Pernambuco

CASO MIGUEL

Defesa e acusação de Sari Corte Real são ouvidas em Audiência de Instrução

Morte do filho de Mirtes Renata completou seis meses na última quarta (02); próxima audiência não tem data marcada

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) ouviu as testemunhas de acusação, listadas pelo Ministério Público de Pernambuco, e uma parte das testemunhas de defesa - Rafaella Gomes

Depois de seis meses da morte do menino Miguel Otávio, após cair do prédio de luxo em que sua mãe, Mirtes Renata trabalhava como empregada, aconteceu a primeira audiência de instrução e julgamento, na 1ª Vara de Crimes Contra a Criança e o Adolescente, no Recife, nesta quinta-feira (3). Na lei esta audiência deveria ser somente um ato, mas, na prática acontece em mais de um momento, sobretudo pelo tempo das escutas. 

Em frente ao prédio, um ato foi realizado por familiares do menino Miguel Otávio e organizações Movimento Negro para pressionar pela condenação da ré e denunciar o racismo que envolve o caso. Alguns manifestantes se mantiveram em vigília em frente ao prédio do TJPE 

Na sessão que durou mais de 6h, o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) ouviu as testemunhas de acusação, listadas pelo Ministério Público de Pernambuco, e uma parte das testemunhas de defesa, visto que algumas delas serão ouvidas por Cartas Precatórias.  A ré, Sarí Corte Real, que estava prevista para ser interrogada, mas que deve ser a última a prestar depoimento, não foi ouvida. A ex patroa de Mirtes responde por abandono de incapaz com resultado morte, com as agravantes de cometimento de crime contra criança e em ocasião de calamidade pública. A Justiça preferiu não divulgar os nomes das testemunhas por questão de segurança.

Segundo o advogado do caso, Rodrigo Almeida, a audiência trouxe um saldo preocupante sobre a possível condenação de Sari. “O que ficou claro hoje é que há um processo de infantilização da acusada, colocando-a como uma incapaz psicologicamente de prever um mal que poderia causar a uma criança deixando-a sozinha em um elevador.  Portanto, reduzindo o adulto a uma condição próxima de uma criança que não consegue enxergar o seu ato. Ao mesmo tempo, fazem um processo de adultização da vítima Miguel, colocando nele a responsabilidade, dizendo que ele era excepcionalmente "danado", "travesso" e que nessa condição seria capaz de se auto gerir. Que se pese os seus 5 anos de idade”, afirma.

Com as oitivas inacabadas, ainda não foi divulgada a data para o próximo evento de escuta e julgamento do caso. Isso porque quatro testemunhas de defesa devem falar por Carta Precatória, procedimento usado no Judiciário para ouvir testemunhas ou partes processuais que residem em outra comarca, de cidades ou estados diferentes. E ainda não há previsão de conclusão para esta parte do processo. Só depois disso que Sarí será interrogada.

Mirtes Renata, mãe de Miguel, ressaltou que a audiência foi um momento cansativo e de muita dor. “Querem transformar meu filho em um demônio e Sarí a santa. Meu filho era apenas uma criança de 5 anos, saudável, educada”, conta. A ex-empregada doméstica também chamou atenção para o caráter racista que o caso tem. “O que mais me revolta, diante de tudo que aconteceu hoje, é que algo que eu vinha negando desde o começo com relação ao racismo, hoje ficou explícito. Só porque Miguel era negro, filho da empregada, não podia ter o direito ao cuidado? Sari não podia cuidar dele? Ele teria o direito de ser criança e ser protegido. Como eu vinha dizendo desde o primeiro dia, eu vou mover céus e terras para que a condenação aconteça. Vou provar que meu filho é apenas uma criança e ele merecia sim proteção”, afirmou bastante emocionada. 

Racismo 

Miguel caiu do 9º andar do edifício Píer Maurício de Nassau, no bairro de Santo Antônio, no Centro do Recife, no dia 2 de junho. A queda aconteceu após a mãe dele deixá-lo com Sarí Corte Real para passear com Mel, a cadela da família que a empregava. 

No dia da morte de Miguel, Sari foi presa em flagrante por homicídio culposo, quando não há intenção de matar. Ela pagou uma fiança de R$ 20 mil para responder ao processo em liberdade. Ela foi então acusada sobre crime de abandono de incapaz com resultado em morte, que tem pena de 4 a 12 anos de prisão.

Para Mônica Oliveira, representante da Articulação Negra de Pernambuco, o caso Miguel é mais um retrato da demarcação do racismo na sociedade brasileira. “O que é que determina que algumas crianças devem ser protegidas e outras podem ser abandonadas? O Brasil é um país racista. A morte de Miguel Otávio, naquelas condições, é uma comprovação disso. Jamais Sari teria abandonado uma criança branca, filha de suas amigas, naquele elevador”, diz.

 Sobre a audiência e os próximos passos do caso, Mônica questionou “Não é possível que o sistema de justiça absolva essa tese da culpabilização de uma criança de 5 anos pela própria morte. Não é possível que o sistema de justiça absolva essa tese de que uma mulher de mais de 30 anos não seja capaz de imaginar que alguma coisa poderia ter acontecido com esse menino” conclui.

 

Edição: Vanessa Gonzaga