Rio Grande do Sul

Tecer uma rede solidária: Centro Africano se articula para atender comunidade carente

Comunidade celebra Natal Feliz, uma atividade voltada para as crianças do Jardim Cascata, em Porto Alegre

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Crianças têm aulas de capoeira todas as segundas-feiras - Arquivo Pessoal

Há 20 anos, Morgana Alves, ou como é mais conhecida, Mãe Morgana de Oxála, através de sua casa de religião Santa Luzia, vem trabalhando no auxílio da população mais vulnerável do Jardim Cascata, no Bairro Glória, em Porto Alegre. Lá vivem pessoas, que como ela pontua, esquecidas pelo poder público. E que com a pandemia viram sua situação se agravar.

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Para manter viva a assistência às pessoas, uma rede de cooperação foi tecida, junto à Morgana, envolvendo entidades, como o Centro de Referência Afro Indígena do Rio Grande do Sul e o Grupo da Sopa. Neste sábado (19), a comunidade celebrará o Natal Feliz, ação promovida pelo Centro da Mãe Morgana e voltada para as crianças da comunidade. 

Transexual, Morgana tem 42 anos e desde os 15 dirige a casa de religião Santa Luzia. Permeada por uma vida de dificuldades, ela conta que saiu de casa aos 12 anos. “Minha mãe foi maravilhosa, uma mulher guerreira com uma cabeça a frente a seu tempo. Mas em compensação meu pai era racista e preconceituoso. Sai de casa com 12 anos, com 15 abri minha casa de religião e desde que abri foi para ter afeto e amor às pessoas. Ela sempre foi uma espécie de albergue”, afirma.

Segundo a líder religiosa e comunitária, houve uma uma época que moraram ali cerca de 50 pessoas, entre moradores de rua e dependentes químicos. “A maioria deles vem aqui em casa hoje, estão livres da droga e da dependência química, são homens e mulheres que passaram a ajudar os outros como anjos sem asas, voluntários que doam e fazem entregas” explica Morgana, que mesmo sofrendo de insuficiência cardíaca, segue auxiliando a comunidade carente do Jardim Cascata. 

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Há na comunidade em torno de 400 a 500 crianças, de acordo com Morgana. Para elas, todas as segundas-feiras, através do trabalho voluntário do professor Israel, há o contato com a capoeira. Conforme comenta a mãe de santo, além da atividade física, há também trabalho de base. Por exemplo, explicam a elas sobre a pandemia e que mesmo morando no morro, na periferia, essas crianças podem ter um futuro melhor, que elas podem fugir do estereótipo de violência, bandidagem e drogas. 

“Queremos mostrar pras nossas crianças que elas podem se transformar em um médico, um professor, um gerente. Queremos valorizar nossas raízes de negros e indígenas e mostrar pra elas que temos um futuro pela frente”, ressalta Morgana, frisando que não é um trabalho exclusivo dela, mas que envolve toda a comunidade.

Como em inúmeras periferias do país, o Jardim Cascata é formado por muitas pessoas em situação de vulnerabilidade social latente, situação que foi drasticamente agravada pela pandemia do novo coronavírus, gerando aumento do desemprego, da miséria e fome, pontua Morgana.

“A comunidade foi esquecida pela Prefeitura e pela Assistência Social. É uma comunidade de negros, indígenas e de pessoas de raças misturadas. Temos pessoas doentes, sem emprego, sem roupas, sem alimentos, e algumas até sem fogão, como o caso de uma senhorinha chamada Ana, ou que perderam tudo no temporal da semana passada. A gente tenta auxiliar esses moradores como pode. Os axés e trabalhos que são recebidos pela Casa são transformados em auxílio para as pessoas”, expõe.

Por ter passado por episódios de fome e frio, Morgana intensificou sua atuação. “Eu não tenho forças sozinhas, quando chegou a pandemia ficou muito mais difícil auxiliar, ajudar as pessoas, correr pelas pessoas. Nosso posto de saúde funciona quando quer, isso não é legal”, desabafa. Através do contato com uma enfermeira que havia conhecido quando teve infarto, há três anos, começou a tecer a rede de solidariedade.


"Os axés e trabalhos que são recebidos pela Casa são transformados em auxílio para as pessoas" / Arquivo Pessoal

De acordo com Alice Martins, mulher indígena em contexto urbano e liderança do Centro de Referencia Afro Indígena, o espaço junto a seus apoiadores e a comunidade tem feito junto com Morgana essa articulação atendendo às pessoas esquecidas pelo poder público.

“Dentro dessa periferia, como em várias periferias de Porto Alegre, a cor da pele dessas pessoas é negra, indígena e afro-indígena. E essas pessoas que estão dentro dessas comunidades estão completamente esquecidas. Então ter o terreiro Santa Luzia, que é da Mãe Morgana, que vem fazendo esse trabalho há muitos anos, e tê-la conhecido e poder estar partilhando junto a ela e os nossos irmãos essa rede de solidariedade, é o que motiva nosso dia a dia de luta. É o que motiva a estar cada vez mais indignados, cada vez mais em resistência e cada vez mais tecendo essas redes e olhando para esses que são os esquecidos”, afirma.   

Para Morgana, a pandemia tem sido sinônimo de superação, mesmo com os problemas que traz. Nesse sentido, ela organizou junto à comunidade o Natal Feliz. Conforme explica, criou-se um mutirão onde foi arrecado brinquedos para as crianças. Em vídeo publicado nas redes sociais, Morgana mostra as várias cartinhas escritas pelas crianças da comunidade. “Se as pessoas não têm comida em casa, o arroz, o feijão, a lata de azeite, vão ter um presente para dar para uma criança? Então o natal deles vai ser sábado, para dar alegria para elas”, destaca. 

A ação é contínua e aceita doações de roupas, roupas de cama, colchão, alimentos e, neste sábado, principalmente, brinquedos para as crianças. “Podem ser brinquedos usados ou mesmo com algum defeito, pois já há voluntários para fazer reparos e consertos”. As doações podem ser entregues na rua Jânio Quadros, 365, Jardim Cascata - Porto Alegre (RS).

Interessados em apoiar a campanha também podem entrar em contato pelos telefones/WhatsApp 51-995372027 ou 51-3211-8335.

Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: Marcelo Ferreira