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Fora dos stories

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"Tempos de retrocesso ofendem os sonhos, como se já não faltassem desafios" - Reprodução/Twitter
Então estamos apenas disputando o poder?

Fora dos stories eu tou aqui olhando a chuva pensando em coisas boas. Tou ouvindo Glauber Braga falar de antipunitivismo e abolicionismo. Tou lembrando de porque eu me filiei em um partido, de porque eu resolvi cumprir uma missão eleitoral, botando a cara no santinho e fazendo campanha pra conquistar mandato.

Fora dos stories eu tou pensando numa ousadia petulante que precisa ser nutrida. Até porque pra fazer e falar o que a maior parte da turma da política faz e fala já tem gente demais. 

Se não for pra dizer que prender gente é ruim pra a sociedade, pra que disputamos? Se não for pra abrir a boca e gritar que política sobre droga tem que ser a do cuidado, qual é nossa tarefa? Se não for pra defender, ao lado delas, o direito das mulheres ao próprio corpo, qual é a nossa? E pra denunciar o racismo estrutural e propor o caminho da reparação? Se não for pra ter coragem de propor mudanças no jeito de se produzir e principalmente dividir riqueza no nosso país, o que estamos fazendo? 

O Coronel Aureliano Buendía, perdedor de tantas batalhas e insistente revolucionário fantástico dos Cem Anos de Solidão, questionava. “Então estamos apenas disputando o poder?” 

Tempos de retrocesso ofendem os sonhos, como se já não faltassem desafios. Estar sob um governo comprovadamente genocida e corrupto, que planta violência e colhe ódio, embaça a vista para um futuro possível. Sim, em tempo de ameaça autoritária, é tarefa defender as instituições nacionais e a democracia formal. Mas as instituições nacionais e a democracia formal jamais deram conta da nossa necessidade de direitos e liberdade. Erra rude quem escolhe esquecer esse detalhe. Por falta de atenção, a semente da esperança não pode gorar.

Derrubar Bolsonaro é um urgente consenso entre quem gosta de gente. Mas pensar, falar e agir por uma sociedade justa, solidária e humana são missões que não podem permanecer latentes no aguardo de terrenos mais férteis. Como ensina o povo da Agroecologia, terra ruim não se abandona: se transforma com ciência e com trabalho.

Fora dos stories, eu alimento as minhoquinhas na composteira, planto tomates com saladas esperanças. Crio um menino pequeno que gosta de cantar e desenhar. Acompanho o desenvolvimento de uma menina adolescente criativa e exigente, que desperta para curiosidades novas e frustrações inéditas em tempos jamais vistos. Alimento um amor, cúmplice, revolucionário e em constante transformação com uma mulher maravilhosa que me desafia todos os dias. Dou carão num pai generoso e treloso, aplaudo sucessos de irmão e irmã. Recentemente tenho, aos poucos, reencontro amizades antigas de quem sinto falta e que me fazem chorar de sorrir.  Busco construir com essa turma uma família que se renova o tempo inteiro e rotinas, diálogos e práticas. 

Vez ou outra, menos que gostaria, ouso uma praia. Mergulho ouvindo o marulho e emerjo com olhar no horizonte. Aperto o olho pra ver mais longe, paquerando o horizonte desse planeta redondo que segue seu caminho sem saber que eu existo. E renovo meu amor por tudo que é de carbono.

As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do jornal

Edição: Vanessa Gonzaga