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Entenda o que está por trás de mais um julgamento de Lula no STF

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"Por tudo isso, deve-se ficar muito atento aos próximos passos processuais de Fachin e do STF"
"Por tudo isso, deve-se ficar muito atento aos próximos passos processuais de Fachin e do STF" - Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Moro manobrou e criou subterfúgios para desrespeitar a lei e chamar para si uma super competência

Acompanhar política no Brasil virou um desafio. Com reviravoltas típicas de novela, o judiciário brasileiro segue querendo ser o protagonista dos rumos do país e parece não querer as pazes com um mínimo de estabilidade institucional.

Desta vez, quem toma os noticiários de política é o julgamento de três agravos regimentais, recursos interpostos pela Procuradoria-Geral da República e pela defesa de Lula, no bojo do HC 193.726,  no qual o Min. Fachin decidiu, monocraticamente, em 08 de março deste ano, pela incompetência do juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba.

Essa decisão restabeleceu os direitos políticos de Lula, ao determinar a nulidade das decisões proferidas pelo juízo de Curitiba.

Decisão a ser comemorada, certo? Sim, se não fosse o coelho na cartola que ela pode esconder. Lembremos que o Ministro Fachin é o famoso “Aha Uhu o Fachin é Nosso” e motivos para desconfiança quanto ao comportamento de Fachin não faltam. Vamos entender o juridiquês por trás de tantos julgamentos.

Há dois Habeas Corpus (HC) impetrados pela defesa de Lula que estão em discussão neste momento. Um deles, o HC 193.726, versa sobre a incompetência do juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba. O outro, HC 164.493, versa sobre a suspeição do juiz Sergio Moro.

Permitam explicar que competência, no vocabulário jurídico, nada tem a ver com o senso comum. Trata-se da esfera de atribuições conferidas a um dado órgão jurisdicional, definida por lei prévia. Ou, como diria Albuquerque Rocha, competência é a divisão do trabalho no âmbito do poder judiciário. Suspeição é o comportamento parcial, movido por interesses pessoais do juiz, que o impedem de julgar conforme os preceitos da lei.

As duas sombras que pairam sobre os julgamentos de Sergio Moro nos casos Lula são a de que ele teria ferido tanto a competência, quanto a imparcialidade, necessárias ao julgamento. 

Não à toa, competência e imparcialidade são garantias que andam abraçadas e se ligam ao princípio do juiz natural, que assegura o direito a um julgamento justo. Moro não era competente para julgar as acusações do MPF contra Lula e chamou para si esta competência justamente porque era parcial e tinha um objetivo político envolvido no julgamento.

A competência é definida, em regra, pelo local do crime. Ora, a tese do Ministério Público é que Lula teria supostamente cometido crimes de corrupção e lavagem de direito. Mas se o exercício da presidência ocorreu em Brasília, a sede da OAS (empresa em relação à qual se fez a acusação de corrupção) é em São Paulo e o apartamento triplex, que seria o objeto da lavagem de dinheiro, situa-se no Guarujá, como os processos foram parar em Curitiba?

Simples. Moro manobrou e criou subterfúgios para desrespeitar a lei e chamar para si uma super competência, que englobasse o poder de julgar todos os atos praticados na gestão petista. Seu critério era exclusivamente político e sua vaidade de colocar-se como super herói da direita neofascista e da direita liberal não escondia, em nenhum momento, seus intentos políticos por trás do exercício da magistratura. O pretexto para tal foi a prevenção (fixação da competência) em relação aos processos envolvendo corrupção junto a Petrobras. A partir daí, tudo passava a ter relação com a Petrobras, mesmo quando fosse evidente não haver ligação, como no caso do triplex.

Por isso, mais recentemente, a fim de limitar os “super poderes da operação Lava Jato”, o STF definiu, no julgamento da Questão de Ordem no Inquérito 4130, que a competência da 13ª Vara Federal restringia-se a crimes praticados direta e exclusivamente em detrimento da Petrobras. Aliás, é o entendimento fixado nesta QO que deverá ser aplicado pelo Pleno do STF, no julgamento dos agravos regimentais.

A discussão de mérito do HC 193.726 é se a 13ª Vara Federal de Curitiba teria ou não competência para julgar os processos de Lula. 

O Plenário do STF definiu, em 14 de abril, sua própria competência para julgar os recursos interpostos no âmbito da decisão monocrática de Fachin no HC 193.726.

Mas como chamou atenção o Ministro Lewandowski, é peculiar que, dentre milhares de habeas corpus que a Primeira e a Segunda Turmas do STF julgam anualmente, justamente os de Lula serem afetados ao Plenário da Corte. 

Lembremos que foi também o Ministro Fachin quem requereu afetação ao Plenário do julgamento do HC 152.752, por meio do qual Lula buscava impedir a execução provisória da pena diante da confirmação da condenação pelo TRF-4. À época, o STF deveria ter julgado ações constitucionais que firmariam precedente (fixação de um entendimento jurídico que deve prevalecer) para todos os casos particulares. Entretanto, em evidente manipulação da pauta, julgaram o caso de Lula antes de fixarem uma regra geral de interpretação da lei e somente quase dois anos depois vieram a julgar a regra geral. 

A respeito, vale a transcrição do voto do Ministro Lewandowski: “No caso anterior, que resultou na prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por 580 dias e lhe custou a candidatura à presidência da República, no momento em que as pesquisas de opinião indicavam que ele estava bem cotado, o que aconteceu nesta Suprema Corte? Rememoremos, a bem da História. Houve uma opção de trazer o Habeas Corpus, que era uma questão subjetiva que envolvia o ex-presidente Lula, tirando-o da Segunda Turma, trazendo-o ao Plenário, antes de decidir as ações diretas de constitucionalidade impetradas pela Ordem dos Advogados do Brasil. Se essa inversão não tivesse sido feita, a história do Brasil poderia ter sido diferente”.

É notória a denúncia de que o ardil utilizado por Fachin, com aval da Corte (afetação ou desafetação ao Plenário ao sabor dos cálculos políticos), e a supressão dos direitos civis e políticos de Lula, à margem do entendimento que veio a ser firmado posteriormente, quando do julgamento das ADCs, foi responsável pelos rumos políticos nos quais o Brasil veio a se enredar, culminando com a eleição de um genocida para a presidência da República, diante da falta do candidato que se apresentava como opção popular.

Fachin tem utilizado o ardil de afetar o julgamento para o Pleno e mudar a competência da Segunda Turma do STF, que concedeu o HC, reconhecendo que o ex-juiz Sergio Moro agiu de forma parcial e contrária aos deveres de um magistrado. A manobra, a arbitrariedade e a instabilidade do comportamento de Fachin foi alvo de críticas de vários colegas.

O Ministro Marco Aurélio lembrou inclusive que Fachin se tornou relator dos processos da Lava Jato porque migrou da Primeira para a Segunda Turma do STF, ou seja, pode-se dizer que ele escolheu ser juiz destes processos, o que já colocaria, por si só, uma dúvida sobre sua isenção processual.

Tudo isto deve ser levado em consideração quando analisamos o julgamento atual que ocorre no STF sobre o caso Lula. Existe manobra política na condução processual realizada por Fachin? Provavelmente.

Fachin entende que o julgamento do HC 193.726, sobre a incompetência, prejudicaria o julgamento do HC 164.493, sobre a suspeição de Moro. Isso quer dizer que julgada a incompetência, o julgamento sobre a suspeição de Moro não deveria prevalecer. Mas, afinal, existe alguma diferença importante entre esses dois HC? Sim, existe.

O julgamento da incompetência do juízo levou à nulidade dos atos decisórios praticados na 13ª Vara Federal de Curitiba, mas manteve os atos instrutórios, de produção de prova, incluindo as provas decorrentes de buscas e apreensões, de interceptações telefônicas, de audiências de instrução e julgamento conduzidas com parcialidade, etc. 

Lembremos que a Vaja Jato revelou que Sergio Moro e Deltan Dallagnol combinavam as provas que deveriam ser juntadas aos autos e que o “juiz”, pasmem, indicava ao Ministério Público quais testemunhas deveriam ser arroladas por ele e quem deveriam ser os procuradores que deveriam realizar a sustentação oral, porque “eram melhores de retórica”.

Mais grave: mantidos os atos probatórios, o novo juízo poderia proferir outra sentença rapidamente, com base em todas aquelas provas notoriamente produzidas com parcialidade, apenas para simular um novo julgamento legítimo. Tudo isso a tempo de impedir novamente o direito de Lula ser candidato. 

Já o julgamento da suspeição do juiz Sergio Moro tem consequências processuais muito distintas. Todos os atos processuais praticados por Moro foram declarados nulos. Vale dizer que os processos deveriam ser retomados desde sua fase inicial, garantindo-se o direito a Lula de ver as provas serem produzidas com imparcialidade e com respeito à lei e ao princípio da igualdade. 

Por tudo isso, deve-se ficar muito atento aos próximos passos processuais de Fachin e do STF, pois como disse o Ministro Gilmar Mendes, estes processos andam a passos trôpegos e, arremato eu, quem corre o risco de tropeçar é nossa democracia.

As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do jornal

Edição: Vanessa Gonzaga