Rio Grande do Sul

MEMÓRIA

Vladimir Herzog: o jornalista que se tornou símbolo da luta pela democracia

Neste 25 de outubro, completou 45 anos do assassinato do jornalista pela ditadura militar

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Em 1978, em consequência de processo aberto pela família Herzog, o Estado brasileiro foi condenado como responsável pela prisão, tortura e morte do jornalista
Em 1978, em consequência de processo aberto pela família Herzog, o Estado brasileiro foi condenado como responsável pela prisão, tortura e morte do jornalista - EBC

Herzog trabalhou no período da ditadura militar no Brasil, que perdurou entre os anos de 1964 a 1985. Vlado, como era conhecido, foi assassinado após ter se apresentado, de forma voluntária, a depor no Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) no ano de 1975. Neste domingo (25), completou 45 anos da sua morte e o Instituto Vladimir Herzog se prontificou a dar uma entrevista para falar um pouco da vida deste grandioso profissional da mídia. Com prestígio a nível global, o jornalista havia trabalhado em vários veículos de mídia nacionais, como o Estado de S. Paulo, e internacionais, como a BBC de Londres.

“Vladimir Herzog segue vivo e presente em todas as ações do Instituto, que foi criado para manter viva sua memória e para honrar o legado e os valores que ele defendeu em vida”, comenta Rogério Sottili, diretor executivo do Instituto. Segundo ele, falar do Vlado é falar também sobre o Brasil do presente, pois, ao retomar a violência cometida no passado, as brutalidades do tempo atual também ficam mais fáceis de serem identificadas. “Ainda convivemos com a violência do Estado, com as violações de direitos humanos, com ataques contra a nossa democracia, com a perseguição aos movimentos sociais, à cultura, aos jornalistas, a toda forma de liberdade de expressão”, complementa Sottili.

O diretor comenta que é justamente pelo fato dos cidadãos brasileiros não terem conseguido lidar com o passado autoritário que violências parecidas são praticadas hoje, por um governo fascista. “Nosso compromisso ao trazer à tona a lembrança da morte de Vlado é o de lembrar o passado para não repeti-lo”.

Segundo o Instituto, criado em 2009 pela família, amigos de Vlado e ex-colegas do jornalista, “em 1978, em consequência de processo aberto pela família Herzog, o Estado brasileiro foi condenado por sentença judicial como responsável pela prisão, tortura e morte do jornalista.” O principal objetivo da criação do Instituto foi de lutar por valores que defendam a “democracia, os direitos humanos e a liberdade de expressão”.

O ano de 1975

No ano de sua morte, Vladimir Herzog ocupava um cargo de grande relevância na TV Cultura. Sotilli pontua: “Vlado trabalhou em grandes veículos da imprensa, como o jornal O Estado de São Paulo, a BBC de Londres, a Revista Visão”. O Instituto lembra que houve muita comoção na época, principalmente entre os profissionais da área, que buscavam desmentir a farsa ideia de suicídio criada pelos militares.

Sotilli ainda enfatiza: “Quero destacar especialmente a atuação corajosa do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, com a participação de Audálio Dantas, Juca Kfouri, Fernando Pacheco Jordão, que lutaram muito para que a versão do suicídio forjada pelos militares não prevalecesse”.

Contudo, para o diretor do Instituto, a principal responsável por desmentir a versão do atentado contra a própria vida foi Clarice Herzog, que há mais de quatro décadas luta por “justiça e pela responsabilização do Estado brasileiro pela tortura e assassinato de seu marido”.

“Início do fim da ditadura”

No dia 31 de outubro de 1975, seis dias após o ocorrido, um ato ecumênico foi realizado na Catedral da Sé, no centro de São Paulo. Sotilli pontua: “Em plena ditadura militar, milhares de cidadãos se reuniram, entre 8 e 10 mil pessoas, para prestar suas homenagens ao Vlado e protestar pacificamente contra o regime. Foi o primeiro ato público dessa envergadura, com esse tamanho, a confrontar a ditadura militar. ” [...] por isso, nós costumamos dizer que este ato inaugurou o início do fim da ditadura”.

A visão de outro jornalista

O jornalista e professor Cid de Queiroz Benjamin não conheceu Vlado, porém sabe que todos os que conviveram com ele tem muito respeito e dão muito valor ao profissional que Vladimir Herzog foi. “Com seu assassinato ele se tornou um símbolo da resistência contra a ditadura”, afirma.

Benjamin comenta que tem orgulho de ter integrado uma geração que lutou de verdade por mudanças sociais. Ele, que fez parte do Movimento Revolucionário 8 de outubro (MR8), fala que a generosidade e desprendimento entraram para a história.

O jornalista conclui: “A ditadura cometeu crimes contra o povo. Os jornalistas foram vítimas não só da censura e da repressão a seu trabalho profissional, mas muitos deles conheceram também a prisão, a tortura e a morte”.

Relação História x Jornalismo

O historiador Leonardo Botega considera que tanto o jornalismo quanto a história pertencem a um campo importante do conhecimento humano: “as humanidades”. Indagado sobre a relação entre os dois campos de conhecimento, Botega afirmou que o jornalismo pode se tornar “limitado pelas forças do jogo do poder, político e econômico, sobretudo, pelas suas relações comerciais”. Já o outro campo, sob o olhar do historiador, não tem o direito da “ocultação das fontes”, mas se torna menos sujeita ao caráter comercial, de publicidade. “Me parece que as pressões do mercado e da aceleração do tempo informacional têm sido muito mais perversa com o jornalismo do que com a História”, avalia.

Para Botega, Herzog representa um caráter fortificador no processo de oposição à ditadura civil-militar. “O assassinato de Vlado ocorre em um momento onde a população começava a dar sinais de que a ditadura não era tão popular como as propagandas oficiais tentavam demonstrar”.

Segundo ele, que nasceu dois anos após a morte de Herzog, não vivenciou o período, em suas palavras, “mais duro” da ditadura. Por morarem em São Borja, em 1976, seus pais participaram do enterro de João Goulart, em um ato de apreço ao ex-presidente. “onde os gritos de Anistia marcaram fortemente os Ritos Fúnebres”. Botega também comenta que tinha seis anos quando houve os movimentos pelas Diretas Já e que se recorda da grande mobilização e alegria das pessoas na eleição, mesmo que indireta, de Tancredo Neves, assim como da comoção popular que marcou o enterro do mesmo.

Botega conclui: “minha memória de “não-historiador” é do tempo da Redemocratização, tempos de muita esperança, onde defender a ditadura era defender uma aberração. Basta ver o desempenho medíocre que os candidatos ligados ao governo ditatorial tiveram em 1989”.


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Edição: Marcelo Ferreira