Rio Grande do Sul

Entrevista

Professor discute o dinheiro como instrumento limitador da liberdade 

Humberto Matos criou e desenvolveu o curso “Classe, Estado & Moeda: Fundamentos da Estrutura de Dominação”

Brasil de Fato | Porto Alegre |
"Moeda, Estado e propriedade privada são resultados do mesmo processo" - Arquivo Pessoal

Professor de História há 14 anos, com atuação também na área das ciências sociais, o educador popular Humberto Matos criou e desenvolveu o curso “Classe, Estado & Moeda: Fundamentos da Estrutura de Dominação”. O que fez após se interessar pelas possibilidades abertas pelas plataformas digitais, sobretudo o YouTube, e sua possível utilização para fazer frente ao avanço da propaganda da direita. “O fruto disso tudo foi a minha especialização e pesquisa sobre dinheiro e moeda a luz do marxismo”, conta. Desde 2015, Matos se vale do canal “Saia da Matrix” onde apresenta suas análises políticas para cerca de 100 mil inscritos. Aqui, ele explica do que trata sua proposta. 

Brasil de Fato RS - Você sustenta que a moeda é um instrumento que limita a liberdade. Como acontece esse processo?

Humberto Matos - A moeda é o instrumento para ter acesso a materialidade necessária a vida, entretanto, ela não é um ente externo que não faz parte das relações de poder, que apenas resolve uma equação, que transforma dois desiguais em iguais. A moeda é o item necessário para termos acesso ao valor de uso das mercadorias em uma sociedade de trocas. Ao viabilizar o comércio ela segrega diferentes níveis de consumidores, isso significa que o acesso a moeda delimita o nível de consumo de cada um, e como em nossa sociedade somos livres de acordo com a nossa capacidade de pagar por nossa liberdade, a disponibilidade de moeda ou não é o que garante o exercício dessa liberdade.

Há, no senso comum, um entendimento que a moeda é fruto do trabalho. Como se fosse algo simples: você trabalha e tem acesso a moeda. O trabalho seria o garantidor da liberdade. Há, assim, um debate oculto neste raciocínio. Quem emite a moeda que eu posso ter acesso ou não a partir do meu trabalho? Como essa moeda é emitida? Quem a emite tem alguma vantagem nisso? E o que isso tem a ver com a dinâmica da economia? Entender tais coisas é entender os mecanismos de dominação de classe implícitos na dinâmica da moeda moderna.

Sempre existiu uma dimensão da moeda 
enquanto instrumento de dominação

BdFRS -  Você repara que Marx viveu e escreveu numa época em que a moeda era referida ao padrão ouro. Era conversível. Hoje, a moeda, o dinheiro, não se reporta mais ao ouro, é algo mais abstrato. Pode falar um pouco sobre isso?

Humberto -  Não podemos imaginar que na complexidade das coisas podemos apontar uma única determinação de suas existências. Há sim uma relação da moeda, ou do dinheiro, se preferir (uma das coisas interessantes é separar dinheiro, enquanto relação social, e moeda, enquanto meio de pagamento), com o ouro, ou melhor dizendo, com uma mercadoria eleita no mercado. Essa é a conclusão de Marx. Entretanto, sempre existiu uma dimensão da moeda enquanto instrumento de dominação do Estado. O que eu procuro demonstrar é que tais determinações não são antagônicas e que, no capitalismo do século XXI, as determinações que garantem ao Estado o maior controle sobre os meios de pagamentos são mais significativas. Isso, de modo algum, altera a lei do valor que determina que o trabalho socialmente necessário reproduz o valor social no capitalismo, e que o dinheiro é o melhor representante do capital que movimenta esse valor. O curso traz uma interpretação marxista para o capital em uma economia de moeda inconversível, quer dizer, procuro demonstrar que a teoria marxista pode compreender a dinâmica do capitalismo enquanto houver capitalismo, não importando as especificidades que essa dinâmica possa assumir. Enquanto se tratar de capital, o método de Marx para a interpretação é o melhor, isso é o que procuro demonstrar.

BdFRS -  Na sua pesquisa, o foco está no que chama de "a inseparável relação entre moeda, dívida, Estado, mercado e dominação de classe". Como se estabelece tal relação?

Moeda, Estado e propriedade 
privada resultam do mesmo processo

Humberto - O que eu demonstro no curso é que moeda, Estado e propriedade privada são resultados do mesmo processo. Todas as sociedades de classes dependem, para a sua manutenção, de mecanismos de dominação para fazer com que a minoria que constituiu poder político (que formou o Estado), possa extrair o excedente material do trabalho da maioria. É assim que o Estado, enquanto instrumento de dominação, se mantem em todas as sociedades de classes.

A moeda, que é um desdobramento posterior, nasce do mesmo processo que originou o Estado. Ela, embora também seja produto do mercado, é produto da organização de mecanismos que a classe dominante necessitou para realizar a extração do excedente material do trabalho, mecanismos estes que são essencialmente violentos, uma violência que nunca acabou, que apenas se transformou ao longo dos tempos. A moeda é também fruto desse mecanismo violento de extração do trabalho excedente, ou seja, ela continua sendo um instrumento para uma classe dominar outra.

BdFRS -   Em que medida Classe, Estado & Moeda, o seu curso, consegue oferecer instrumentos para a compreensão do capitalismo não apenas o do século 19 mas o do século 21?

Humberto - Na medida que traz um grande resumo, primeiro do método de interpretação. Toda a primeira parte consiste na apresentação do método de análise da sociedade. Depois, faço uma discussão sobre a ontologia do ser social e finalmente, um resumo histórico do estabelecimento do capitalismo. Feito isso, apresento o que é capital, valor, mais-valor, Teoria Marxista da Dependência, até chegar nas finanças públicas modernas e sua relação com a lei do valor em Marx. Isso quer dizer que o curso tem a pretensão de apresentar a todos o debate da economia política a luz da necessidade de superação do capitalismo. Neste sentido, como uma boa ferramenta introdutória, Classe, Estado & Moeda: fundamentos da estrutura de dominação, vai procurar municiar a todos que participarem, de instrumentos que permitam a sequência dos estudos no campo da economia política com viés marxista.

Serviço:  O curso custa R$ 70,00 e está dividido em cinco módulos com 15 vídeo-aulas. Inclui fórum para discussões, material didático, lives e certificados. As matrículas podem ser feitas diretamente no link do curso, onde já estão abertas as pré-inscrições: https://classeesquerda.com/cursos/19/show. Ou, ainda, podem ser acessadas através das descrições dos vídeos do autor no YouTube acessando o canal Humberto Matos, em: https://www.youtube.com/saiadamatrixhumberto.

Edição: Katia Marko