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Coluna

De todas as janelas vemos a fome e a miséria se espraiar

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O Brasil conseguiu sair, pela primeira vez do Mapa da Fome da ONU, em 2014, mas acaba de retornar ao indicador social de desigualdade - Agência Brasil/ Arquivo
É necessário haver reações concretas a essa situação de genocídio do governo contra o povo

Temos assistido pelas janelas virtuais de nossos smartphones, computadores e televisores a escalada autoritária e neofascista do atual governo brasileiro, que disfarçado do discurso anticorrupção e antipolítica, tem contribuído para a destruição das garantias constitucionais e o desmonte das políticas públicas. Mas é pelas janelas da vida vivida que vemos, ouvimos e sentimos nas ruas, nos sinais de trânsito e nas portas de supermercado, a multiplicação de pessoas pedindo comida.

Uma volta ao passado. O Brasil conseguiu sair, pela primeira vez do Mapa da Fome da ONU, em 2014, como resultado da implementação das políticas de proteção social desenvolvidas pelos governos do PT, Lula e Dilma. Medidas como a política de valorização do Salário Mínimo, o Bolsa Família, o Programa de Aquisição de Alimento (PAA), a reformulação no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), Programa de Cisternas para o Semiárido, Plano Safra de valorização e investimento na agricultura familiar, as políticas de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) e de Agroecologia e Produção Orgânica. Enfim, está em curso o desmonte do conjunto de políticas de combate à fome e a miséria, cuja eficácia se deu em grande medida graças ao assertivo arranjo de participação social e a articulação com os movimentos e organizações sociais.

Muitas dessas políticas deram início a um processo virtuoso de promoção da agricultura familiar de base sustentável e de promoção da segurança alimentar e nutricional entre os segmentos mais pobres de nosso país. Várias dessas políticas foram classificadas de ações populistas dos governos petistas, em distintos momentos, pelos neoliberais, pelas grandes empresas de comunicação e mídia e pelos atuais representantes da extrema direita no país. Mas, o fato é que elas fizeram a “roda girar” e milhares de pessoas saíram da pobreza e da extrema pobreza e, consequentemente, alcançaram níveis nunca antes vistos de capacidade de compra. Digo, de compra de alimentos.

O que enxergamos com nitidez das janelas, virtuais ou físicas, é a fome e a miséria se espraiar por nosso país como o fogo que há meses queima a Amazônia, o Cerrado e o Pantanal. A miséria se mostra quando a dignidade humana chega ao fundo, quando apenas restam as cinzas da alma. Os cortes nos recursos das políticas e a desestruturação dos seus instrumentos de implementação seguem a passos largos e nosso grito “Nenhum Direito a Menos!” já silencia janela adentro. Os programas PAA e Cisternas, tiveram em 2019 e 2020 os menores orçamentos desde 2003, R$ 41 mi e R$ 52 mi, respectivamente.

A inoperância e a cegueira ideológica tornam mais grave ainda essa situação, pois até setembro de 2020, pouquíssimo ou quase nada dos recursos orçados foram investidos. São mais de 1,6 milhão de processos previdenciários a espera de análise. Mais de 1,5 milhão de famílias a espera para entrar no programa Bolsa Família. Milhares de famílias agricultoras e camponesas ficaram sem ATER, sobretudo no Nordeste onde se concentram aproximadamente 50% dos estabelecimentos do setor.

Fomos submetidos por séculos à condição de miseráveis. Condição que escravizou o povo por igual período em troca de um prato de comida ou de uma cesta básica. Em agosto de 2018, a Caravana do Semiárido contra a Fome, organizada pela ASA e MST, percorreram dezenas de cidades em quatro regiões do país denunciando a volta da fome. Encontros, caminhadas, panfletagens, círculos de debates, audiência pública na Câmara dos Deputados foram algumas das formas de denunciar. Documento entregue nos gabinetes dos 11 ministros do STF apresentando argumentos e denunciando a situação já visível, nunca teve retorno.

É necessário haver reações concretas a essa situação de genocídio do governo contra o povo brasileiro, contra os mais pobres e miseráveis. É preciso reagir, pois das janelas do legislativo e do judiciário, se vê apenas o céu de Brasília, onde miseráveis almas humanas se vestem de azul.

Edição: Vanessa Gonzaga