Rio Grande do Sul

Eleições 2020

Disputa à prefeitura de Novo Hamburgo traz candidatos que defendem uso da cloroquina

Apoiador de Bolsonaro, um dos candidatos defende "efeito manada" e é contra medidas de isolamento social

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Candidato à prefeitura de NH é contra medidas de isolamento e é ferrenho defensor do presidente - Reprodução do Youtube

Candidato à prefeitura de Novo Hamburgo pelo Republicanos, o delegado Rodrigo Zucco se apresenta como apoiador dos valores defendidos pelo presidente Jair Bolsonaro: crítica às medidas de isolamento social e apoio à utilização de tratamentos médicos comprovadamente ineficazes e prejudiciais. Sua posição ignora o fato da rede de estabelecimentos que atendem pelo Sistema Único de Saúde (SUS) na cidade onde concorre ter atendido mais de 10 mil casos suspeitos de infecção pelo novo coronavírus, registrando, até o momento, o sexto maior número de casos confirmados no estado.

Durante os meses de junho, julho e agosto, mais de 100 pessoas em Novo Hamburgo foram encaminhadas para a internação, a partir do Centro de Triagem covid-19 instalado no município. Alcançou o pico de 215 internações em julho, das quais 33 necessitaram do atendimento em Unidade de Tratamento Intensivo. Somados os casos que já estavam internados, este número perigosamente chegou perto do limite da capacidade de atendimento município, obrigando a prefeitura aumentar a quantidade de leitos disponibilizados para o tratamento de síndromes respiratórias graves.

Confrontada com a realidade, a prefeita Fatima Daudt (PSDB) defendeu as medidas de isolamento social e pediu ajuda para a população, alertando que as medidas tomadas pela prefeitura não seriam suficientes se a propagação do vírus continuasse acelerando. Chegou a afirmar que parece haver no município pessoas que "vivem em outro mundo", por negar a realidade e a própria existência do vírus.

A prefeita também defendeu que os médicos da cidade possam ter a autonomia de receitar medicamentos que ainda não tenham a eficácia comprovada, como o caso da hidroxicloroquina. Contraditoriamente, a defesa desta medida coloca a candidata à reeleição em alinhamento com Zucco.

Chapa na cidade reproduz candidatura presidencial

O delegado Rodrigo Zucco foi filiado ao PSL, abandonando a legenda quando da saída do presidente. Participou da tentativa, até agora, frustrada de fundar um novo partido. Como resultado deste insucesso, encontrou no Republicanos a legenda para concorrer às eleições municipais. Ele é irmão do deputado estadual tenente-coronel Zucco, coordenando sua campanha, vitoriosa, em 2018. Além da atuação política, ambos os irmãos minimizaram os efeitos da pandemia, colocando a culpa da crise econômica nas medidas de isolamento e não na própria disseminação da doença.

A chapa terá como vice um membro do partido do vice-presidente, general Hamilton Mourão, repetindo a aliança vitoriosa nas últimas eleições presidenciais. O parceiro de candidatura do delegado será o pastor Juliano (PRTB). Apesar de seu nome ser Juliano Silva da Silva, ele se apresenta como pastor Juliano Souto, tendo problemas com a justiça eleitoral por causa disso. Segundo decisão do juiz da 172ª Zona Eleitoral, Ricardo Carneiro Duarte, sua candidatura está indeferida, cabendo ainda recurso.

Outro fato interessante do vice desta chapa é que, aparentemente, ele mudou de opinião sobre candidatos se utilizarem da fé para angariar votos. Em 2016, o pastor teve uma certa repercussão nacional ao pendurar uma faixa na entrada da igreja a qual fazia parte, pedindo que candidatos não visitassem o templo durante a campanha.


Há 4 anos atrás, Juliano pedia que candidatos não visitassem o templo onde era pastor / Reprodução arquivo pessoal

Candidato nega a realidade

Para o delegado, assim como o presidente, a culpa da diminuição das atividades econômicas é das medidas de isolamento, e não da própria doença que põe em risco a vida das pessoas. O argumento desta linha de raciocínio é de que seria possível manter as atividades econômicas com "medidas preventivas" e com distribuição de remédios. Esse argumento simplesmente ignora que certas medidas de prevenção como o distanciamento entre pessoas e higiene constante são simplesmente impossíveis em grande variedade de atividades, como comércio, educação, e frigoríficos.

Porém, em live realizadas nas suas redes sociais, Zucco reclama que os governantes "não se prepararam, não fizeram nada". O delegado parece querer se aliar ao discurso de que, com pequenas quantidades de ajustes, seria possível não alterar em nada a rotina durante a pandemia.

Nesta mesma live, Zucco conversou com o jornalista Políbio Braga, que desafiou os gestores públicos a tomarem a decisão de permitir o suposto "efeito de rebanho", ou "efeito manada": a ideia de superar a pandemia através da omissão, ou seja, permitir que o vírus se espalhe, o que poderia mais rapidamente gerar a imunidade da maior parte da população.

A ideia ganhou adeptos no mundo todo e precisou ser rebatida pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Através do diretor executivo do Programa de Emergências, Michael Ryan, a OMS declarou que "este é um cálculo muito perigoso", pois muitas pessoas morrerão neste processo, na impossibilidade de oferecer atendimento médico para tantas pessoas ao mesmo tempo. Ryan comentou ainda que humanos não são um rebanho.

Defesa de medicamento comprovadamente ineficaz

Zucco também defendeu o uso da cloroquina. A lógica é a mesma: se existe um medicamento capaz de combater a doença, então não haveria motivos para a paralisação das atividades. Seria um raciocínio correto, não fosse o fato da OMS já ter encerrado as pesquisas com esse medicamento, após evidências de que ele não traz benefícios, bem como pode ainda piorar determinados casos. Não houve, até agora, nenhum estudo que comprovasse a eficiência desta substância no tratamento da covid-19.

Em abril, o Conselho Federal de Medicina divulgou parecer reforçando que "não existem estudos clínicos de boa qualidade" que comprovem  a eficácia da cloroquina contra a covid-19, tanto para prevenção quanto para tratamento. No entanto, em função do período excepcional da pandemia, permitiu que ele fosse indicado por médicos, sob determinadas condições. Segundo o médico de família Aristóteles Cardona, da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares (RNMP), estas condicionantes já fazem parte do cotidiano dos atendimentos e não afastam os riscos envolvidos no uso de uma substância sem eficácia comprovada.

Ainda segundo a RNMP, e pela Associação Brasileira de Médicas e Médicos pela Democracia (ABMMD), um médico receitar este medicamento para um paciente fere, pelo menos, três princípios éticos: por ser uma informação falsa (promessa de tratamento que ainda não tem eficácia); por ser a recomendação de um tratamento ainda não reconhecido; e por fazer essa recomendação segundo interesses políticos.

Tanto para Novo Hamburgo, quanto para o mundo todo, conforme a comunidade científica internacional e a OMS, o único caminho possível continua sendo as medidas de isolamento social, com o estado garantindo saúde e renda mínima para aqueles que não têm recursos para ter a correta alimentação e assistência médica.

Edição: Marcelo Ferreira