço nas telenovelas com direito a Sônia Braga como protagonista, onde foi desenvolvida uma amizade com Jorge, essa pescada foi do Livro de sua Amada, integrante da academia brasileira de letras, companheira de luta, vida, a escritora Zélia Gattai. Falo de luta e cartas porque Jorge viajou o mundo falando de literatura, mas não menos de saudade de seu país.

Exilado no Uruguai, Argentina, Paris e União Soviética Jorge viveu e foi vigiado por não só ser Amado, mas por amar o Brasil, o povo Brasileiro, ao travar a luta por paz, pão e terra que a ditadura do Estado Novo abocanhou, engoliu quente como os livros queimados em praça pública pela ditadura Vargas. Visualizo agora sua foto com Fidel ainda no período de 90, um período difícil para nossos irmãos cubanos.

Suas obras foram traduzidas para 55 países em 44 línguas, Jorge é o escritor brasileiro mais conhecido no exterior, não sei no Brasil, mas aceitei o convite feito por Roger e descobri que assim como eu, Jorge Amado amava Pernambuco, passava suas férias exatamente na praia de Maria Farinha, onde Roger se demorou a visitar, assim como eu me demorei a ler suas obras com afinco.

De Gabriel García Marques a Mario Vargas Llosa, dos Magalhães aos camaradas do Partidão, o riso do amante dos sapos ecoava em companhias variadas sentado no jardim da casa na Rua Alagoinha nº33, onde Neruda, Saramago, Dorival Caymmi e Beauvoir fizeram morada na Bahia, mesmo que durante uma tarde de conversa.

Jorge é Bahia, é Brasil, é o colorido de suas camisas, é o pescador, o barqueiro que navega nas água doces ou águas de sal, o trabalhador em seus livros, é o Rio de Janeiro, de onde saiu de carro por medo de avião, Jorge é capoeira e como um bom capoeira, Jorge anda de bando, protegidos por seus orixás, Jorge é Obá, muito antes de ser literato, Simone e Sartre testemunharam no terreiro de mãe Senhora, onde descobriram que o filósofo era de Oxalá e a filósofa de Oxum.

Mergulhar nos escritos traz o anseio de banharmo-nos nas águas da Baía de Todos os Santos, nos lambuzar com dendê e o deleite é na crítica social escrita com maestria, sarcasmo e poesia, tecendo esperança por dias melhores, nos encorajando a lutar por isso coletivamente.

No compasso do frevo, do “País do Carnaval”, nós almejamos o dia em que todas as noites serão para o amor, haverá canções no cais e no coração das mulheres, cantiga de pescadores, assim, desse jeitinho, como ele nos escreveu. Parabéns ao nosso Baiano que contou e escreveu o Brasil, Jorge Amado.

*Louise Xavier é estudante e militante do Levante Popular da Juventude

Edição: Vanessa Gonzaga