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Artigo | O linchamento é uma prática racista

O ódio a Karol Conká não é reflexo de uma sociedade justa que está indignada com as atitudes dela dentro do BBB

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Atitudes horrorosas marcaram a passagem da cantora pelo programa, acompanhada pelos brancos, que como sempre não sujam as mãos e nunca serão alvo do linchamento brutal - Reprodução/TV Globo

O linchamento sempre será uma prática racista. Tem raiz nas sociedades escravocratas. Foi utilizada como punição à liberdade. Era a retaliação pela conquista da abolição, uma forma de domesticar subjetividades que ousaram sonhar com a liberdade. Representa a atrocidade dos que detém poder. É o avesso da justiça. Não se enganem: não há ética no linchamento.

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O ódio a Karol Conká não é reflexo de uma sociedade justa que está indignada com as atitudes dela dentro do BBB. Quem dera. Uma sociedade que assiste inexpressiva ao extermínio de 21 mil jovens negros por ano não estaria indignada com a humilhação sofrida pelo jovem Lucas. Uma sociedade que naturaliza a miséria, políticas eugênicas, desigualdade de renda, fome, morte materna, faz ode a meritocracia, legitima estupro e que elegeu um criminoso presidente apenas achou em quem depositar suas culpas. E claro, a mulher negra retinta é a imagem perfeita pra isso.

A reação que estamos assistindo é criminosa e racista. Aqui não se fala de passar pano. Atitudes horrorosas marcaram a passagem dela pelo programa. Acompanhada pelos brancos, que como sempre não sujam as mãos e nunca serão alvo do linchamento brutal. O silêncio dos bons e justos em relação a Rede Globo é ensurdecedor. Acreditar que essa edição é algo sem intencionalidade política não é apenas ingênuo como também tacanho.

Um país que discute racismo a nível apenas das atitudes não conseguirá entender o que é a asfixia da violência racial. Karol já sofreu diversas retaliações pelo seu comportamento. Perdeu contratos, reputação, dinheiro, seu filho foi ameaçado. Porém, o linchamento exige sempre mais. Karol teve esquema de segurança especial para sair do programa. O espetáculo da contradição: incorporamos exatamente aquilo que dizemos odiar. Assim naturalizamos o linchamento enquanto fingimos nos importar. Ainda estamos longe de construir uma sociedade democrática e de elevar o nível da discussão racial nesse país.

Nathalia Diórgenes é Doutora em Psicologia pela UFPE e militante da Marcha Mundial das Mulheres