DIREITO AMEAÇADO

Mais de 330 organizações denunciam portaria que tenta impedir acesso ao aborto legal

Oposição no Congresso se mobiliza para barrar no voto a medida que fere direito

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Movimento feminista pauta a necessidade de legalizar o aborto no Brasil há décadas; na foto: manifestação em frente ao STF em 2018 - Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Ag Brasil

Mais de 330 entidades e organizações de defesa dos Direitos Humanos assinam uma nota de repúdio contra a Portaria nº 2.282, publicada pelo Ministério da Saúde no dia 28 de agosto, que altera das regras para o acesso ao aborto legal, em casos de risco de vida para a mulher, quando é decorrente de estupro ou no caso de anencefalia.

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Entre as organizações que assinam o documento está  Associação Brasileira de Enfermagem - ABEN Nacional, Terre des Hommes Alemanha, Instituto Socioambiental (ISA), Instituto Alana, Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM, Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, Associação Brasileira de Defesa da Mulher, da Infancia e da Juventude, Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais, Quilombolas – CONAQ, Criola, Observatório da Violência Obstétrica no Brasil, Intervozes Coletivo Brasil de Comunicação Social, Justiça Global, Marcha das Mulheres Negras, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra entre outras. Além do apoio institucional de conselhos estaduais dos Direitos da Mulher e núcleos da Defensória Pública.

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“É inaceitável que o governo federal faça uso de um instrumento infralegal para constranger  mulheres e meninas vítimas do crime de estupro e para obstaculizar um direito legalmente previsto no Brasil desde 1940. Seu resultado será dificultar o funcionamento e abertura de serviços de aborto legal após estupro, atualmente já escasso diante da dimensão do número de casos de violência sexual no Brasil”, diz o texto.

O documento também exige que o Congresso Nacional aprove com urgência o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 381/2020, que susta os efeitos da portaria com base na sua ilegalidade, por impedir o acesso ao direito ao aborto legal, previsto em lei. A medida foi apresentado por onze parlamentares da oposição na última sexta-feira (28).

A deputada federal Erika Kokay (PT-CE) é uma das que assina o PDL e informou ao Brasil de Fato que tanto ela como as demais parlamentares tem pressionado para a votação, mas ainda não há uma previsão na Câmara.

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“Ele [PDL] não tem efeito imediato, precisa ser aprovado por 257 votos favoráveis. 50% mais um. Estamos pressionando para que seja colocado em pauta, mas até agora não tem previsão. A gente está fazendo uma ação no Supremo Tribunal Federal dos partidos, o PT está elaborando com assinatura dos partidos de oposição para sustar a portaria, e para tentar também via judiciário”, afirma Kokay. 

Portaria

A portaria, assinada pelo ministro interino da Saúde, o general Eduardo Pazuello, surgiu 12 dias após a tentativa de fundamentalistas de impedir o aborto legal de uma criança de 10 anos, que engravidou após ser estuprada pelo tio, e altera a obrigatoriedade de denúncia à polícia do crime de violência sexual pela equipe médica para que as vítimas possam ter acesso ao serviço de atendimento de saúde e ao direito de interromper uma gestação em razão de estupro. Medida que não estava prevista na portaria anterior de 2005. 

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As organizações, que assinam a nota, denunciam que a mudança “fere a autonomia da mulher ao impor a notificação à polícia como requisito para que um procedimento legal aconteça” e que atenta também contra o princípio de sigilo profissional dos profissionais de saúde. 

A portaria também faz mudanças no Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei, que já é previsto pelas normas atuais, passa a ser mais burocratizado e penoso. Como a oferta pelos médicos de visualização do feto ou embrião por meio de ultrassonografia.

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“Especialmente perverso é o fato do Ministério da Saúde criar barreiras para o acesso ao aborto legal em um momento de confinamento devido à pandemia de Covid-19 em que casos de violência sexual têm aumentado, inclusive contra meninas. É lamentável que Ministério da Saúde, ainda sob comando de ministro interino alheio à área de saúde pública, atente contra um direito das mulheres garantido em lei. O Ministro Interino Eduardo Pazuello deve ser chamado a responder por esse ato.”, afirma o texto.

Para conferir a nota na íntegra clique aqui.

Edição: Rodrigo Durão Coelho