Pernambuco

FUNDAMENTALISMO

Construção de igreja em terra Truká mostra avanço neopentecostal em terras indígenas

Influência política das igrejas nos territórios tem dificultado até mesmo vacinação das etnias

Brasil de Fato | Recife (PE) |
A construção da sede da igreja e as declarações do pastor geraram revolta dentro da comunidade indígena Truká - Comunidade Truká/arquivo

No fim do mês de abril, as imagens que mostram a demolição de uma igreja da congregação Assembleia de Deus construída ilegalmente nas terras da etnia Truká na Ilha de Assunção, na cidade de Cabrobó, localizada no sertão pernambucano, tomaram as redes sociais.

A ação do povo Truká foi uma resposta à ofensiva neopentecostal dentro dos territórios indígenas e às declarações do pastor Jabson Avelino, representante da Assembleia de Deus na cidade, que relacionou os rituais e tradições indígenas com o demônio, figura presente apenas nas religiões cristãs. 

A construção da sede da igreja e as declarações do pastor geraram revolta dentro da comunidade, como explica o Cacique Truká Bertinho Alves. “Demos a resposta que entendíamos como necessária naquele momento para a preservação da nossa cultura, crenças e tradições. A lei fala que o território indígena é demarcado para o seu uso, costumes e tradições e que tem que ser respeitada a organização interna do povo. Mas eles quiseram afrontar as lideranças”, afirma. 

O caso Truká não é isolado. Em um estado laico, uma das metas do governo Bolsonaro é intensificar o trabalho de evangelização de indígenas, bandeira de Damares Alves, Ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos.

Dinaman Tuxá, advogado e coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), afirma que o fundamentalismo religioso tem impactos em todos os aspectos da vida das comunidades “Nós temos relatos, aqui no Nordeste, em especial, de grupos e etnias que se recusaram a tomar a vacina por causa da influência desse grupo religioso neopentecostal que incide na comunidade questionando a eficácia e falando que a vacina era amaldiçoada”.

O advogado explica que as organizações indígenas vem denunciando nos órgãos do Poder Judiciário as ações de grupos fundamentalistas nos territórios “Nós temos um corpo jurídico na estrutura da APOINME e da APIB que está de forma vigilante emitindo notas, comunicando o Supremo Tribunal Federal, entrando com representação no Ministério Público Federal. Esse corpo jurídico vem atuando de forma constante nessas iniciativas”, ressalta.

Ofensiva Neopetencostal

A omissão do Estado brasileiro em atuar de forma efetiva na proteção dos territórios e cultura dos povos originários abre precedente para a atuação de denominações fundamentalistas “A construção de igrejas não é tão comum, mas existem as missões religiosas, que chegam com o intuito de trazer ajuda humanitária e a grande maioria das comunidades tem essa deficiência, inclusive pela ausência do Estado e políticas públicas”, explica Dinaman, que também afirma que os grupos religiosos também tem atuado no Congresso para criminalizar alguns costumes das etnias. 

A ofensiva neopentecostal também é forte em órgãos de Estado. Em fevereiro deste ano, o pastor e missionário Ricardo Lopes Dias assumiu a Coordenadoria Geral de Índios Isolados e Recém Contatados da Fundação Nacional do Índio (Funai). Dias é membro da Igreja Batista Fundamentalista Cristo é Vida, de Fortaleza, Ceará. Dinaman denuncia que esta é uma ação organizada “Eles acabaram ocupando não só a Funai, mas diversos órgãos do estado para tentar avançar com essas pautas conservadoras”

Às vésperas do tricentenário da chegada dos Truká ao território que hoje é conhecido como Cabrobó, o Cacique Bertinho espera que haja mais diálogo e respeito na relação com os não indígenas “Queremos dizer – não só à população de Cabrobó – que estamos resistindo nesse pedaço de chão há um bom tempo e vamos lutar para o nosso povo se perpetuar aqui por muitos e muitos anos, sendo respeitado, escutado e vivendo em paz e harmonia dentro do nosso território e da nossa organização”.

Em nota pública, a igreja Assembleia de Deus informou que não tem responsabilidade sobre a construção da estrutura demolida pelos indígenas. A Assembleia também reconheceu que não há autorização para a obra.

 

Edição: Monyse Ravena