Encruzilhada

Petrobras se "divorciou" dos interesses nacionais nos últimos anos, diz economista

Segundo Marcio Pochmann, desde o governo Temer, Petrobras se voltou para atender interesses do mercado financeiro

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Para Pochmann, professor do Instituto de Economia da Unicamp, o presidente Jair Bolsonaro está diante de uma “encruzilhada” na mudança do comando da Petrobras - Foto; Agência Petrobras

Para o economista Marcio Pochmann, professor do Instituto de Economia da Unicamp, o presidente Jair Bolsonaro está diante de uma “encruzilhada” na mudança do comando da Petrobras. Resta saber se a chegada do general Joaquim Silva e Luna à presidência da estatal vai representar uma “ruptura” com o modelo neoliberal, alterando a política de preços que privilegia exclusivamente os interesses dos acionistas, ou se as diretrizes permanecerão as mesmas.

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O anúncio feito por Bolsonaro causou intensa reação no sistema financeiro. Desde sexta-feira (19), a Petrobras perdeu R$ 99,6 bilhões em valor de mercado. Ontem as ações fecharam em baixa de mais de 20%. Nesta terça-feira (23), o Conselho de Administração deve se reunir para avaliar a troca de comando da companhia.

"De fato, a mudança na política da Petrobras, nos últimos quase cinco anos, desconectou o papel de uma empresa pública em relação ao interesse nacional. O que passamos a assistir basicamente é que a empresa passou a operar fundamentalmente de acordo com os interesses desses acionistas”, afirmou Pochmann, em entrevista a Glauco Faria, no Jornal Brasil Atual.

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Dsde 2016, a partir do governo Temer, a Petrobras adotou a política de Preço de Paridade de Importação (PPI). Ou seja, os preços dos combustíveis no Brasil passaram a oscilar de acordo com a variação do petróleo no mercado internacional. Com a desvalorização do real no último ano, os preços da gasolina e do diesel dispararam.

Dada a dependência do transporte rodoviário para o escoamento da quase totalidade da produção brasileira, a alta nos combustíveis teve impacto disseminado por amplos setores da economia. “Hoje estamos com a soberania energética comprometida. Não é possível para um empresário ou para as próprias famílias saberem o quanto vão custar os produtos que adquirem”, avaliou o economista.

Golpe duplo na Petrobras

De acordo com Pochmann, que também é pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit-Unicamp), a Petrobras passou por dois “golpes” nos últimos anos. Primeiramente, a Operação Lava Jato acabou paralisando os negócios da estatal. Na sequência, além da mudança na formação dos preços, o governo Temer implementou um programa de “desinvestimento” que abriu as portas para a privatização fatiada de setores da companhia. Outra mudança importante foi o fim da política de conteúdo nacional, que privilegiava empresas nacionais na aquisição de máquinas e equipamentos pela estatal.

Desdobramentos políticos

Após Bolsonaro afirmar que também pretende fazer mudanças no setor elétrico, Pochmann diz que pode se desenhar uma “segunda reorganização” do seu próprio governo. A primeira foi quando abandonou o “lavajatismo”, com a demissão do ex-ministro Sergio Moro, e montou uma aliança com partidos do Centrão. A pandemia do novo coronavírus, por outro lado, também forçou a ampliação dos gastos públicos, distanciando o governo da agenda liberal do ministro da Economia, Paulo Guedes. “Estamos diante de uma novidade talvez inesperada, que coloca um desafio enorme para a condução do atual governo.”

Pensamento único e reação neoliberal

Além da “tensão” no mercado de ações, Pochmann também chamou a atenção para a reação estridente da mídia tradicional, os chamados “porta-vozes” do setor financeiro. “De fato, há uma reação muito forte por parte da imprensa. Dos interesses do dinheiro, vinculado a essa visão de curtíssimo prazo que a agenda neoliberal propõe. Mas, infelizmente, não temos uma imprensa que abre a possibilidade de oferecer visões distintas. É uma espécie de pensamento único, que só apresenta os aspectos negativos dessa decisão”, criticou.

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O economista destacou que seria importante ouvir lideranças políticas e a população do Nordeste sobre os impactos no emprego e na renda decorrentes da privatização da refinaria Landulpho Alves (Rlam), na Bahia, por exemplo. Ou ainda mostrar que nos Estados Unidos, apesar do controle privado da produção, o setor é regulado de perto, inclusive pelas Forças Armadas do país. Por lá, há também o uso de estoques estratégicos para o controlar os preços dos combustíveis.

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