Pernambuco

Coluna

Lute pelas mulheres do Afeganistão

Imagem de perfil do Colunistaesd
Cartazes e propagandas com rostos de mulheres foram vandalizado na cidade de Cabul, capital do Afeganistão - AFP
É na ausência de resistência que o autoritarismo se instala

Localizado numa região montanhosa da Ásia, sem saída para o mar, mas no centro de importantes rotas comerciais de países vizinhos como a China e o Irã, o Afeganistão está no centro de disputas políticas há décadas. Em 1979, foi invadido pela União Soviética, que alegou estar combatendo guerrilheiros islâmicos decididos a levar sua guerra santa para as repúblicas soviéticas. Em seguida, conflitos étnicos, religiosos e divisões tribais pavimentaram o caminho que lançou o país nas mãos do grupo fundamentalista sunita Talibã em 1996.  

É importante lembrar que os Estados Unidos chocaram o ovo da serpente quando, nos anos 80, financiaram e treinaram grupos fundamentalistas islâmicos (os mujahidin) para combater a ex-União Soviética no contexto da Guerra Fria. Tanto o Talibã quanto a organização terrorista Al Qaeda são fruto desses grupos, antigos aliados dos americanos, que agora voltam a atormentar o povo afegão.

O impacto dessa retomada dos fundamentalistas é particularmente violento sobre as mulheres e meninas afegãs. Nos últimos 20 anos, período em que o Talibã esteve alijado do poder, as mulheres voltaram a trabalhar e estudar. Não mais precisavam usar as burcas, que deixavam apenas as sombras dos olhos visíveis. Mas eis que, de repente, o sonho acabou. Ou transformou-se em pesadelo.  O Talibã e seus fanáticos religiosos estão de volta, arrastando as sombras de uma era medieval que teima em não findar naquele país.

Para se ter um impacto desse regime extremista sobre as mulheres, a expectativa de vida delas era de apenas 57 anos até 2001. Nos últimos 20 anos, subiu para 66 anos. Não é o ideal, mas é bem melhor do que o cenário anterior. No mesmo período também aumentou em 50% o número de meninas no ensino primário e as mulheres voltaram a ocupar cargos na vida pública, chegando a representar um quarto do Parlamento.

Todas essas conquistas podem estar com os dias contados se o mundo cruzar os braços diante do que promete ser uma nova tragédia humanitária. Já há notícias de mulheres sendo obrigadas a deixar seus cargos e abandonar os estudos. E o pior: de que militantes estão procurando meninas acima de 15 anos e viúvas com mais de 40 anos para obrigá-las a se casarem com soldados talibãs. 

Aliás, a repressão começou bem antes da tomada do poder. No ano passado, mulheres afegãs que atuavam nas áreas de jornalismo, saúde e direito foram mortas em uma onda de ataques, relacionada às negociações de paz entre o Talibã e o governo afegão, apoiado pelos EUA.

As promessas de moderação do novo regime não convencem ninguém. Afinal, quem consegue esquecer que a paquistanesa Malala Yosafzai foi baleada na cabeça apenas por lutar pelo direito de ir à escola? Ou das mulheres chicoteadas ou apedrejadas nas ruas pelo crime de não estarem totalmente cobertas?

O fundamentalismo religioso que ameaça a vida das mulheres afegãs também tenta mostrar suas garras em nosso país, com a ameaças sucessivas de um governo ultraconservador a direitos duramente conquistados. O Afeganistão é um caso extremo e exige uma resposta global urgente, mas não devemos perder de vista as sucessivas ameaças à nossa liberdade de escolha e aos nossos direitos no Brasil. É na ausência de resistência que o autoritarismo se instala.

As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do jornal

Edição: Vanessa Gonzaga