Pernambuco

Eleições 2020

Candidaturas LGBTs buscam vaga inédita na Câmara do Recife

Capital nunca elegeu um candidato ou candidata assumidamente LGBT; Nacionalmente, presença LGBT é escassa no legislativo

Brasil de Fato | Recife (PE) |

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Estima-se que 10% da população brasileira seja LGB, enquanto 2% seja T; apesar disso, o espaço que essas populações ocupam na política institucional é quase nulo; - Brasil de Fato Pernambuco

Apesar da presença expressiva dos LGBTs na sociedade, a representatividade e a agenda política da luta de diversidade sexual e de gênero é bastante recente. A primeira pessoa assumidamente LGBT a integrar o Congresso Nacional foi Clodovil Hernandes, eleito deputado federal em 2006. Apesar de gay, sua atuação política foi conservadora, contrário ao direito de pessoas do mesmo sexo se casarem, contra as “paradas da diversidade”, além de ser acusado de racismo.

Em 2010 foi a vez de Jean Wyllys (PSOL) ser eleito, assumindo uma posição de aliado dos movimentos LGBTs. Wyllys ainda foi reeleito em 2014 e 2018, mas decidiu não assumir o terceiro mandato e se autoexilou, já que estava sofrendo ameaças contra sua vida por parte de bolsonaristas, meses após o assassinato de sua companheira de partido e também LGBT Marielle Franco, na mesma cidade em que Wyllys residia. Quem assumiu seu lugar como deputado federal foi o também homem gay David Miranda (PSOL).

Uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) em 2009 apontou que 10,4% dos homens consideravam-se gays (7,8%) ou bissexuais (2,6%); enquanto entre as mulheres 6,3% consideravam-se lésbicas (4,9%) ou bissexuais (1,4%). Estudiosos também apontam que, devido ao preconceito na sociedade, muitas pessoas lésbicas, gays e bissexuais (LGBs) negam sua sexualidade mesmo em pesquisas, de modo que o número real desta população pode ser maior que o identificado nas pesquisas.

Já sobre a população de trans e travestis no Brasil os dados demográficos são ainda mais escassos. Estima-se que 1,9% da população brasileira seja transgênero ou travestis, o que supera os 4 milhões de brasileiros e brasileiras. A exclusão se reflete no acesso a universidade, já que apenas 0,2% dos estudantes que acessam o ensino superior público são trans. 

Esta população é reconhecidamente a mais violentada entre as quatro letras, a ponto de a expectativa de vida média de uma pessoa trans no Brasil ser de apenas 35 anos, menos da metade da expectativa média do brasileiro (76,3 anos). Em 2018 o país registrou 163 casos de assassinato de pessoas trans e travestis. Em 2019 foram 124 novos assassinatos. Um dos reflexos das violências históricas é a ausência de representantes públicos assumidamente gays, lésbicas, bissexuais ou transexuais.

Em Pernambuco, apesar de alguns parlamentares abraçarem publicamente as lutas LGBT e defenderem as pautas nas casas legislativas, até 2018 nunca foram eleitos deputados federais ou estaduais assumidamente LGBTs. A mesma situação se repete entre vereadores na Câmara Municipal do Recife. Na eleição de 2016, entre milhares de candidaturas a prefeitos e vereadores, apenas duas candidatas eram trans, uma em Garanhuns e outra em Palmares, segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra).

Na disputa de 2018 foram três candidaturas trans em Pernambuco, com uma delas sendo eleita deputada estadual: a advogada Robeyoncé Lima integra o mandato coletivo Juntas (PSOL). Por outro lado, tanto o Recife como o estado têm visto um crescimento dos políticos fundamentalistas religiosos, opositores declarados das lutas da população LGBT.
Conheça candidaturas LGBTs à Câmara de vereadores do Recife:

Laleska (PCdoB)


Laleska tem como prioridades as pautas da educação, esporte, cultura, direitos das mulheres e população LGBT; / Pedro Caldas

Filha de trabalhadores do comércio informal, Laleska Ferreira é “nascida e criada” no Alto Santa Terezinha, zona norte do Recife, mas hoje mora em Santo Amaro e cursa Educação Física na UPE. Ela diz que as desigualdades sempre a incomodaram e despertou para a política ainda na escola: as ações de caridade das quais participava eram insuficientes para solucionar as desigualdades causadas pelo capitalismo. “Para ajudar posso fazer caridade, mas para transformar preciso fazer política”. Foi presidente de grêmio estudantil da escola Sizenando Silveira e, na universidade, presidiu o diretório acadêmico do seu curso e integrou o Diretório Central de Estudantes da UPE durante as mobilizações de 2016 – contra o golpe que derrubou Dilma Rousseff; e as ocupações contra a Emenda 95. Passou a integrar a União da Juventude Socialista e do Partido Comunista do Brasil (PCdoB).

Coloca como desafio “tornar a Câmara do Recife mais próxima ao povo” e tornar a cidade um lugar melhor para as mulheres e LGBTs. “Não é possível construir uma cidade mais humana, justa e democrática se não conseguimos respeitar a sexualidade das pessoas”, diz ela, que é lésbica. Ela considera que a educação municipal ainda precisa de avanços estruturais, valorização dos educadores e melhorias no plano político-pedagógico para contemplar temas relevantes para a sociedade. Laleska também destaca a defesa do esporte e cultura e maior atuação do poder municipal nas políticas de saúde mental.

Matheus Araújo (PT)


Matheus defende trabalho digno para a população LGBT, ampliação dos espaços da população negra, defesa da cultura e participação popular. / Divulgação

Nascido no bairro da Tamarineira, o jovem de 19 anos Matheus Araújo conta ter percebido desde muito cedo as desigualdades sociais no seu bairro e na cidade. Em 2018, aos 17 anos de idade, votou pela primeira vez. E já em sua segunda eleição, este ano, quis participar como candidato a vereador do Recife. Estudante de Ciências Sociais na UPE, o jovem, negro e LGBT se propõe a representar esses grupos sociais aos quais pertence e que são minorias nos espaços de tomada de decisão. Suas propostas prioritárias são de ampliação da participação popular, com destaque para o maior diálogo do poder público com a população negra e suas manifestações culturais; e defesa dos direitos da população LGBT, especialmente o direito ao trabalho digno.

Gutemberg Cavalcanti (PSOL)


Gutemberg pretende dar atenção à educação, ciência e tecnologia como ferramentas de inclusão. / Divulgação

Filho de uma comerciante informal que trabalha no Parque 13 de Maio, Gutemberg Cavalcanti morou em Dois Unidos, Beberibe, Bongi e atualmente vive na Boa Vista. Graduado em Matemática e mestre em educação tecnológica, é professor da rede pública municipal do Recife há 26 anos, sendo 18 destes na área de tecnologia. Ele também foi professor voluntário para pessoas cegas durante 4 anos, contribuindo ainda como tradutor de livros para braile. Ele diz ter começado a se enxergar como militante ainda como estudante do magistério na escola estadual Sylvio Rabelo, na adolescência, durante a campanha pela saída de Fernando Collor da presidência em 1992.

Como professor concursado, sempre buscou acompanhar o sindicato de sua categoria. Homem gay e pai de LGBT, enxerga a educação como meio de transformar a realidade de violência e discriminação na vida da comunidade LGBT. As políticas públicas de educação aparecem como pauta principal de Gutemberg, que critica a descontinuidade de ações na área, aponta “inexistência de política pública voltada para a Educação de Jovens e Adultos” e defende uma educação que crie oportunidades para todos e busque incluir, independentemente da idade, condição social ou física, orientação sexual, gênero ou cor.

Edição: Vanessa Gonzaga