Paraná

Educação

“Na escola, eles disseram que a gente tinha que se virar”

Mães relatam dificuldades para acompanhar aulas remotas e falta de auxílio da Prefeitura de Curitiba

Curitiba (PR) |
“Tive que deixar o trabalho para ajudar eles nas aulas", diz Ana Paula Gouveia, que trabalhava como catadora de papel - Foto: Giorgia Prates

No Brasil, 20 milhões de domicílios não têm internet, de acordo com dados da pesquisa TIC Domicílios 2019. Dados preliminares de 2020 apontam que quase cinco milhões de crianças e adolescentes, entre 9 e 17 anos, vivem em domicílios sem acesso à rede. Números que podem ser constatados na prática com quem mora na periferia e em ocupações em Curitiba. Há dificuldades para acompanhar as aulas via internet e as famílias reclamam de total falta de apoio da Prefeitura.

Juliana Santos de Souza, moradora na Vila Formosa, mãe de uma menina que cursa ensino fundamental, relata que depois de um ano da pandemia conseguiu um celular emprestado para que a filha pudesse acompanhar as aulas. As duas moram numa casa com mais cinco familiares e não tinham computador nem celular, muito menos acesso à internet.

“A dificuldade maior é que, agora, eles exigem que o [programa] Meet fique ligado, com a câmera aberta. Só agora conseguimos emprestar de um conhecido o celular com câmera frontal exigida. Ano passado eu buscava as atividades impressas e depois devolvia. Isso facilitava para quem não tinha celular. Agora é só pela internet, pelo Google Classroom”, relata Juliana. “Consegui o celular, mas estou desempregada e tem que comprar créditos. Tá complicado”, diz.


"Consegui o celular, mas estou desempregada e tem que comprar créditos", relata Juliana / Giorgia Prates

Essas e outras dificuldades também fazem parte do cotidiano de Ana Paula Gouveia, mãe de cinco filhos, três deles na escola pública. Ela e o marido são catadores de papel e, no momento, só ele tem saído para trabalhar. Ela acompanha as aulas dos filhos. Além da dificuldade de acesso à internet, ela diz que as crianças não estão aprendendo.

“Tive que deixar o trabalho para ajudar eles nas aulas. Mas com dificuldades com as tecnologias, e o problema que eles nem sabem escrever e eu não tenho muita experiência para ensinar”, diz. Muitas vezes ela e o filho mais velho preenchem as atividades dos mais novos a serem entregues na escola.

As famílias reclamam também que há falta de apoio por parte da Prefeitura de Curitiba. “Eu estive na escola para mostrar o celular antigo que a gente tinha e dizer que não possuía câmera frontal. Eles só disseram que a gente tinha que se virar”, relata Juliana. 


Famílias reclamam de falta de apoio da Prefeitura / Giorgia Prates

 

Embora ter internet seja considerado fundamental para o exercício pleno da cidadania – o direito ao acesso universal está previsto, inclusive, na lei 12.965/2014, o Marco Civil da Internet. Ou seja, a questão vai além da dualidade entre ter ou não ter. E, apesar de ser um direito, as famílias reclamam que há falta de apoio por parte da Prefeitura. “Eu estive na escola para mostrar o celular antigo que a gente tinha e mostrar que não possuía câmera frontal. Eles só disseram que a gente tinha que se virar,” relata Juliana.  

Para a professora de Pedagogia da Universidade Federal do Paraná, (UFPR), Adriane Knoblauch, nem todas as famílias têm acesso de qualidade à internet para acompanhar aulas em tempo real, e sendo assim o planejamento pedagógico deveria ser feito adequado à realidade de cada turma. “No meu ponto de vista, são dois os maiores problemas: a centralização das decisões e a desvinculação do ensino com a realidade das turmas. Por um lado, há a falta de interação com as professoras, de outro, há também a perda de autonomia destes docentes na organização das atividades pedagógicas", explica. 

 

O que diz a Prefeitura

Em nota ao Brasil de Fato Paraná, a Secretaria Municipal de Educação informou que “as escolas realizaram campanhas e arrecadaram doações de TVs, antenas e aparelhos de celulares para famílias com essa necessidade específica.” Não houve resposta, porém, se há algum programa criado ou pensado pela Prefeitura para garantir o acesso dos alunos carentes à estrutura necessária para acompanhar as aulas.

Edição: Lia Bianchini