Pernambuco

EDUCAÇÃO

Entidades pedem que escolas não reabram e criticam pressão do setor privado em PE

Nota assinada por cerca de 50 organizações reivindica ao governo que retorno aconteça quando pandemia estiver controlada

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Problemas estruturais são ainda mais graves para a população camponesa, que perdeu mais de 3 mil escolas do campo nos últimos 10 anos - Jaine Amorin

Na última semana, sindicatos de professores, entidades estudantis e movimentos populares que compõem o Comitê Pernambucano de Educação do Campo divulgaram uma nota assinada por 48 organizações e criticaram pressão das escolas privadas pela retomada das aulas presenciais e pedem que Governo do Estado não ceda até haver efetivo controle do quadro de pandemia.

A nota intitulada “Volta às aulas na pandemia é crime” afirma que as crianças e adolescentes podem não ser as principais vítimas da pandemia, mas cumprem papel de disseminadores do vírus, de modo que o retorno às aulas presenciais amplia o risco de contaminação não apenas dos menores, como também de professores e familiares destas crianças e adolescentes. “Pernambuco não dispõe de uma rede de saúde com estrutura e leitos de UTI suficientes para atender a população em caso de agravamento da pandemia, principalmente com o afrouxamento do isolamento social”, alertam as organizações.

O documento também menciona que outros países, assim como o estado brasileiro do Amazonas, retomaram as atividades escolares e depois precisaram fechar novamente as escolas devido aos surtos de contaminação. “[O afrouxamento do isolamento social é] empurrado por setores da economia que se servem da narrativa perversa de que ‘este é o novo normal’ e que todas as atividades devem ser retomadas”, critica a nota, que classifica ainda como “discurso desconectado da realidade” a proposta de reabertura, encabeçada por sindicatos empresariais das escolas e universidades privadas.

O professor da rede privada Helmilton Bezerra, integrante do Sindicato dos Professores do estado de Pernambuco (Sinpro), lembrou ainda que os grupos privados têm espalhado propagandas pelas cidades dizendo estarem prontos para receber os estudantes. “O que eles não dizem é que a Organização Mundial da Saúde (OMS) alertou que escolas são um espaço de disseminação. Mas desde quando o capital se importa com a vida?”, disse ele, mencionando ainda outros períodos históricos como exemplo de que a vontade do lucro é sempre colocada acima da importância da vida, como a exploração do trabalho escravo.

Evandro José, representante da União dos Estudantes Secundaristas de Pernambuco (UESPE), criticou as entidades privadas, afirmando que a pressão pela retomada de aulas presenciais “é o lucro acima da vida”, e avalia que a pandemia evidenciou as desigualdades. “Muita gente não tem acesso a tecnologias. E só na semana passada o Governo do Estado anunciou a facilitação de acesso à internet para os estudantes”.

Outro estudante, o universitário Victor Hugo, que integra a União dos Estudantes de Pernambuco (UEP) e a União Nacional dos Estudantes (UNE), mencionou ainda que as instituições de ensino que têm realizado aulas remotas não têm levado em consideração “a saúde psicológica e emocional dos estudantes e dos trabalhadores da educação”.A nota pública critica ainda como os governos municipais e estadual lidaram com a educação durante a pandemia. “A realização de atividades esbarra nas dificuldades de acesso às tecnologias por parte da maioria dos estudantes, bem como na precarização do trabalho docente, que decorre da falta de infraestrutura e da ausência de formação específica para as/os professoras/es”.

O professor Carlos Elias, trabalhador da rede pública municipal do Recife. pontuou que em Pernambuco um quarto da população frequenta escolas. “São 2,4 milhões de pessoas, estaremos colocando em risco toda a população. É uma irresponsabilidade, um genocídio. Quem vai assumir a responsabilidade por isso?”, provocou o educador, que integra o Sindicato Municipal dos Profissionais de Educação do Recife (Simpere). Na avaliação dele, as aulas só podem retornar quando houver vacina ou testagem em massa que garanta o controle adequado da pandemia.

O sindicalista também acusa a Prefeitura do Recife de autoritarismo com os profissionais de educação. “Não quiseram diálogo. Só conseguimos nos reunir com eles após acionarmos a Justiça. Também obrigam as educadoras a manter câmera aberta, expondo elas, e por mais de uma vez tentaram retirar gratificações, reduzindo o salário das profissionais”, acusou. “Elas, que compõem 90% da categoria, têm sofrido na pandemia, pois são mães e estão nos cuidados dos filhos, muitas entrando madrugada a dentro para dar conta das demandas das aulas”, diz Carlos Elias. 

O professor Edeildo de Araújo, da rede estadual, membro do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado de Pernambuco - (SINTEPE), criticou a pressão para os educadores se adaptarem às aulas remotas. “Não fomos preparados para isso. E ainda temos que fazer com nossos próprios equipamentos, arcando com os custos”, reclama.

Educação no Campo

O documento pontua ainda que os problemas estruturais são ainda mais graves para a população camponesa, historicamente esquecida e que, segundo a nota, perdeu mais de 3 mil escolas do campo nos últimos 10 anos só em Pernambuco. “A falta de equipamentos, a precariedade no acesso à internet e a ausência de formação dos familiares para realizar as atividades com os estudantes estão entre os fatores que devem ser considerados”, diz o Comitê de Educação do Campo.

Cícera Maria, presidenta da Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Pernambuco (FETAPE), afirma que os sindicatos de trabalhadores rurais (STRs) nos municípios têm dialogado com as secretarias de educação e comemorou a posição da Associação Municipalista de Pernambuco (Amupe) de pedir a suspensão do calendário letivo até a superação da pandemia. “A população também é contra a volta [às aulas presenciais]. Seria importante que todos nos somassem a essa luta dos educadores, que pode até resultar numa grande greve”, avalia.

Paulo Henrique, do setor de educação do Movimento dos Trabalhadores rurais Sem Terra (MST), pontuou que o retorno às aulas durante a pandemia é inviável e, mesmo após o controle do vírus, “é fundamental que as escolas tenham estrutura mínima necessária para esse retorno, já que hoje muitas escolas sequer têm água encanada”, lamentou. O educador do campo também menciona a necessidade de os poderes públicos manterem o fornecimento de alimento para essas crianças, já que muitas dependem da merenda, e propõe que a aquisição de alimentos seja em parceria com as famílias camponesas, não com a indústria. “É necessário garantir alimento saudável e também gerar renda para os camponeses”, afirmou.

O Comitê também destaca que a população já tem se exposto demasiado por estar em situação de maior vulnerabilidade, que segundo a nota foi agravada pela Emenda Constitucional do Teto de Gastos (2016), pela Reforma Trabalhista (2017) e pela Reforma da Previdência (2019). “Os pernambucanos sofrem esses mesmos problemas”, alerta a nota conjunta, destacando o aumento do desemprego durante a pandemia (foram 190 mil demissões no primeiro semestre).

Audiência

Nesta segunda-feira (24), os movimentos também realizam um debate, transmitido através do Youtube, que reúne secretários de educação dos estados do Nordeste, representações do Consórcio Nordeste, a governadora do Rio Grande do Norte e professora Fátima Bezerra (PT) e entidades nacionais da luta pela educação. O debate é promovido pelo Setor de Educação do MST e o objetivo apresentar plataforma, um programa, propostas que respondam ao desafio da pandemia.

 

Edição: Vanessa Gonzaga