Pernambuco

Eleições 2020

PCdoB: "A frente ampla é a saída, é o caminho e não há outro"

Marcelino Granja vê divisão na esquerda aumentar desde 2014: “desde então só acumulamos derrotas”

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Granja é engenheiro civil e analista da Receita Federal concursado; foi secretário da Fazenda e de Governo em Olinda e secretário estadual de Ciência e Tecnologia e de Cultura; - Divulgação PCdoB

O terceiro entrevistado da série do Brasil de Fato com os dirigentes estaduais dos partidos de esquerda é Marcelino Granja, presidente do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) em Pernambuco. Engenheiro civil e analista da Receita Federal, o comunista é filiado ao partido desde 1980, ocupou duas secretarias em Olinda (da Fazenda e de Governo) durante as gestões de Luciana Santos (PCdoB), foi secretário estadual de Ciência e Tecnologia (2011-2014) e de Cultura (2015-2018), respectivamente nas gestões Eduardo Campos (PSB) e Paulo Câmara (PSB).

Na conversa com o Brasil de Fato, Marcelino Granja fala principalmente da centralidade que o PCdoB coloca na construção de uma frente ampla que envolva não só as forças de esquerda, mas também partidos de centro e centro-direita, com a tarefa prioritária e urgente de derrotar Bolsonaro – apontado por ele como um líder fascista que pretende instalar um estado policialesco de restrições democráticas no país. O dirigente também é duro nas críticas aos demais partidos da esquerda, que na sua visão deram, desde 2014, cada um sua contribuição para o cenário atual de desagregação da esquerda. E lamenta que a pauta da frente ampla ainda não seja vista como uma necessidade pelas demais forças.

Marcelino critica a tática eleitoral da esquerda na disputa presidencial de 2018 e considera as eleições deste ano como muito importantes para os rumos do país, mas acredita que em Pernambuco as forças populares conseguirão avançar. Granja acredita que o PCdoB conquistará prefeituras (atualmente não possui) e deve eleger um número de vereadores inferior ao das eleições de 2016, mas vislumbra fortalecimento institucional do partido. Confira a íntegra da entrevista.

Brasil de Fato: Qual a importância da eleição municipal deste ano, diante do avanço da extrema-direita? Existe risco de enraizamento do bolsonarismo em Pernambuco?

Marcelino Granja: Uma eleição que ocorre sob uma crise sanitária e um governo que tem como objetivo romper a ordem constitucional de 1988. Mas também existem aspectos locais, as especificidades de cada município, seus dilemas e dramas. E o PCdoB precisa ter uma tática eleitoral que consiga responder a todas essas questões, que atue para desmascarar e combater Bolsonaro, derrotar o bolsonarismo; e por outro lado atenuar o sofrimento trazido pela pandemia da covid-19, responder na questão sanitária, econômica, política, social e cultural.

Mas claro que precisamos enfrentar as questões da cidade, as questões urbanas, que é onde se concentra a grande maioria da população brasileira e o PCdoB tem debatido muito essas questões nacionalmente. Nessa pauta temos um triplo desafio. O primeiro é humanizar as cidades, que envolve dar respostas concretas para o saneamento, iluminação, calçada, praças, parques, transporte, educação, saúde etc. O segundo desafio é econômico, do emprego e trabalho, dar às cidades uma dinâmica econômica favorável à inclusão e à igualdade social. O terceiro desafio urbano brasileiro é a questão democrática, que costuma acontecer quando a cidade é mais humanizada, mas não é algo automático. Precisamos incorporar a população no fazer administrativo.

Isso tudo precisa estar sob uma tática geral que, do ponto de vista do PCdoB, é decisivo para a esquerda sair bem desta eleição para a construção da frente ampla. A união mais ampla possível das forças políticas do povo brasileiro, expandindo a articulação da esquerda para o centro, para isolar e enfraquecer Bolsonaro e o bolsonarismo e, assim, criar condições para o mais rápido possível retomar a ofensiva política contra a extrema-direita e as forças que hoje comandam o país.

BdF: Criou-se uma expectativa para a unificação das esquerdas nesta eleição, algo que não se consolidou nas principais cidades do país. O cenário do Recife, onde há duas candidaturas de esquerda competitivas, é incomum, já que na maioria dos casos a divisão da esquerda significou o enfraquecimento. Qual a dificuldade para essa unidade?

M. G.: Nós do PCdoB não tratamos essa dificuldade como natural e muito menos estamos satisfeitos. Nós lamentamos demais que a esquerda não esteja unida na tática. Qual é o centro da tática? É derrotar Bolsonaro? Então qual é a questão fundamental para derrotar Bolsonaro? É a esquerda estar unida em torno de uma mesma tática, que para nós é a construção dessa frente ampla. Mas essa proposta de a esquerda se unir com as forças de centro e centro-direita para isolar as forças neofascistas do bolsonarismo, essa tática não ganhou o coração das outras forças de esquerda. Isso vem desde o processo de desgaste da presidenta Dilma [Rousseff].

Desde a reeleição da presidenta Dilma as forças de esquerda já se apresentaram divididas, mas divisões menos importantes. O PSOL mesmo nunca apoiou o PCdoB, PT ou PSB, estes sim estiveram muito juntos desde 1989. A dificuldade fica maior quando se dividem PT, PSB, PDT e PCdoB – mesmo o PCdoB não sendo um partido grande, temos uma respeitabilidade grande nesse tipo de entendimento, nessa política de unidade. O PT só ganhou as eleições quando fez uma frente ampla, que era uma proposta do PCdoB desde 1989. Quando o PT conseguiu fazer, ganhamos quatro eleições. Mas na última eleição de Dilma essas divisões começaram a ficar mais evidentes, um distanciamento do PDT e do PSB. E com o impeachment de Dilma houve uma fragmentação maior. E desde então acumulamos essas três derrotas estratégicas: o impeachment, a prisão de Lula e a derrota eleitoral e política para Bolsonaro em 2018.

Essa bandeira da frente ampla, que garantiu o ciclo virtuoso anterior, ela perdeu-se e a razão disso, na nossa opinião, é que não há ainda um nível de consciência sobre a gravidade do problema. Lá atrás quando teve início a crise do governo Dilma, mesmo setores do PT não tinham plena consciência de que enfraquecimento de Dilma era perigoso para a democracia e para os rumos do país. As forças de centro e centro-esquerda foram se afastando. Quando perdemos o centro todo, veio o impeachment. Muitas forças do nosso campo só perceberam que o impeachment foi extremamente maléfico depois de estar feito.

Na eleição de 2018 poderíamos ter evitado a derrota para Bolsonaro. Não poderíamos ter tido aquela tática, aquela proposta insistente do presidente Lula (PT) ser candidato de todo jeito, deixando a saída para o último minuto. E mesmo depois da posse de Bolsonaro, um governo que pode levar o Brasil ao fascismo – algo que nós do PCdoB não temos dúvidas que ele quer mudar o regime de 1988 e implantar o regime policialesco e autoritário proporcional à força que ele tiver, uma ditadura ou um regime policial –, mesmo nesse governo, o perigo não é completamente absorvido por todas as forças de esquerda. No discurso até fala, mas na hora de estarmos unidos para derrotar Bolsonaro, não acontece. A contenção de Bolsonaro no Nordeste se deu justamente porque a esquerda e a centro-esquerda conseguiram formar frentes amplas. O PT tem quatro estados, o PSB dois, o PCdoB 1, todos em frentes amplíssimas. A frente ampla é a saída, é o caminho e não há outro.

A eleição municipal não é a última eleição do mundo. Tem uma política natural de dispersão. Mas não deveríamos deixar isso acontecer nas grandes cidades. Conseguimos unir razoavelmente no Rio de Janeiro (RJ), no Recife parcialmente, em Porto Alegre (RS). Mas é uma unidade ainda precária por conta dessa dificuldade de entender a necessidade da frente ampla com o centro e a centro-direita para isolar o bolsonarismo.

BdF: Aqui em Pernambuco, quais os partidos tanto da esquerda como do centro que o PCdoB conseguiu construir mais alianças eleitorais?

M. G.: Não houve uma grande mudança no perfil. Aqui no estado o PCdoB compõe a Frente Popular há muitos anos. Observemos que a Prefeitura do Recife está sob comando da esquerda desde 2000. O Governo do Estado desde 2006. É um ciclo muito longo e foi exatamente essa frente ampla – tendo como núcleo o PT, PCdoB, PSB e PDT – que envolve o PP, Avante, SD, PSD, partidos que são mais de centro, mas que aqui em Pernambuco formam aliança com a Frente Popular.

BdF: Esses partidos mencionados são liderados por deputados federais pernambucanos que no plano nacional são alinhados a Bolsonaro, são base de apoio. Isso não incomoda o PCdoB?

M. G.: Não causa incômodo porque o processo de acumulação de forças não se dá numa única direção. Em Olinda temos o PP no nosso palanque [de João Paulo, PCdoB], no Recife temos [João Campos, PSB] um amplo leque de forças de centro que fazem parte dos arranjos de governabilidade [de Bolsonaro] no Congresso Nacional. Claro que nós do PCdoB não gostamos e nem concordamos que esses partidos que são aliados nossos aqui, estejam lá [em Brasília] fazendo política com Bolsonaro. Mas se o candidato de Bolsonaro não ganha as eleições no Recife, em Olinda, em Fortaleza, em Salvador... se a gente ganha essas cidades junto com essas forças, isso se reflete também lá, cria dificuldades para Bolsonaro. Não tem nenhuma novidade no comportamento desses partidos de centro e centro-direita, que são assim mesmo, têm uma posição pendular. Nós é que precisamos ter competência política e não ter preconceito, para saber lidar com essa realidade.

O Brasil é um país muito diverso. Apesar de ser concentrado economicamente, a formação política nessa grande federação é plural. Partidos de caráter nacional são poucos: PCdoB, PT e olhe lá, com as subdivisões. Bolsonaro quis criar um partido nacional, fascista, e não conseguiu, uma vitória importante para nós. Aí ele precisa fazer política com esses partidos de centro no Congresso Nacional, mas isso não se repercute necessariamente nas eleições municipais. Vamos fazer o quê? Dar essa base para Bolsonaro? As argumentações para isso são frágeis e no fundo só nos enfraquecem.

BdF: O PCdoB atualmente não tem prefeituras em Pernambuco. Mas este ano estão disputando quantas eleições majoritárias no estado? A expectativa do PCdoB é ampliar as bancadas de vereadores ou reduzir danos, conseguir manter os espaços que já possui?

M. G.: Temos 15 candidatos a prefeito e 9 candidatos a vice. Temos a expectativa positiva de que vamos conquistar algumas dessas prefeituras, das 15 que estamos na cabeça da chapa. Com certeza teremos algumas vitórias expressivas. Para vereadores é um pouco mais complexo. Na eleição passada elegemos 72 vereadores, mas foi em coligação, o que tornou mais fácil. Agora vamos ter muito mais votos, porque teremos chapas de vereadores em 51 municípios pernambucanos, mas o desafio de eleger em chapa própria é maior. Dos 72 que elegemos, perdemos muitos que migraram para outros partidos, hoje temos pouco mais de 40. Acho que elegeremos entre 40 e 50 vereadores, numa situação política de mais dificuldade, mas teremos um partido mais forte em torno dos mandatos de vereadores, então há um ganho político, mesmo com uma bancada menor. No Recife temos um vereador apenas, mas a expectativa é eleger dois ou três. O nosso projeto eleitoral deste ano é muito maior que em 2016. É um projeto de avanço, não de recuo ou manutenção.

BdF: O que você coloca como principal desafio do conjunto de forças da esquerda em Pernambuco e também do PCdoB para o próximo ciclo?

M. G.: O nosso desafio partidário tem a ver com o desafio maior, que é manter Pernambuco como um estado que seja base importante das forças progressistas e democráticas contra os retrocessos que o Brasil vive desde o impeachment de Dilma. Precisamos de um resultado positivo no estado, mantendo a capital com a esquerda, que conquistemos Olinda, que ampliemos as forças da Frente Popular, mesmo estando dividida numa ou noutra cidade, mas que no conjunto consigamos ampliar. Com isso Pernambuco vai contribuir com o esforço nacional de derrotar Bolsonaro em 2022, mas essa derrota começa já este ano.

O desafio imediato do PCdoB é vencermos essa batalha de ideias dentro das forças de esquerda e democráticas, de ser entendida essa necessidade da frente ampla. Se a esquerda conseguir no próximo período definir uma tática comum, como conseguimos no fim do regime militar – houve setores da esquerda que foram contra o colégio eleitoral, mas a maioria se uniu e derrotamos o regime militar. Em seguida conseguimos a Constituinte. A nossa expectativa é ter o PCdoB forte o suficiente para que a nossa proposta de unidade em torno da democracia e contra o bolsonarismo fique mais forte. É uma relação dialética: o PCdoB tendo expressivos resultados eleitorais, teremos mais voz nesse debate sobre o movimento comum. Isoladamente o PCdoB e nenhuma força de esquerda será vitoriosa. É preciso ter um ambiente favorável, que por sua vez só é conquistado pelo esforço coletivo, numa tática que nos una.

Edição: Vanessa Gonzaga