Pernambuco

Coluna

Das coisas que fazem bem

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"A felicidade segue presente quando a gente entrega cestas básicas com sucesso ou ajuda uma pessoa a se cadastrar para se vacinar" - Giorgia Prates
Hoje eu quero falar da vida sem planos e da busca pelas pequenas alegrias

Eu ia escrever sobre a pandemia da Covid. Eu tenho escrito e falado muito sobre a pandemia. Sobre a necessidade de os governos comprarem vacinas. Da importância de prefeituras e governos fazerem o trabalho que não vem sendo feito pelo Governo Federal. De a população se conscientizar ainda mais. De quem puder, ficar em casa. De o poder público garantir as condições materiais de as pessoas poderem cumprir sua quarentena em segurança sanitária e material. Mas hoje eu não quero falar sobre Covid.

Eu ia escrever sobre a fome. Eu tenho escrito e falado muito sobre a fome. Tenho contribuído e estimulado mais pessoas a participarem de campanhas de solidariedade. Esses dias ouvi um companheiro militante dizendo que o Brasil agora está dividido entre quem faz home office e quem passa fome. É verdade. O Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil mostrou que mais da metade da população está em algum grau de insegurança alimentar e quase 10% do povo está com fome. Mas hoje eu não quero falar sobre fome. 

Eu ia escrever sobre Bolsonaro. Eu tenho escrito e falado muito sobre Bolsonaro. Da tragédia irreparável que a sua eleição trouxe pro nosso país. Da urgência de ter o governo protofascista interrompido o quanto antes, por renúncia, impeachment ou o sonho que seria a cassação da chapa pelo TSE. Motivos não faltam para qualquer opção. Também tenho falado que o campo republicano inteiro precisa dialogar para que essa experiência nefasta não passe de 2022 de jeito nenhum. Não pode ser apenas da esquerda a tarefa de tirar do poder um governo eleito com a força de banqueiros, pseudolideranças religiosas, donos da  mídia e latifundiários – muitos deles hoje arrependidos. Mas não, eu hoje eu não quero falar sobre Bolsonaro.

Eu ia escrever sobre a morte. Sobre a agonia de se viver num momento sem perspectivas. De não saber se vai ter quando vai ter São João Carnaval Festa de Criança Formatura Natal Réveillon Cinema Teatro Igreja Bar Boate. Mas não vou. Como também não vou falar da dor tão frequente de perder gente querida, mas não vou.

Hoje eu quero falar da vida sem planos e da busca pelas pequenas alegrias que nos fazem crer que isso tudo vale a pena. Da obrigatoriedade de, numa época em que os planos não são possíveis, viver cada vez mais cada minuto. Do desafio que é, como disse minha amiga Carmem Silva, expoente do feminismo aqui no Recife, “mudar o mundo e ser feliz ao mesmo tempo”.

Porque, sim, a alegria é uma necessidade como a de comer, respirar e derrubar Bolsonaro. Uma necessidade que, como tantas outras, também precisa ser reinventada. A felicidade segue presente quando a gente entrega cestas básicas com sucesso ou ajuda uma pessoa a se cadastrar para se vacinar. Não sei vocês, mas meu coração acelera toda vez que eu recebo a notícia de uma campanha bem sucedida em que pude contribuir mesmo que um pouquinho.

Mas também nas coisas simples. Na busca pela leveza dentro de casa. Naquele cheirinho que o cuscuz solta quando fica pronto e se espalha pela cozinha. Numa brincadeira de mímica com as várias gerações que vivem dentro de casa. No suor que molha a camisa depois de uma caminhada ao ar livre. Na descoberta de um livro novo, no resgate de uma amizade que mora longe e que agora tá tão perto quanto qualquer vizinha. Às vezes uma frase da filha, um gesto da companheira, um abraço do filho já bastam pra o olho brilhar.

Tenho também mexido com plantas quase todo dia. Numa parede pendurei jarros com cebolinha, hortelã, manjericão, essas coisas. Botei no chão da frente de casa uma pitangueira. Tem um jardim que flora quase todo dia e solta um perfume tão gostoso que deve ser assim o cheiro da felicidade. 

Tava morrendo o jardinzinho. Botei no sol, fiz um carinho, dei uma molhadinha a mais. Com poucos dias já tinha folhinha verde. Uma semana e já estavam as florezinhas branquinhas e efêmeras aparecendo novamente. 

Tem Covid, tem fome, tem Bolsonaro? Tem. E vamos seguir lutando para que, o mais brevemente possível, não haja mais.

Nem a pau eu vou romantizar a pandemia. Nem vou ficar buscando lado positivo no desastre total que tem sido esta experiência de viver num país cujo governo prefere apostar na morte. Não há nada, absolutamente nada de bom que possa ser causado por esta conjuntura. 

Mas nós estamos aqui, presentes. E com vida. E com sonhos. E com amor. E alegrias grandes e pequenas, simples e complexas, sutis e retumbantes. Disso a gente não pode abrir mão jamais.

As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do jornal

Edição: Vanessa Gonzaga