Pernambuco

Coluna

Onde queres fuzil, eu sou feijão

Imagem de perfil do Colunistaesd
Diante do aumento da fome, organizações populares tem distribuído alimentos para pessoas em situação de vulnerabilidade - Foto: Lucas Leffa
Para milhões de pessoas, a pandemia que vivenciam é a da fome

Eu tinha planejado falar nesta primeira coluna aqui no Brasil de Fato sobre aquela velha expressão que dizia que o Brasil é o país do futuro. Onde todas as nossas expectativas se concretizariam, onde nossas riquezas seriam ainda mais abundantes. Só que o futuro se mostrou agora, na fala recente do presidente da república que chamou de idiotas aqueles que falam que é preciso comprar feijão, ao invés de armas. 

Eleito com uma plataforma armamentista, seria esperado dele a defesa enfática do uso de armas, mas a comparação com o feijão me espantou. Pela falta de humanidade, pelo desrespeito a 84,9 milhões de brasileiras e brasileiros que estão hoje em situação de fome ou insegurança alimentar, segundo dados divulgados no início de agosto pelo Programa Mundial de Alimentos da ONU. Esse número equivale a 41% da população total do nosso país. Em termos de comparação, hoje, na tão temida Venezuela, o número de famintos corresponde a 33% da população. Os dados utilizados nessa pesquisa em questão são de antes da pandemia. A expectativa é que este cenário seja ainda pior agora.

Não se trata de uma competição sobre quem tem mais fome. Longe disso. Ninguém no mundo deveria não ter o que comer. Mas, no Brasil, a fome tem rosto e tem cor. Dos 41% da população sem acesso regular à alimentação básica, 28,4% são integrantes de famílias chefiadas por negros ou pardos, enquanto 12,1% vivem em lares em que o responsável pela família é branco. Em agosto atingimos o patamar recorde do índice de miséria no país, com 23,47 pontos, em um total de 14,8 milhões de desempregados. Isso, quando computamos apenas as perdas de empregos formais. No campo dos informais existe um vácuo não contabilizado pelo IBGE, ou seja, estamos em uma situação muito pior.

Um estudo feito pela Universidade Livre de Berlim em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais e a Universidade de Brasília, e divulgado em abril, mostrou que 59,4% dos domicílios apresentaram algum grau de insegurança alimentar entre agosto e dezembro de 2020. O que isso nos diz? São 125,6 milhões de pessoas que se alimentam de forma inadequada ou que sequer sabem quando vão conseguir se alimentar. É preciso negritar que estamos falando de fome. Para milhões de pessoas, a pandemia que vivenciam é a da fome. No Nordeste, a situação é ainda mais grave. Aqui, 73,1% dos lares registraram situação de insegurança alimentar. 

No outro prato dessa balança está o agronegócio, que em junho, bateu mais um recorde ao faturar 12,11 bilhões de dólares com a venda de produtos agropecuários para o exterior. A cifra é 25% maior que os 9,69 bilhões de dólares registrados no mesmo mês do ano passado. A marca recorde também havia sido superada nos meses de abril e maio, de acordo com dados do centro de pesquisa Agro Global. O foco do agronegócio está no atendimento da demanda externa, que se mostra muito mais lucrativa com a alta do dólar. Hoje, a população não consegue comprar arroz porque o compromisso é com o mercado externo, o que provocou um aumento de 70% no preço ao longo do último ano. 

Não é possível que a gente assista a isso e ache que é normal metade da população não ter nem direito a se alimentar enquanto 65 brasileiros estão no ranking de Bilionários do Mundo, elaborado anualmente pela revista norte-americana Forbes. Do total, há dez empresários que atuam na área da saúde e que expandiram sua fortuna em 134%. É isso mesmo! Enquanto perdemos milhares de vidas, milhões estão desempregadas, sem dinheiro para comida ou moradia, há um aumento na fortuna de bilionários em nosso país. O país que é governado por um homem que acha que R$ 600 de auxílio emergencial é muito, que debocha da pandemia, cujo Ministro da Economia quer negociar os nossos direitos e privatizar as estatais com a desculpa de que não tem dinheiro e que pergunta qual é o problema da conta de luz aumentar ainda mais. 

O problema, senhor ministro, é a sua presença e a do seu presidente nos cargos que ocupam. O povo quer feijão no prato, quer ter condições de pagar a sua luz, quer direito à saúde de qualidade e educação para os seus filhos. O povo, senhor presidente, quer emprego, quer ter uma renda básica permanente para que possa procurar trabalho sem ter medo de que seus filhos morram de fome. O povo não quer fuzil, senhor presidente. O povo quer que o senhor saia dessa cadeira, para assim ter alguma chance de vida digna. Onde queres fuzil, Bolsonaro, eu sou feijão. No prato das pessoas.

As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do jornal

Edição: Vanessa Gonzaga