Pernambuco

PANDEMIA

Festas de Natal com menos abraços e mais cuidados

OMS recomendou nem mesmo se reunir; mas encontros que ocorrerem devem ser apenas entre familiares que já têm contato

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Nenhuma medida é capaz de impedir totalmente o contágio pela covid-19, mas seguindo as orientações os riscos são diminuídos - AFP

O ano de 2020 certamente foi, para a maior parte da população do planeta, um ano incomum, em que a maior pandemia dos últimos 100 anos tirou mais de um milhão de vidas e obrigou as pessoas a mudarem hábitos diários. Mesmo as que precisam seguir a rotina, têm ciência do risco que correm. É chegado o fim deste ano e, apesar do desejo de deixar a pandemia para trás junto com 2020, a verdade é que o vírus segue em circulação e o Brasil ainda não possui um plano nacional de imunização. Portanto, todos os cuidados devem ser mantidos durante as tradicionais confraternizações e festas familiares do período de Natal e Ano Novo.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomendou, no fim de novembro, que fossem evitadas inclusive as festas familiares, mantendo apenas a reunião das pessoas que já vivem na mesma casa, o que implica numa mudança de comportamento muitas famílias não devem seguir.

Na periferia da zona norte do Recife, especificamente no bairro do Vasco da Gama, o microempresário Rinaldo Silva, 30 anos, conta que a celebração de Natal de sua família costuma reunir 30 pessoas. “As festas reúnem muita gente, já que juntamos a minha família materna e a paterna. Sempre fazemos um churrasco, amigo secreto e passamos a noite toda, até amanhecer”, conta ele.

Apesar da pandemia do novo coronavírus (Sars-CoV-2), a festa deve ser mantida. “Acredito que menos gente vá participar, justamente pelos cuidados sobre o vírus. Mas a família vai querer alguma festa, ainda que menor”, diz Rinaldo, que acha a proposta perigosa. “Deve haver algumas medidas de segurança, mas acho que não vou participar, porque estou com uma filha pequena e não quero arriscar a saúde dela”, pondera ele.

Situação similar à da família da professora Sandriane Lourenço, 25, da comunidade Serrote dos Campos, do povo indígena Pankará, em Itacuruba, sertão do estado. “Normalmente no Natal nos reunimos na casa da minha avó materna, para fazer a ceia e cantar parabéns para ela, já que o dia 24 é seu aniversário. Participam os filhos, netos e bisnetos, que hoje somos umas 30 pessoas”, conta ela, lembrando que a festa vai das 19h até depois da meia-noite.

A educadora pontua que tem observado, em sua cidade, a redução do comprimento das medidas sanitárias. “Mesmo com a pandemia, desde o meio do ano estamos percebendo que as pessoas relaxaram, como se o vírus não existisse mais”, diz ela, lembrando que isso aumenta o risco de algum familiar estar infectado. “E é impossível ficar de máscara o tempo todo numa festa onde você vai comer e beber”, completa.

A festa, no entanto, está mantida. “Ainda não sei como vai ser, mas vai ter o aniversário da minha avó. Acho que não vai ser como antes, já que ela é grupo de risco e ela não faz questão de festa – nós é que forçamos a festa todo ano”, lembra Sandriane. “Acho que serão menos pessoas e passaremos bem menos tempo juntos”, pontua.

A noite de ano novo também deve ser algo menor. “Geralmente a festa de virada do ano é na minha casa, com minha mãe, irmãs, amigos mais próximos, às vezes a minha avó dá uma passadinha. São menos pessoas, umas 15. Mas começa umas 20h e vai até amanhecer”. Este ano, porém, a educadora não dará festa. “Talvez tenha algo na casa da minha avó, mas coisa bem menor e mais rápida”, diz ela.

A enfermeira Andreia Lopes reforça que “o mais recomendado é que as festividades sejam em suas casas, apenas com as pessoas do seu convívio diário, sem pessoas de fora, que não moram com você”. Tanto com os familiares da casa como com convidados externos, caso vá recebe-los, alerta Andreia, “é fundamental observar com antecedência se algum convidado está com sintomas ou se nas últimas duas semanas teve contato com alguém que testou positivo; saber se está com diagnóstico e, caso sim, se já se passaram 14 dias desde que a pessoa teve sintomas da covid-19; se a pessoa estiver aguardando resultado de teste”. A enfermeira pontua que a Fiocruz lançou uma cartilha com recomendações para as festividades.

Sobre os cuidados individuais, Lopes destaca o uso da máscara, a higiene das mãos e o uso de objetos. “Tem que usar máscara o tempo todo, só tirar para comer ou beber. Tem que mantê-la limpa e seca e ter uma máscara extra caso precise trocar. Todas as pessoas devem lavar as mãos com frequência durante a festa, usando água e sabão ou álcool em gel”, reforça. “Não pode compartilhar talheres e copos – e se pegar com a mão um prato, copo ou talher usado, lave as mãos logo depois”, completa a profissional de saúde.

Andreia também sugere medidas sobre o ambiente da festa. “Dê preferência a locais abertos e ventilados e evite o ar-condicionado. Evite também música alta, para as pessoas não precisarem falar alto ou gritar, comportamento que lança mais gotículas de saliva no ambiente. Além, é claro, de não ficar em aglomeração e procurar manter distanciamento durante a festa, evitando apertos de mão e abraços”, diz Lopes. Ela lembra que nenhuma medida é capaz de impedir totalmente o contágio pela covid-19, mas seguindo as orientações os riscos são diminuídos. “Com tudo isso, vemos a importância de limitar o número de convidados, que deve ser de acordo com o tamanho do espaço onde devem circular”, afirma a enfermeira.

No início do mês o governo de Pernambuco anunciou o recuo no cronograma do plano de convivência com o coronavírus, ficando proibida em todo o estado a realização de shows e festas públicas, com ou sem cobrança de ingresso. O decreto permite festas de formatura, casamentos, aniversários e eventos sociais de menor porte, mas que precisam seguir os protocolos sanitários.

A proibição engloba o período das festas de Natal e Ano Novo. No Recife, por exemplo, estão canceladas as tradicionais apresentações teatrais do Baile do Menino Deus no Marco Zero e a festa de Reveillon com queima de fogos em Boa Viagem – esta última substituída por um espetáculo de luzes. Municípios no interior do estado também anunciaram o cancelamento de suas festas.

Desde o fim de outubro o Brasil tem observado uma nova aceleração no número contágios pelo novo coronavírus, que seria fruto da redução no isolamento e do fim de restrições para shoppings, bares, casas noturnas, festas, além de um cansaço acumulado da população com o cenário de isolamento – e, obviamente, o uso diário dos transportes públicos lotados.

Pernambuco já diagnosticou 200 mil casos, com aproximadamente 9.500 mortes. A região Nordeste tem 1 milhão 750 mil casos até agora, com quase 50 mil vítimas fatais. O Brasil se aproxima dos 7 milhões de casos diagnosticados e mais de 180 mil mortes. A ocupação de leitos está em taxa superior aos 80% em boa parte das regiões metropolitanas.

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) publicou uma nota técnica, no último dia 10, com título “O fim do ciclo da interiorização, a sincronização da epidemia e as dificuldades de atendimento nos hospitais”, em que os pesquisadores fazem alerta para o risco de aceleração na curva de crescimento de novos casos devido as festas de fim de ano, retornando à situação do início do ano, quando o número de infectados era tão alto que os leitos não davam conta de atender a todos os casos, levando ao agravamento de alguns casos e até a morte de pacientes na fila de espera por um leito. A nota alerta ainda que o número de pessoas em circulação também eleva o número de acidentes e pacientes que necessitam atendimento por outros motivos.

Edição: Vanessa Gonzaga