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Precarização na advocacia: “doutores” não estão longe dos trabalhadores de aplicativo

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Advogados envolvem-se em relações de trabalho sob condições frequentemente mais precárias que muitos trabalhadores - Marcelo Camargo / Agência Brasil
A proletarização e precarização do trabalho no meio jurídico e advocatício

Duas recentes decisões do Tribunal Superior do Trabalho (TST) chamam atenção para uma antiga realidade, já há tempos de conhecimento do judiciário trabalhista, mas ainda pouco combatida: a proletarização e precarização do trabalho no meio jurídico e advocatício. No bojo do processo de ampliação do trabalho na indústria de serviços, vem se formando e complexificando um mercado de trabalho na advocacia nos últimos 20 anos, entretanto raramente sendo garantido os direitos trabalhistas mais básicos aos advogados-trabalhadores e lançando-se sobre eles um manto de ainda serem profissionais liberais. 

Sob a ilusão de serem seus próprios chefes, ou “capitalistas de si mesmo”, ainda que trabalhando para um escritório de advocacia, verdadeiras grandes empresas de prestação de serviços jurídicos a bancos, seguradoras, empresas do ramo industrial e do comércio, muitos desses advogados envolvem-se em relações de trabalho sob condições frequentemente mais precárias que muitos trabalhadores. Nesses casos, em lugar de serem aplicados os direitos garantidos na Constituição a todos os trabalhadores e na CLT, são praticadas jornadas de trabalho de 10 a 12 horas por dia e pagamento de remunerações próximas do salário mínimo, sem direito a férias anuais de 30 dias e ao 13º salário. Mantem-se a ficção de serem meros prestadores de serviços autônomos. 

Exemplos

No primeiro caso julgado pelo TST, uma firma jurídica de Belo Horizonte foi condenada a pagar indenização reparatória a um advogado sistematicamente ameaçado de punição por descumprimento de rotinas laborais internas, mesmo sem ter o seu vínculo de emprego reconhecido. O advogado-trabalhador ingressou formalmente nos quadros do escritório em fevereiro de 2011 como advogado associado e, um mês depois, passou a figurar nos quadros da sociedade com 0,1% do capital social, mas foi reconhecido judicialmente que, em verdade, ele era empregado, pois recebia salário mensal e prestava trabalho subordinado, atendendo a ordens diretas da direção da firma. Além das ordens dos gestores, e-mails demonstraram a existência de ameaças de aplicação de multas por erros em tarefas burocráticas, como a baixa em solicitações no sistema, o que apontou para a prática de condutas abusivas de assédio moral na relação de trabalho havida.  

Já na segunda decisão recente do TST sobre o tema, foi reconhecida também a existência de relação de emprego entre um escritório de advocacia de São Paulo com uma advogada, então contratada como sócia. Segundo constatado pela Justiça do Trabalho, ela teria sido contratada pela firma jurídica em maio de 2009 e sido desligada em 2013, estando nesse período incorporada como sócia de serviço, mas sempre estiveram presentes os traços inerentes à relação de emprego, sendo a sociedade efetuada “apenas para mascarar o contrato de trabalho existente”.  Na defesa da firma, alegou-se que, por ser a advogada uma profissional qualificada na área jurídica, sabia de todas as condições pactuadas, tendo autonomia na negociação, não devendo por isso as leis trabalhistas serem a ela aplicadas. 

Longe de ser uma exceção, essa realidade de trabalho nos serviços é uma tendência em ascensão, com relações flexíveis, pontuais e repartidas, muitas vezes com o controle do processo produtivo de trabalho não sendo mais feito de modo tradicional, com um supervisor ou um chefe, tal qual um capataz, mas agora de modo virtual, eletrônico, através de aplicativos e sistemas de gestão informatizados. A lógica da fábrica se amplia para os serviços e, ao mesmo tempo, “moderniza-se”, tornando-se digital, o que não impede a preservação da velha centralidade da exploração da força de trabalho e apropriação do que é por ela produzido por um capitalista.

Edição: Vanessa Gonzaga