Minas Gerais

PANDEMIA

Demora na vacinação contra covid-19 em Belo Horizonte preocupa profissionais da saúde

Vacinação não estaria priorizando a rede SUS e sua expertise em imunização; PBH nega que há atraso

Belo Horizonte | Brasil de Fato MG |

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Segundo o último boletim divulgado pela prefeitura, 55% das doses foram aplicadas até o momento - Adão de Souza / PBH

Mais uma etapa da vacinação contra a covid-19 começou nesta semana em Belo Horizonte. Desta vez, no sábado (13), são os idosos entre 86 e 88 anos residentes na capital mineira que começam a ser imunizados. A expectativa, segundo informações da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), é vacinar até 24 mil pessoas dessa faixa etária. A vacinação ocorre em Centros de Saúde específicos das nove regionais da cidade.

No entanto, embora tenha aberto a vacinação para essa faixa etária, idosos com 89 anos ou mais ainda não foram todos vacinados e muitos ainda aguardam o retorno da prefeitura para agendamento. De acordo com levantamento feito pela reportagem, há queixas em relação ao processo confuso da vacinação contra a covid-19.

A principal reclamação é a subutilização da rede SUS. No caso dos idosos com 89 anos ou mais, é exigido um cadastramento que deve ser realizado pelo telefone 156 ou por formulário disponibilizado na página da PBH.

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“Isso é um absurdo, porque a prefeitura já tem o cadastro de todos os idosos na Atenção Básica. A população de Belo Horizonte é praticamente toda cadastrada no Centro de Saúde, e mesmo que a pessoa não seja, porque mora em uma área mais rica, ela tem um Centro de Saúde de referência que ela pode se cadastrar. Eles [a PBH] estão ignorando a Atenção Básica nesse processo de vacinação. Isso é um desrespeito com as equipes”, desabafa uma enfermeira do Sistema Único de Saúde (SUS), que não pôde se identificar.

A enfermeira explica que a criação do cadastro por fora da rede SUS ignora o prontuário eletrônico e pode impedir muitos idosos dessa faixa etária de receberem a vacina. Isso porque essas pessoas costumam ter mais dificuldades com tecnologias, seja computador o ou telefone, e muitos vivem sozinhos e não têm familiares que podem assumir essa tarefa por eles. Além disso, o número 156 também tem sofrido congestionamentos.

“Pode ter relação com a prefeitura estar priorizando as pessoas que tem maior poder aquisitivo e que não estão no dia a dia da Unidade Básica de Saúde. A Secretaria de Saúde está com a lista e vai organizar quem que vai tomar primeiro a vacina. Qual é o critério?”, questiona a enfermeira.

Vacinação contra a covid-19 em BH parece ignorar a expertise dos trabalhadores da saúde

Em relação aos idosos entre 86 e 88 anos, que podem se vacinar a partir de sábado (13), ela também questiona a exigência da apresentação de comprovante de residência, já que muitos moradores de favelas e aglomerados podem não ter esse tipo de documento.

A presidenta do Conselho Municipal de Saúde de Belo Horizonte (CMSBH), Carla Anunciatta, corrobora com tais questionamentos. Segundo ela, a situação da vacinação em Belo Horizonte está causando ansiedade tanto nos trabalhadores quanto nos usuários do SUS, que ainda têm muitas dúvidas sobre quando e como serão vacinados, mesmo que estejam nos grupos prioritários.

“As equipes nas unidades de saúde podem ser preparadas para vacinar a população, pois já têm as listas de todos os usuários. Então por que não seguir os princípios da universalidade e da equidade do SUS?”, critica.

Outro fluxo

O fluxo de vacinação contra a covid-19 em BH parece ignorar a expertise dos trabalhadores da saúde e a estrutura do SUS. Historicamente, são os profissionais da Atenção Básica, sobretudo da enfermagem, que coordenam e executam o Plano Nacional de Imunização (PNI), que prevê campanhas de vacinação em todo território nacional, inclusive com informação de dados em tempo real para as secretarias de Saúde.

Para Sheila Aparecida Ferreira Lachtim, professora da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais, as questões municipais têm uma influência direta da falta de uma política mais incisiva do Ministério da Saúde na aquisição de vacinas. Ou seja, há dificuldades enfrentadas pelas prefeituras que são impostas pelo baixo número de vacinas recebidas.

Unidades de saúde com tradição nas campanhas de imunização têm ficado em segundo plano

Mesmo assim, é fundamental que haja uma vacinação ágil na população, o que, na opinião da professora, não está acontecendo em Belo Horizonte. Segundo o último boletim divulgado pela PBH, desde o início da vacinação no dia 19 de janeiro, 55% das doses distribuídas na cidade foram aplicadas, sendo que somente 19.213 pessoas receberam a segunda dose da vacina.

“É uma vacinação com mais dificuldade do que outras campanhas. Alguns fatores podem influenciar nisso, além da falta evidente do imunobiológico. Um desses fatores pode ser a subutilização de uma rede já existente do PNI, inclusive do sistema de informação desse programa. Algumas das unidades de saúde que sempre tiveram tradição nas campanhas de imunização têm ficado no segundo plano”, avalia.

Antes do SUS

Criado em 1973, o Programa Nacional de Imunizações (PNI) foi estabelecido pela Lei nº 6.259, de 1975, portanto, antes da criação do Sistema Único de Saúde, na Constituição Federal de 1988. A expertise do PNI com a vacinação vem sendo construída há quase 50 anos e, segundo Sheila, foi com a estrutura do SUS que a vacinação ganhou capilaridade e chegou a todos os municípios no interior e em áreas de difícil acesso.

Com a função de organizar a vacinação, o PNI conta com uma rede de armazenamento e distribuição de imunobiológicos que garante a chegada das vacinas no centro de saúde, onde serão oferecidas gratuitamente à população. Em todo esse percurso, há o cuidado para que as vacinas sejam mantidas em temperatura adequada e a existência do PNI permitiu o controle e a erradicação de diversas doenças que podem ser prevenidas com vacinas.

Em 2008, segundo a professora Sheila, por meio do PNI foi possível vacinar 90 milhões de pessoas em oito semanas contra a H1N1.

Outro lado

A PBH, por meio da Secretaria Municipal de Saúde, informou ao Brasil de Fato MG que não há atraso na vacinação do município. Ainda, afirmou que a utilização do cadastro tem como objetivo contemplar todos os idosos moradores da cidade com mais de 89 anos, uma vez que nem toda a população é cadastrada nos Centros de Saúde.

Em relação à dificuldade em utilizar os canais da PBH, a prefeitura orienta que os idosos procurem seu Centro de Saúde que a equipe irá auxiliar no cadastro. As estratégias que serão utilizadas nas próximas etapas serão divulgadas à medida que forem definidas e novas remessas de vacinas chegarem a Belo Horizonte.

Edição: Rafaella Dotta