Rio Grande do Sul

ENTREVISTA

“Defendemos a escola mas antes defendemos a vida”, afirma Aline Kerber

Criticada na mídia e nas redes sociais, presidenta de associação de mães e pais de alunos denunciou ataques

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Aline fala sobre os ataques sofridos: “passaram de todos os limites” - Divulgação / AMPD

A vida particular de Aline Kerber virou alvo e ela foi linchada nas redes sociais e criticada nas rádios Guaíba e Pampa após barrar a volta das aulas presenciais em todo o Rio Grande do Sul. Aline, uma socióloga de 36 anos, é a presidenta da Associação de Mães e Pais pela Democracia (AMPD) que, segundo conta, reúne mais de cinco mil associados e simpatizantes no estado.

Uma ação judicial da AMPD foi acolhida pela 1ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre, frustrando o envio das crianças e adolescentes às escolas com a bandeira preta tremulando em todo o território gaúcho e sinalizando o altíssimo risco de contágio da covid-19. Desgostou o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), para quem, como declarou, é preciso “dar a vida para salvar a economia”, o governador Eduardo Leite (PSDB) e a militância bolsonarista.

Agora, quando crescem os óbitos diariamente, confirmando o acerto da iniciativa, Aline fala sobre os xingamentos e ameaças que recebeu através de 30 pessoas e 250 perfis de internet, da pressão pela reabertura das escolas e do papel de Jair Bolsonaro na alimentação do ódio.

Brasil de Fato RS - Após a AMPD obter judicialmente a proibição de retorno às aulas sob a bandeira preta no RS, você foi vítima de ataques tanto nas redes quanto na mídia que, provavelmente, também estimulou tais investidas. Quem te atacou na mídia e sob que argumentos a ponto que motivar uma denúncia à polícia?

Aline Kerber - Defensores de Bolsonaro dizem que não representamos todas as mães e país. Mas nunca dissemos que representamos. Nosso nome é Associação de Pais e Mães Pela Democracia... A escola é fundamental, é um direito e a liberdade deve existir mas, nesse contexto de bandeira preta, é preciso reduzir a circulação. Seria um milhão de pessoas circulando nas ruas.

Quando a gente mexe com a vida das pessoas, viramos um ponto focal de ódio. Elas trazem seu problema individual. Não reivindicam auxílio emergencial, vacina, lockdown. A vida tem que estar em primeiro lugar e não parece ser o que está sendo debatido nesse momento. A realidade não permite aglomeração em sala de aula porque vai aumentar (o contágio). Nossa ação, ratificada pelo STF, foi muito focada, como estamos vendo agora com os recordes de mortes.

“Bando de vagabundos”

BdFRS - Você entregou um dossiê com 324 páginas à Delegacia de Intolerância. Que termos foram usados em tais ataques? Que ameaças sofreu?

Aline - (Nos) chamaram de “bando de vagabundos”, “toupeira”, “petistas doentes”. Que eu “tinha que engolir mortadela” pois tinha feito sociologia na UFRGS. Envolveram minha família, as pessoas que trabalham na minha casa. (Nos chamaram) de “câncer da sociedade”, de “esquerdistas criminosos”. Nos acusaram de “dar golpe”. Uma retórica estimulando o negacionismo e o ódio.

BdFRS - Alguns dos ataques envolveram inclusive sua família e seu filho de um ano e meio. O que disseram seus detratores?

Aline - Usaram o nome do meu marido, usaram fotos minhas e do meu filho. Ele tem um ano e meio, está amparado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, e essas pessoas precisam ser responsabilizadas. Passaram de todos os limites quando usaram sua imagem para dizer que eu tinha uma babá que cuidava dele. Disseram que eu não possuía condições para fazer a ação judicial e quem teria feito seria o meu marido. Enfim, usaram de tudo para me atacar enquanto ativista e enquanto mulher.

BdFRS - A que atribui a intenção dos governantes de forçar o retorno às aulas dos alunos de educação infantil com novas e mais contagiosas variantes do coronavírus circulando e sobre as quais nem a ciência tem as respostas sobre sua letalidade?

Aline – Ele (o governador Eduardo Leite) é pressionado pelo mercado, pelo SINEPE (o sindicato das escolas particulares). Ele perdeu na justiça porque mudou as regras do modelo de distanciamento. A regra da bandeira preta é lockdown. Não permitiria aula presencial.

“A retórica do ódio vem do bolsonarismo”

BdFRS - Você citou a existência de uma “rede de ódio” propagando a violência. Qual o papel de Jair Bolsonaro neste processo disseminado pelo país?

Aline - O papel dele é central. É com base nos seus argumentos negacionistas e de "entregar a sua vida pela economia" ou "sempre cabe mais um na UTI", como vemos no discurso do prefeito bolsonarista Melo, que é alimentada a retórica do ódio. A retórica do ódio que chegou até nós vem do bolsonarismo.

BdFRS - O que diria para os pais que desejam levar seus filhos à escola?

Aline - Lamento que algum pai ou mãe tenha que levar seu filho à escola com bandeira preta. Não pode ser confortável. Se for confortável será um negacionismo muito grande. Deve pedir por políticas públicas. É o que vai reduzir as curvas de contágio e mortalidade e fazer com possamos voltar às aulas presenciais o mais rápido possível. Somos defensores da escola. Não defendemos a educação domiciliar. É uma questão complexa mas, neste momento, com bandeira preta, defendemos a vida antes do direito à educação.


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Edição: Marcelo Ferreira